Nascidos e banhados pelas águas do Rio Purus, no interior do Acre, os irmãos Araújo não imaginavam que uma simples mercearia de madeira daria vida a uma rede de supermercados composta por 14 lojas e integrante das 50 maiores empresas do setor no ranking da Associação Brasileira de Supermercados. Foi o pai, Adelziro Romão da Silva, que inspirou os filhos ao abrir um pequeno comércio no seringal Santa Cruz, em Manoel Urbano, na função de seringalista.
Mas foi em 1981, com a vinda de Aldenor Araújo da Silva para Rio Branco, que começou a trajetória de mais de 40 anos da maior rede de supermercados do Acre e uma das oito maiores da Região Norte – a Arasuper. O nome do empreendimento [antigo Araújo] foi alterado recentemente por questões estratégicas. O pequeno negócio de Aldenor, irmão mais velho de Adem Araújo da Silva, foi uma espécie de semente plantada pelo pai.
“A gente nasceu no Rio Purus. Lá, ele [o pai] tinha um pequeno comércio seringalista, que atendia os seringueiros. Eu tinha 13 anos quando meu irmão [Aldenor] começou sozinho o negócio na capital quando a gente veio para a cidade”, explica Adem, hoje, sócio do irmão. “Quando a gente completava 12 anos, nosso pai nos mandava para a cidade para estudar”.
Os pais dos irmãos Araújo ficaram pelo seringal até 1983, quando o comércio da borracha já não estava rendendo grande coisa, e decidiram mudar também para a cidade. “Viemos para Rio Branco. Meus irmãos mais velhos já tinham ido para Sena Madureira, mas quando vim, foi direto para a capital”, conta Adem, destacando que possui 12 irmãos, após o 13º ter falecido.
Antes de ingressarem com o mercadinho, Aldenor e Adem trabalharam de várias outras formas para ganhar dinheiro e manter o sustento. Ainda garoto, Aldenor foi funcionário de uma marcenaria, onde fazia móveis. Depois, foi vendedor na antiga Lojas Pernambucanas e, de lá, saiu para montar seu comércio no bairro Estação Experimental, o primeiro de muitos que viriam nos anos seguintes.
O comércio foi montado em 1981. A loja tinha cerca de 200 m² e vendia basicamente produtos da cesta básica, como arroz, farinha e feijão. Adem relata que naquela época havia muita dificuldade de abastecimento no estado, em conseguir produtos. “O hortifrúti, por exemplo, raramente chegava, pois não tinha essa cultura de consumo. No mercado municipal tinha já o cheiro verde, alface, couve, mas tomate, cebola, batata, era muito raro ter isso naquela época, principalmente durante alguns períodos do ano”, salienta.
Na época da seca, alguns produtos chegavam com mais frequência, mas nas chuvas, quando chegavam, vinham de avião, graças a empreendedores visionários que já faziam isso. “Mas na época, esses produtos eram inacessíveis para muita gente, por isso a gente começou vendendo só o grosso”, diz o empresário.
Em 1983, Aldenor conseguiu estruturar melhor a loja do bairro Estação Experimental e em seguida comprou um terreno na região do Tangará, onde fica uma das lojas até os dias de hoje. Esta foi meio que um protótipo do que é atualmente o Aramix, uma loja de atacarejo. “Já no final dos anos 80, a loja do Tangará já trabalhava com atacado e varejo. Chamávamos de “chincado”, que era o produto que você embalava ele em muitas unidades”, diz Adem.
O empresário revela que em 1992 se tornou sócio do irmão, para então construir a loja situada na região da Isaura Parente. “Ali nós montamos juntos, já com uma concorrência bastante acirrada na época, pois havia o Gonçalves, já com uma boa loja e isso exigia um pouquinho mais de conhecimento do negócio, um negócio mais estruturado, porque já tinha uma boa loja aqui em Rio Branco”, diz o empresário.
A maior parte do que os sócios têm de conhecimentos sobre o ramo de supermercados veio da prática, sem muitas instruções. “Sempre participamos muito de eventos de associações. A gente se envolveu com a associação de supermercados muito cedo. No começo de 1990, já fomos participar das associações e isso abriu muitas portas para que a gente pudesse interagir com outros supermercadistas do Brasil inteiro”, esclarece Araújo.
Durante o envolvimento com as associações, os irmãos puderam enxergar como empresas de grande porte já trabalhavam, como conduziam o serviço da padaria, do açougue, e conheceram muitos parceiros, o que possibilitou aos sócios uma evolução significativa no quesito conhecimento à época, trazendo novidades e inovações para o Acre.
