Em parecer ao Supremo Tribunal Federal (STF), a Procuradoria-Geral da República (PGR) defendeu que sejam suspensos os efeitos da medida provisória editada editada pelo presidente Jair Bolsonaro e que, na prática, limita o bloqueio de conteúdos publicados em redes sociais.
Para o Ministério Público, é preciso tornar sem efeitos a MP até que as ações que contestam a medida tenham seu conteúdo analisado pela Corte. O documento é assinado pelo procurador-geral Augusto Aras e foi enviado ao STF nesta segunda-feira (13).
A MP, que tem força de lei, foi editada no dia 6, às vésperas da realização de atos em favor do governo Bolsonaro e de medidas antidemocráticas.
Ela altera o Marco Civil da Internet, que regulamenta o uso da rede de computadores no Brasil. O texto estabelece “direitos e garantias” aos usuários de redes sociais e define regras para a moderação de conteúdos. Pela norma, é necessário haver uma “justa causa” e “motivação” nos casos de “cancelamento ou suspensão de funcionalidades de contas ou perfis mantidos pelos usuários de redes sociais” (leia mais abaixo sobre as alterações feitas pela MP no Marco Civil da Internet).
Ainda conforme a MP, cabe ao usuário o direito ao “contraditório, ampla defesa e recurso” nos casos de moderação de conteúdo, sendo que o provedor de redes sociais terá de oferecer um canal eletrônico dedicado à aplicação desses direitos.
“A alteração legal repentina do Marco Civil da Internet pela MP 1.068/2021, com prazo exíguo para adaptação, e previsão de imediata responsabilização pelo descumprimento de seus termos geram insegurança jurídica para as empresas e provedores envolvidos, mormente em matéria com tanta evidência para o convívio social nos dias atuais”, afirmou o PGR no parecer enviado ao STF.
Ainda no parecer, Aras afirmou que o tema deve ser debatido amplamente tanto no Congresso Nacional quanto no momento em que o tribunal for analisar as ações que questionam o texto.
“Embora a Presidência da República e a Advocacia-Geral da União já tenham se manifestado sobre o pedido de medida cautelar, é prudente que o tema seja amplamente debatido tanto no âmbito do próprio Congresso Nacional — sede própria para discussões que envolvam elevado grau de accontability —, quanto, no julgamento desta ação direta de inconstitucionalidade, por técnicos, por representares da sociedade civil e pelas próprias empresas que hospedam os conteúdos das redes sociais, a fim de que confiram subsídios e elementos técnicos indispensáveis para a correta compreensão e solução da matéria sob o ponto de vista das inconstitucionalidades arguidas”, declarou.
O PGR também pediu que tenha a oportunidade de se manifestar novamente no mérito das ações – ou seja, no pedido para anular a MP por inconstitucionalidade – “após a colheita dos elementos necessários para um posicionamento seguro e embasado em quadro fático e jurídico mais completo sobre a demanda”.
“A exiguidade do prazo para as manifestações, somada à falta de todos os elementos técnicos e jurídicos relativos ao ato estatal impugnado, pode levar tanto este órgão ministerial quanto o Supremo Tribunal Federal a adotarem solução apriorística que não se compatibilize com a realidade do quadro normativo apresentado ou que não se atenha a todos os aspectos da matéria posta em discussão”, ponderou.
Aras citou no documento trecho do voto do ministro Celso de Mello na análise da legalidade do inquérito das fake news – que investiga a disseminação de notícias fraudulentas e ataques a ministros da Corte.
No trecho, o então decano apontou que a liberdade de expressão não permite a propagação de discursos de ódio ou ofensas, nem permite manifestações que ofendam direitos fundamentais. Neste contexto, ressaltou que a MP dificulta ações para impedir as situações citadas pelo ministro.
