O pão nosso de cada dia está diferente há pouco mais de cinco anos no Acre. A criação da Acrepan está fazendo do estado uma referência na fabricação e na distribuição de insumos da panificação, tanto em cidades acreanas, como também fora do estado. Um menino pobre, que não tinha moedas e só podia ver os pães na vitrine de uma “taberna” na infância, é hoje dono da marca que utiliza aproximadamente meia tonelada de trigo por dia para atender a demanda de oito tipos de produtos comercializados.
O empresário acreano Carlos Ferreira da Rocha, de 43 anos, proprietário da Acrepan, é um claro exemplo de que quando se sonha, pode torná-lo realidade. Nascido no seringal São Pedro, interior do município de Xapuri, conseguiu mudar a realidade humilde até alcançar sua meta: formar-se em Gastronomia e dar início ao sonho de ter seu próprio negócio. Agora a meta é outra, fazer da Acrepan a maior indústria de panificação da Região Norte. Um sonho completamente possível e que já está sendo trabalhado para que seja alcançado.
A formação em Gastronomia só foi possível com muita força de vontade. À época, o Acre não dispunha do curso e Carlos teve de pesquisar na internet uma instituição que misturasse aulas não presenciais com práticas presenciais, e encontrou uma em São Paulo. “Fui me qualificando, trabalhando nas empresas, e em 2015, no auge da crise dos últimos anos, resolvi sair do local onde eu já estava estabilizado há uns cinco anos, com um salário até razoável”, conta. Nessa época, atuava como técnico em panificação e coordenava uma equipe de nove técnicos. “Decidi sair depois que um colega, que tem uma indústria de insumos para panificação, veio me visitar no Acre. Andando pela cidade, ele notou que todos os supermercados fabricavam seu próprio pão, ou seja, não existia uma fábrica de pão por aqui”, relembra.
Foi aí que Carlos começou a ficar pensativo sobre a percepção e andou pensando sobre a possibilidade de abrir uma fábrica. “Tenho uma história longa de panificação no Acre, já trabalhei em todos os supermercado da cidade, só que esse trabalho não era o que eu queria de fato, porque sempre gostei mesmo foi de produção, de, literalmente, botar a mão na massa”, esclarece. Ele resolveu amadurecer a ideia e passado um ano, ainda não esquecia do projeto. “E então, em 2015, eu pensei: cara, vou abrir uma fábrica de pães”.
Após pedir demissão, Carlos começou a montar a Acrepan. No entanto, só a parte burocrática para abrir o CNPJ da empresa demorou quase um ano. “Comecei a mexer na papelada em novembro de 2015 e fui conseguir abrir, funcionar mesmo, em novembro de 2016. Começamos a funcionar no dia 19 de maio de 2017, quando emitimos nossa primeira nota fiscal, no valor de R$ 165, guardada até hoje”, relembra.
Com a fábrica montada legalmente, era hora de procurar um imóvel para instalar a indústria. “Comecei totalmente sem recurso. Brinco dizendo que não comecei do zero, comecei do negativo. Porque até para pagar as taxas de abertura do CNPJ, tive de pegar dinheiro emprestado com amigos”, revela. No início, era só Carlos, seu filho e mais dois ajudantes. A secretária tinha de faturar as notas de casa, pois não havia escritório na empresa.
“A gente mesmo que produzia, embalava e entregava os pães. A partir daí fomos crescendo no ambiente. Não tínhamos dinheiro para comprar as máquinas, nem um prédio, só tinha a vontade de trabalhar. O maquinário de panificação é muito caro, por isso fui procurar uma única pessoa que pudesse me ajudar”, detalhou.
O prédio em que funciona a Acrepan até hoje pertence a um amigo de Carlos Ferreira. Esse amigo, servidor público, abriu em anos atrás uma panificadora na região da Isaura Parente. O negócio só funcionou por uns seis meses e o dono acabou fechando. “Também sou consultor em panificação e havia dado uma consultoria para ele e continuamos a ter contato. Quando decidi abrir a fábrica, sabia que minha única saída seria aquele prédio, porque já estava pronto, com todo o maquinário necessário e comecei a convencê-lo de me alugar o prédio”, explica o gastrólogo.
No período de quase um ano que passou para abrir e colocar para funcionar o CNPJ da Acrepan, Carlos ficou convencendo o amigo a alugar o prédio. “Passei 11 meses sem pagar aluguel aqui porque a gente não tinha condições. E o dono nunca me tirou daqui, nunca me ameaçou, nem pediu o prédio. Com 11 meses, ele me chamou e perguntou sobre como estava a empresa”, relata o empresário, que teve receio de ter de entregar o espaço. “E eu disse que a Acrepan estava começando a engrenar naquele momento. Foi então que o dono do imóvel viu que eu era uma pessoa que queria realmente trabalhar, correto e não queria tirar vantagem ou ser um oportunista. E ele me disse: vou perdoar esses 11 meses atrasados”.