Em 1991, quando montaram a loja da Isaura Parente e passaram a ser sócios, os irmãos puderam ver de perto como é difícil o ramo de supermercado. “Passamos por muitas dificuldades antes dos anos 90 por conta dos planos econômicos que impuseram na época. Tivemos o Plano Verão, o Plano Collor, que foi extremamente devastador e quebrou muita gente, que foi quando resgataram todo o dinheiro que tinha em conta corrente. Quem tinha negócio, contas a pagar, podia usar, mas sacar não podia. Foi um problema muito sério”, relembra Adem.
Os anos mais difíceis para eles foi exatamente esses, em que a inflação muito alta fez com que os empresários fossem pressionados por uma política de governo tida como ineficiente, onde o empresário é que pagava a conta. “Congelavam o preço e você não podia alterar no varejo. A Sunab, que hoje é o Procon, tinha mais poder e prendeu muitos empresários. Muita gente foi pressionada, muitos tiveram de sair do mercado naquela época, foi o momento mais difícil com esses planos, no final de 80 e início de 90”, lamenta o sócio.
Passados os piores momentos, a rede cresceu e se tornou a maior do segmento no estado. Hoje, os irmãos são proprietários de 14 lojas, sendo 12 de varejo e 2 exclusivamente para atacarejo. Em Rondônia há 3 das 14 empresas, sendo 2 de varejo e 1 de atacarejo. Ambos têm quase 3 mil funcionários espalhados pelas dezenas de supermercados. Bem diferente do início, quando os irmãos atuavam somente com mais três pessoas nos pequenos comércios, entre eles outro irmão também.
Questionado se imaginavam a grandiosidade que viria após muitos anos de trabalho, Adem afirma que ainda não dá para considerar o que construíram como um grande império. “Não percebemos isso ainda não, mas olhando para trás, com o poder de Deus, a gente conseguiu atingir isso aqui. A gente começou basicamente sem conhecimento no negócio e aprendendo com os erros. Hoje nós estamos entre as 50 empresas do setor no ranking a nível de Brasil, pela nossa forma de trabalhar, parcerias com bancos e tudo mais”.
No Norte, as lojas Arasuper competem com outras gigantes do segmento nos estados do Pará e Amazonas. “A gente sabe que hoje temos uma responsabilidade muito grande, principalmente na questão de geração de emprego, contribuição de encargos. Temos uma participação muito grande em arrecadação de ICMS. Mas sambemos que a responsabilidade é muito grande pelas famílias que a gente emprega”, ressalta Adem.
Os sócios pretendem expandir ainda mais os negócios. A rede, que já é grande, possui muitas vidas que dependem de sua existência, e quer alcançar voos mais altos. “Isso é natural, em qualquer negócio, segmento, pois você tem de estar crescendo para poder sobreviver. É a lei da sobrevivência. Nós precisamos ser competitivos porque cada vez mais entram empresas multinacionais aqui no estado”, destaca o irmão. Segundo Adem, Acre e Rondônia são estados que veem sendo muito bem vistos pelas multinacionais. “Se você não estiver preparado ou não tiver escalar para competir com esses concorrentes, não consegue sobreviver”, assegura.
Com a exigência dos clientes cada vez mais inserida no serviço, por melhor atendimento, produto e qualidade, o Arasuper decidiu ainda valorizar o preço. “Para nos diferenciarmos das multinacionais, nós nos especializamos. Buscamos, além de agregar profissionais com experiência na área comercial, operacional, estreitarmos parcerias com fornecedores porque o mesmo fornecedor que me atende, atende eles [multinacionais], mas nós temos um custo menor, temos também flexibilização para fazer negócio”.
Segundo o empresário, as grandes redes dependem de uma política interna muito sedimentada, pois até que as mudanças cheguem ao estado, perde-se a oportunidade para a concorrência. “E a gente não perde essa oportunidade por estarmos dentro do negócio, sermos uma empresa regional, a gente consegue ser bem competitivo com preço e serviço “, garante.
A rede decidiu inovar no trato com os funcionários e consumidores. Os irmãos sócios criaram ainda em 1999 uma nova filosofia relacionamento com os clientes, para tratá-los como gostariam de serem tratados. “Um ou outro funcionário destoa, mas a gente tenta fazer com que ele entenda essa filosofia e a maioria a incorpora”.
O diferencial com os funcionários fica por conta das inúmeras capacitações, relações humanas, ajuda de custo de alimentação, alimentação no trabalho, entre outros. “Fizemos parcerias com empresas de assistência médica. As pessoas que trabalham conosco, independente da função, têm alguns benefícios, principalmente na questão da ajuda de custo, que é um crédito, um cartão onde ela pode comprar determinado valor por mês”, explica Adem.