“A Medida Provisória 1.068/2021, ao estabelecer, na legislação vigente, rol aparentemente taxativo de hipóteses de justa causa para exclusão, a suspensão ou o bloqueio de conta (perfil) de usuário ou de divulgação de conteúdo gerado por usuários em redes sociais, dificulta a ação de barreiras que evitem situações como as descritas acima pelo Ministro Celso de Mello”.
As informações prestadas pela Procuradoria-Geral da República atendem a um pedido da ministra Rosa Weber, relatora de sete ações que questionam a medida, apresentadas na última semana por seis partidos e um senador. Uma oitava ação com o mesmo tema foi apresentada nesta segunda-feira pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
O texto MP editada por Bolsonaro também prevê o direito de “restituição do conteúdo” publicado pelo usuário – entre os quais, textos e imagens, quando houver requerimento – e o restabelecimento da conta, do perfil ou do conteúdo original em caso de “moderação indevida”.
“Está previsto o direito de restituição do conteúdo disponibilizado pelo usuário na rede social e a exigência de justa causa e de motivação nos casos de cancelamento ou suspensão de funcionalidades de contas ou perfis mantidos pelos usuários de redes sociais, bem como nos casos de exclusão de conteúdo”, informou a Secretaria-Geral da Presidência.
A MP ainda proíbe aos provedores de redes sociais “a adoção de critérios de moderação ou limitação do alcance da divulgação de conteúdo que impliquem censura de ordem política, ideológica, científica, artística ou religiosa”.
“Em observância à liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento, a exclusão, o cancelamento ou a suspensão, total ou parcial, dos serviços e das funcionalidades da conta ou do perfil de usuário de redes sociais somente poderá ser realizado com justa causa e motivação”, informa o texto.
Entre as possibilidades de justa causa para a exclusão, o cancelamento ou a suspensão da conta ou do perfil estão:
Contas criadas com o propósito de assumir ou simular identidade de terceiros para enganar o público, “ressalvados o direito ao uso de nome social e à pseudônimo e o explícito ânimo humorístico ou paródico”;
Contas “preponderantemente geridas por qualquer programa de computador ou tecnologia para simular ou substituir atividades humanas na distribuição de conteúdo em provedores;
Contas que ofertem produtos ou serviços que violem patente, marca registrada, direito autoral ou outros direitos de propriedade intelectual.
Já para o caso de exclusão, suspensão ou bloqueio da divulgação de conteúdo, a MP considera justa causa a divulgação alguns temas, entre os quais:
Nudez ou representações explícitas ou implícitas de atos sexuais;
Prática, apoio, promoção ou incitação de crimes contra a vida, pedofilia, terrorismo, tráfico ou quaisquer outras infrações penais sujeitas à ação penal pública incondicionada;
Apoio, recrutamento, promoção ou ajuda a organizações criminosas ou terroristas ou a seus atos;
Prática, apoio, promoção ou incitação de atos de ameaça ou violência, inclusive por razões de discriminação ou preconceito de raça, cor, sexo, etnia, religião ou orientação sexual.
Também é considerada a justa causa no caso de “requerimento do ofendido, de seu representante legal ou de seus herdeiros, na hipótese de violação à intimidade, à privacidade, à imagem, à honra, à proteção de seus dados pessoais ou à propriedade intelectual”.
De acordo com a Presidência, as mudanças são uma forma de assegurar “direitos dos usuários à liberdade de expressão e à ampla defesa e ao contraditório no ambiente das redes sociais”.
A Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom) publicou em sua rede social que a medida objetiva “maior clareza quanto a ‘políticas, procedimentos, medidas e instrumentos’ utilizados pelos provedores de redes sociais para cancelamento ou suspensão de conteúdos e contas”.
A publicação diz ainda que a intenção da medida também é combater a “a remoção arbitrária e imotivada de contas, perfis e conteúdos por provedores”.
A medida dá aos provedores o prazo de 30 dias, contados da data de publicação da MP, para que eles se adequem às novas regras.
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