O proprietário da Acrepan recebeu com emoção a notícia, uma vez que não teria condições de pagar. “Fui começar a pagar o aluguel em 2017, quando começamos de fato a crescer como empresa. Só que a empresa trabalhou no vermelho até 2018. O primeiro ano que a empresa deu lucro mesmo foi no ano de 2019. Até lá eu não tinha nem salário e passava até três meses com o salário dos funcionários atrasado, porque até então não gerava renda. O custo para manter a Acrepan estava mais alto que nosso faturamento”, salienta.
Como Carlos sempre trabalhou com panificação, até mesmo no início de sua empresa teve a oportunidade de encontrar portas abertas ao seu empreendimento. “Eu conhecia muita gente e as coisas foram acontecendo por conta do meu trabalho de mais de 20 anos na panificação. As pessoas confiavam em mim. O primeiro cliente que consegui cadastrar a Acrepan foi o Atacadão, uma das maiores redes atacadistas do Brasil”, comenta.
No início, a embalagem de seus produtos era transparente, só com um adesivo colado de forma artesanal e elaborado numa gráfica local. “Isso abriu portas em outros lugares, como o supermercado Pague-Pouco, Arasuper. No começo eu só tinha cinco produtos, que era o pão de forma, hot-dog, pão de hambúrguer, o integral e pão 12 grãos”. A Acrepan foi aberta inicialmente para vender apenas para supermercados, mas Carlos percebeu que não tinha volume suficiente para atender esse nicho. Foi quando seu filho, Lucas Rocha, teve a ideia de oferecer os pães para as hamburguerias artesanais.
“Daí pensei em criar um pão diferente, fazer algo realmente diferente. Ficava me perguntando como o Bob’s ou McDonald’ s fazem aquele pão padrão, lisinho, bonito e um cliente me exigiu um pão com uma qualidade fora do normal. Passei seis meses desenvolvendo essa receita, até desenvolver nosso brioche como conhecemos. Hoje, o brioche juntamente ao pão de alho é um dos nossos principais produtos”, conta o empreendedor.
Atualmente, os produtos da Acrepan estão em todos os supermercados da cidade, no interior do Acre e em Porto Velho, cidade do estado vizinho de Rondônia. “Hoje já tem outras empresas que se inspiraram na gente e fico feliz com isso, porque a gente abriu um nicho de mercado que não tinha aqui. Já até perdi clientes para concorrentes que apareceram depois, mas isso é normal no mercado e não fico chateado, pois, quando um concorrente abre negócio parecido, ele me força a melhorar o meu”, destaca.
A única atitude que o deixa chateado é quando a concorrência “queima” o produto na linguagem do mercado. “É quando ela não tem o mesmo custo que eu tenho para estar com a empresa aberta. Não paga todos os encargos trabalhistas dos colaboradores, como eu pago, já que todos têm carteira assinada, EPI’s, fardas novas, e aí a pessoa faz o pão no fundo do quintal, de qualquer jeito, e prostitui o mercado”, declara.
A empresa explodiu de clientes com o sucesso das hamburguerias na capital acreana. Muitas começaram a procurar o pão brioche que só a Acrepan tinha. Mesmo na pandemia, chegou um momento em que o negócio já não dava conta de atender a clientela. “Chegamos a ter de dispensar clientes, pois foi um momento em que muita gente estava vendendo hambúrguer. Nessa época, nós fazíamos entrega dos pães pela cidade toda só com um carro. Foi quando tomei uma das decisões mais difíceis da empresa, que foi a de não fazermos mais entrega”, diz Carlos.
Os funcionários recuaram, temendo perder clientes após anúncio de que não fariam mais entregas. “Mas eu disse: tem pão em todo canto, mas não tem o da Acrepan. Agora, é retirado na fábrica, do mesmo jeito que retiram a carne e as verduras. Atendíamos 23 hamburguerias e ficamos com 17, perdemos 6 clientes nessa época”. Porém, com a melhoria no atendimento e mais qualidade no produto, a empresa subiu o número de hamburgueiras atendidas de 17 para 70. “Às vezes, para ganhar, a gente tem que perder. O empreendedor precisa ter essa visão. Não adianta eu oferecer uma comodidade que não vai permitir um bom atendimento. Isso fez com que a gente desse um atendimento de qualidade.
A ideia do idealizado é que um dia os acreanos saiam de casa não para um simples pão, mas para comprar Acrepan. Para isso, a marca trabalha para se tornar o popular e ser um produto que todos conheçam, mas não pelo preço, e sim pela qualidade. “Temos um sistema rigoroso de controle de qualidade. Os produtos que fazemos e ficam abaixo da qualidade exigida, nós doamos, ou para instituições de caridade ou deixamos aqui na entrada do prédio para quem precisa”.
