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Raimundo Noleto chegou a dormir em cabana improvisada após a falência e antes de refazer a vida de empresário com a Villa Caldo

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Superação é a palavra que melhor define o empreendedor Raimundo Moreira Noleto, de 62 anos. Há aproximadamente oito anos, viu a empresa dos seus irmãos entrar em declínio. Foi no supermercado Casa dos Cereais que seu Raimundo, como é conhecido, sustentou a família e desenvolveu a função de Diretor Comercial por quase 22 anos. No entanto, encarou um destino cheio de reviravoltas, que nem mesmo ele imaginava vivenciar.


Antes de dar a volta por cima, enfrentou o desemprego, dificuldades financeiras, desilusões e até frio. A empresa que ele inaugurou em 2017 é testemunha de tudo que passou para conseguir mudar a realidade após deixar o supermercado. Uma cabaninha com um engenho velho de cana de açúcar fez surgir a Villa Caldo, ambiente peculiar, diferenciado e promissor na capital acreana. Para comprar o terreno, fez uma troca com o proprietário. Construiu uma casa de 350 m² com as próprias mãos e ajuda de amigos e familiares para obter a área pequena de terra, que fica às margens direita da entrada do bairro Tancredo Neves.

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Seu Raimundo chegou ao Acre vindo da cidade Gurupi, no Tocantins, em 1999.  Ele e seus 14 irmãos sempre tiveram contato com o comércio desde criança. A família sempre esteve envolvida com pequenas vendas de frutas, verduras e grãos. “Meus irmãos vieram primeiro, há cerca de 28 anos. Eu estou há 22 anos nessa terra boa que é o Acre. Vim trabalhar com meus irmãos porque estava passando por um momento difícil na minha cidade. Eles me chamaram e resolvi vir”, conta.


Assim que chegou a Rio Branco, ajudou a ampliar a Casa dos Cereais, quando quatro irmãos já estavam gerindo o mercado. Desde que chegou, assumiu a diretoria comercial do empreendimento, mas era um diretor que fazia um pouco de tudo. “Eu colocava a mão na massa mesmo. Agorinha mesmo estava ali em cima do telhado arrumando umas coisas. Eu faço soldagem, massa, sou pedreiro, serralheiro, faço tudo, principalmente nesse momento de recomeço”, salienta.


Após o fechamento da Casa dos Cereais, seu Raimundo foi um dos únicos que ainda quis seguir no ramo. Alguns voltaram para Tocantins, outros permaneceram, mas dedicados a outros negócios. A maioria desistiu do comércio. “Eu continuei porque sou uma pessoa que gosta sempre de se superar. Superação é meu forte. Para mim, não tem tempo ruim”, afirma.


Após o fechamento da empresa, a família toda ficou desempregada. “Quando [o supermercado] fechou eu tinha 55 anos, isso já faz quase 8 anos. Eu sei recomeçar, eu gosto de recomeçar. Da mesma forma que o Brasil, em alguns critérios, tem que recomeçar, eu também tenho. A gente aprende isso no decorrer da vida e é bom para podermos continuar gerando oportunidade de emprego para as pessoas”, garante.



De portas fechadas – A reportagem procurou saber de Raimundo, uma das pessoas mais inseridas na condução do supermercado Casa dos Cereais, o que pode ter acontecido para que uma empresa já consolidada no mercado não conseguisse mais manter as portas abertas. A experiência lhe fez observar erros e equívocos, inclusive de sua parte.  “Acredito que podemos ter transferido responsabilidades antes da hora, pode ter faltado uma boa gestão também. Mas aprendi muito com meus irmãos”, ressalta.


Além da questão da carga tributária, dificuldades no então sistema de mercado, o empresário conta que também faltou mais ousadia para poderem acompanhar a concorrência. “As coisas foram evoluindo, mas não investimos. Saí da empresa antes de fechar, mas já estava com alguns problemas. Faltou motivação minha também. Me arrependi de ter saído cedo, deveria ter capacitado mais pessoas para entrarem em meu lugar”, aponta Raimundo.


Entre o conjunto de fatores que pode ter favorecido a falência do empreendimento, ele detalha ainda certa falta de garra, principalmente da família, por se tratar de uma empresa familiar, que chegou a ter oito irmãos no comando.


Quando decidiu entrar no comércio novamente, alguns de seus irmãos questionaram e perguntaram se Raimundo “estava doido”. A idade já avançada, o cansaço, pareciam ser empecilhos para o começo de uma nova trajetória. “Hoje alguns deles vêm tomar café comigo”, brincou. “Eu digo que não estou velho. Se Deus me der 100 anos, quero trabalhar enquanto eu tiver vida. Gosto de empreender, capacitar e formar pessoas. Não penso só em mim”, destaca.