A empresa também tem uma parceria com a Fundação Afif Arão, onde um determinado percentual de faturamento da Acrepan é destinado aos projetos sociais da fundação. “Essas coisas nós não divulgamos porque só queremos que essas pessoas atendidas sejam abençoadas, não queremos ganhar mídia em cima disso”, diz Carlos.
Em quase seis anos de existência, a Acrepan possui hoje 39 colaboradores. “Quando começou a pandemia, tínhamos 12 funcionários. Em um ano, contratamos mais 25 colaboradores. Tudo isso graças à aceitação dos clientes, que consomem nossos produtos e nos dão um feedback positivo. Em nossas redes sociais, só recebemos muitos elogios”.
Todos os meses o proprietário da Acrepan reúne os colaboradores para degustação dos produtos. “Se o colaborador não consumir esses produtos, como vou vender para alguém? Sempre pergunto se eles comprariam nosso produto, se pagariam por ele. Somos muito exigentes com a qualidade. Tento comprar os melhores ingredientes, produtos, qualificar a equipe, dar treinamento. Quando percebo que cai a qualidade de alguma coisa, entro na produção. Até hoje acompanho a produção para manter a qualidade dos nossos produtos”, diz Carlos. Hoje, a Acrepan dispõe de nove produtos diferentes nos supermercados e lança na próxima semana mais um produto que terá 8 sabores diferentes, que serão os brownies.
O dono acredita que o valor de mercado da Acrepan é muito maior atualmente do que um ano atrás. “Tínhamos 600 seguidores e subimos para quase 7 mil em um ano”, explica. A marca atende, além de Rio Branco, clientes de Cruzeiro do Sul, Capixaba, Mâncio Lima, Senador Guiomard, Xapuri e Brasileia. “Onde tem rota terrestre a gente atende, alguns fazemos entrega e outros enviamos pela transportadora. Começamos entregando no meu carro e hoje a empresa tem 4 carros furgões”.
Além dos pães, também estão comercializando os insumos para outras padarias, como fermentos, melhorador, manteiga e gordura. “A gente juntou a fábrica com a distribuição, por isso também estamos construindo um prédio novo, fazendo investimento alto dentro do Parque Industrial, para unir o depósito da distribuição”, ressaltam pai e filho.
A Acrepan já está vendendo esses insumos e o pão de alho para Porto Velho. “Por isso pensamos que é possível nós nos tornarmos maior rede de panificação do Norte. Primeiro que tudo que você fala se materializa, e a gente profetiza isso desde quando não vendíamos nada para ninguém”, salienta o proprietário. A previsão é que toda a empresa se mude para o novo local até outubro de 2021, onde começarão a trabalhar com equipamento novo, moderno e industrial.
“Hoje a máquina de fatiar pão de forma é simples, fatia 10 pães em 5 minutos. A que estamos comprando fatia 50 pães em 5 minutos. Com isso vamos atender mais mercado, produzir mais e não vamos demitir e sim contratar mais”, garante Carlos, que pretende lançar até o final deste ano o sabor calabresa e um doce do pão de alho.
Carlos tem especialização em Confeitaria Fina e pães rústicos. Segundo ele, a Acrepan tornou-se uma empresa familiar. Há quatro funcionários que pertencem à mesma família, além de ter aqueles que estão no trabalho desde o início da empresa. “Estamos passando por uma meta do Sebrae que diz que uma empresa para se consolidar no mercado começa a dar lucro a partir do terceiro ou quarto ano. Já estamos indo para o sexto ano cada vez mais contratando”.
O empresário acredita que cresceu rapidamente por sempre estabelecer um tripé nos negócios. “Em primeiro lugar estão nossos colaboradores, em segundo nossos processos de produção, faturamento, entrega e o terceiro é o produto. Se temos um produto espetacular é porque ele passa por pessoas satisfeitas, bem remuneradas, felizes e contentes com seus trabalhos”.
Ferreira reconhece que tem a receita boa dos pães, mas que o funcionário vem em primeiro lugar. “Hoje pagamos o melhor salário de padeiro, pois valorizo a minha categoria”, destaca.
Com 25 anos de vida dedicados à panificação, o dono da Acrepan tem a meta de tornar a empresa a maior empresa da Região Norte no ramo. “Com a qualidade dos nossos produtos, acredito que já estamos entre os melhores em apenas 5 anos de funcionamento. Chegar na maior indústria de pão é uma meta que a gente trabalha não só no coração, mas correndo atrás e produzindo para que isso aconteça. E ninguém melhor que eu, que tenho uma vasta experiência, para fazer isso. Melhor do que vir outra empresa de fora e montar. Sei que ficaria com aquele pensamento de que era para eu ter feito”, finaliza.
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