Seu Raimundo chegou a gerir mais de 400 funcionários no auge da Casa dos Cereais. Hoje, recomeçando com mais de 10 colaboradores diretos, fora os indiretos, acredita que o empreendedor não só acerta, mas erra também nos negócios. “Em determinados momentos, junto a meus irmãos, na hora de tomar uma decisão, a maioria ficava em dúvida sobre o quê fazer e eu que tinha que dar a palavra final. Quando se acerta, beleza. Mas quando erra, não é bom”, lamenta.

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Concorrência desleal – Outros problemas também são apontados como cruciais para o fim da era Casa dos Cereais. Erros ocorridos involuntariamente à ação dos empresários naquela época. “Existia quase que uma concorrência desleal, por ter tido empresas que de alguma forma eram favorecidas e outras não. Nós sentimos muito isso. Conversava sempre com empresários e eles relataram também perceber que uns tinham benefícios e outros não tinham. Às vezes um acumulava dívidas no recolhimento de ICMS, e ficava por isso mesmo. Em muitos lugares isso acontece e é muito ruim, pois promove uma concorrência desleal”, detalha seu Raimundo.


Um momento que a empresa sentiu uma suposta concorrência desleal foi quando se dirigiram ao banco para fazer um financiamento. “A gente via que só os ‘grandes’ tinham acesso. Havia uma coisa meio politizada. Quando nossa empresa estava no auge e precisávamos fazer investimentos, arrumei toda a papelada, dei entrada e a superintendência disse que não iria financiar mais nenhum mercado, pois a cidade não comportava mais esse segmento naquela época”, relembra.


Mesmo com tantos impedimentos, ele garante que nada vai lhe parar. “Primeiro porque confio muito em Deus, minha família toda é evangélica. Há muitos colegas empresários que até hoje não nos abandonaram. Tem pessoas que às vezes some quando alguém passa por dificuldades, pois para alguns só valemos o que temos. Mas trato todo muito bem, esse é meu diferencial. Trato igual o rico, o pobre, a prostituta, todos de maneira igual”.


O recomeço – Quando pensou em dar vida à Villa Caldo, abriu um pequeno ponto, uma espécie de cabana, onde ele dormia lá mesmo, numa barraquinha. “O recomeço foi na barraquinha. Comprei um engenho de cana usado e fui trabalhar. Chamei meus três filhos para montarmos essa banca, que hoje é a Villa Caldo”.


O espaço já triplicou de tamanho desde que foi aberto. Hoje tornou-se ponto de encontro ou lugar favorito para as compras do dia a dia dos moradores da região. “Graças a Deus está dando certo. Faz quatro anos que começamos e tentamos fazer tudo diferente. Eu disse: não vamos concorrer com ninguém, vamos fazer algo diferente. Aqui ainda não está nem 10% do que ainda pretendemos chegar”, relata Raimundo. A ideia é chegar a construir um negócio bem maior e expandir filiais por outros bairros de Rio Branco. “Estamos nos primeiros passos ainda”, assegura.


A Villa Caldo – A Villa Caldo é o resultado de um processo doloroso, mas ao mesmo tempo rápido. Foram poucos anos de trabalho para que o empreendimento ganhasse forma e se tornasse uma referência nos arredores do Tancredo Neves e Adalberto Sena. O nome foi um cliente fiel que lhe sugeriu. Começou primeiramente com a venda de caldo de cana, progrediu para uma frutaria e hoje já vende de tudo, com uma espécie de conveniência e lanchonete.


“Antes de começar, falei com Deus. Disse a ele que a empresa [Casa dos Cereais] fechou, que estávamos com dificuldades e que eu queria uma oportunidade. Pedi para Deus uma oportunidade e para me capacitar para administrar essa outra oportunidade. E Deus nos deu”, comemora.


Para se tornar o que é hoje, a Villa precisava de um terreno. “Um dia chegou um rapaz aqui oferecendo essa área de terra. Ele disse que queria fazer uma casa e por isso precisava vendê-lo. E eu, sem nada no bolso, disse: eu construo a casa para o senhor. Assinamos papéis, assumi o terreno e comecei a vender nesse local”. Seu Raimundo foi usando o dinheiro com as vendas no terreno para construir a casa do então proprietário. “Foi uma troca. Fiz uma mansão de 350 metros em troca disso aqui. Com minhas mãos e outras pessoas ajudando”, afirma.


Nesse período, seus irmãos também o ajudaram. O terreno enfim foi passado para seu nome depois de dois anos até conseguir terminar a casa. Desde criança, Raimundo sempre teve instinto construtor, de arquiteto, na verdade gostaria de ter se tornado arquiteto, mas acabou enveredando pelo comércio. Porém, formou um dos três filhos em arquitetura.


A Villa Caldo também foi ele que levantou com as próprias mãos. “Fizemos tudo aqui, antes disso, só tinha o chão. Tem muitas coisas que passam em nosso coração, mas quero que esta seja uma empresa que tenha muito relacionamento com as pessoas, que trate bem, faça clientes, que tenha produtos diferenciados e que as pessoas venham de todos os cantos da cidade comer aqui e conversar com a gente”, diz.


O destaque que ele deseja para a empresa não diz respeito só a proporção, mas de utilidade tanto para quem trabalha na Villa Caldo quanto para outras pessoas que possam se espelhar nesse empreendimento. “Na Casa dos Cereais, muitas pessoas passaram a criar comércios parecidos, comércios pequenos e populares. Isso é muito bom. Muita gente ia lá pedir ideia para nós sobre negócios. E quero que esta seja uma empresa referência, se Deus permitir”.


Como fruto do sucesso da Villa Caldo, a família de seu Raimundo, mais especificamente encabeçada por um dos filhos, abriu Constru Villa, loja especializada em materiais de construção, que fica bem ao lado da Villa Caldo. “Temos ainda um mercadinho rápido, como se fosse uma espécie de conveniência, para quem está apressado e não quer entrar num supermercado maior. Temos de tudo”.


A Villa Caldo também é uma empresa familiar, mas o que seu Raimundo não quer, é cometer as mesmas falhas que cometeu antigamente como gestor. “Certa vez um senhor veio aqui comprar uma melancia e na ida deixou a melancia cair e ela quebrou. Fui lá e dei outra para ele. A gente não paga o mal com o mal, mas como bem. Falo sempre aos meus filhos que devemos ter um bom relacionamento e encantar pessoas, tratar bem. Quando eu estava na Casa dos Cereais, havia um funcionário nosso chamado Paulo César, que era aquela pessoa que atendia todo mundo muito bem. Ele já voltou para Tocantins há 8 anos e até hoje tem gente perguntando por ele aqui. Se a pessoa tem bom relacionamento, onde ela estiver, vai se dar bem”, assegura.



Política – Raimundo Noleto já foi vereador na década de 90 na cidade de Gurupi. A política também está no sangue da família.  Nas últimas eleições, também se colocou como candidato a vereador por Rio Branco, mas guarda algumas mágoas. “A gente entra com uma intenção, mas vê que tudo é diferente. Os políticos hoje não pensam muito nas pessoas, eles pensam em seus impérios. Mas gostaria de participar mais da política, até porque quando vim para o Acre, pedi para Deus que eu pudesse ser útil na família, na igreja e na sociedade também”, declara, afirmando sempre ter tido bom relacionamento com todos os políticos.


Expectativas – Raimundo diz que não é muito bom com as palavras de conselho, mas vê que hoje, com 14 milhões de desempregados no Brasil, é preciso que o trabalhador valorize as oportunidades que tem na vida e administre bem o que ganha. “As pessoas gastam mal, trabalham mal e isso acaba desmotivando. É preciso trabalhar para o seu próprio crescimento e saber que só vai crescer se for uma pessoa ousada”.


Para ele, mesmo que o mundo do comércio tenha mudado nas últimas décadas, o diferencial é e, sempre será, o material humano. “Tinha uma senhora que ia até seis vezes por dia ao nosso mercado. Certa vez perguntamos e ela disse que ia até lá tantas vezes porque gostava do ambiente, de ficar conversando. Lembro muito disso”.


O sucesso da Villa Caldo já fez com que o produto que planta cana tivesse que aumentar seu canavial para suprir a demanda de seu Raimundo.  Com isso, mais empregos foram gerados nos últimos quatro anos. O produtor começou a vender cana com 5 hectares e hoje já possui quase 20.


“Eu gosto disso, de estar nesse negócio de proporcionar oportunidade de emprego para alguém, assim eu acho que estou cumprindo meu dever. Nossa riqueza é fomentar negócios. Na Casa dos Cereais, capacitei muitas pessoas e hoje muitos se tornaram empresários, donos de supermercados. Um rapaz que trabalhou conosco voltou para Tocantins e abriu um mercado grande”, ressalta.


Seu Raimundo ainda tem o sonho de ver um projeto instalado no país semelhante ao que ocorre em países asiáticos, onde o estado age para impedir o fechamento de empresas, principalmente as familiares. “O governo japonês tinha uma escola de administradores e gestores para quando uma empresa passasse por dificuldades, fosse um desses profissionais inseridos no estabelecimento para levantar aquela empresa. Assim, evitava que a empresa chegasse à falência”, comentou.


A duras penas, aprendeu que nem toda empresa familiar tem necessariamente um bom gestor e por isso a necessidade de se aprimorar na área. “Aprendi muito em minha caminhada como empresário no Acre e espero poder contribuir com muito mais”, conclui.


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