A instalação da pandemia do novo coronavírus também gerou impactos na rede Arasuper. “Praticamente tivemos que nos adequar a algumas situações que não eram comuns. O impacto inicial foi conseguir essa adequação de poder deixar o cliente tranquilo de que ele não estaria correndo risco na loja, de que teria segurança em comprar um produto que é manipulado internamente”.
O empresário salienta que foi preciso um trabalho diferente nesse período, com maior cuidado na segurança do alimento, distanciamento entre os funcionários, utilização de máscaras e álcool em gel. “Diminuímos o fluxo interno nas nossas rotisserias, e a compra dos EPIs elevaram um pouco o custo. Agora a gente já consegue ter isso como natural, já parte da rotina, mas no início foi bem difícil. Até os carrinhos mudamos para plástico porque os produtos de limpeza estavam fazendo corrosão”.
Adem conta que houve um momento em que algumas pessoas temeram o desabastecimento e corriam para os supermercados de uma só vez. Segundo ele, a pandemia trouxe um aumento de preço extremamente violento. “O poder de compra do consumidor reduziu muito. No início, aumentou o consumo de alguns produtos básicos como arroz, leite, açúcar. Depois muitos países tiveram problemas na produção de grãos. O dólar aumentou a cotação, e muitos produtos dependem dessa cotação, o que acabou implicando no preço. Hoje o consumidor e nós estamos pagando a conta. Esse problema certamente aumentou o número de miseráveis no país”, destaca Adem.
Ele acredita que a rede só conseguirá retomar o mesmo ritmo de contratação e vendas de antes da pandemia daqui mais uns três anos. “Nós não demitimos na pandemia, mas não contratamos nesse mês de março, por exemplo. Nos quatro finais de semana que fecharam as lojas, não teve hora extra, não teve folga no domingo e tivemos funcionários ociosos. As demissões que ocorreram nesse período não foram repostas. Só viemos repor a partir de abril. E isso não aconteceu só conosco”, afirma.
A rede é uma das mais procuradas e participativas quando o assunto é ação social. O Arasuper possui um trabalho bastante interessante. “Temos parcerias com muitas igrejas, entidades e instituições que mensalmente temos uma destinação direta de alimentos. Temos ainda apoio a escolinhas de futebol em diversos bairros de Rio Branco e ajudamos essas crianças mais carentes, fora as doações de sacolões que a gente ajuda bastante”.
Apesar de não ser muito ativo em redes sociais, Adem diz que sua equipe sempre acompanha as novidades na internet e sempre está verificando o que é falado em nome dos supermercados nas redes. “Eu pessoalmente não, mas nossa equipe sempre. Eu vejo algumas coisas, como críticas e elogios, e é natural, a gente que é vitrine vai sempre levar pedra, acompanhamos algumas situações assim”.
ELE É O CARA – Se você leu até aqui, deu para perceber que o principal interlocutor do Arasuper é Adem Araújo. E isso tem muito a ver com a personalidade dos irmãos sócios. Aldenor, mais discreto e cuidador dos negócios, deixou ao Adem o papel de comercializar pessoalmente o negócio da família. “Em 1987 a gente começou a fazer propaganda por iniciativa minha. Começou no rádio, depois veio a TV, com meu lado comercial, de divulgar. Depois misturei um pouco o marketing. Quando tinha que dar uma entrevista, lá ia eu. Foi uma coisa mais natural, sem imposições”.
Adem não esconde sua paixão pelos gramados. Antes de pensar em gerir um supermercado, sonhava na adolescência com o futebol. “Eu só queria saber de jogar bola, vim mesmo ter de trabalhar quando saí do Exército, em 1988. Sempre trabalhei, mas foi nessa época que vi que o futebol não seria meu negócio, muito pela nossa origem. Como trabalhamos desde criança, nunca pensei em concurso, não sabia nem o que era isso. Saí do exército e tinha que me virar”, explica.
Após o ensino médio, quase ingressou no curso de tecnólogo e história, mas o plano não foi para frente. “Quando chegaram as faculdades particulares, fiz Administração, entrei na segunda turma, em 1999”. Porém, como sempre foi um verdadeiro amante do futebol, com o tempo foi se atrelando ao esporte.
“Fiz algumas amizades e um amigo que entrou para o futebol pediu ajuda. Demos a ajuda e depois vieram outros clubes. Começamos a ajudar o Rio Branco também. Em 2005 arrendei e montei o time do Adesg, montei o estadual. Contratei, demiti, montei um time, mas depois fique meio frustrado e larguei”, conta.
No ano de 2012, se tornou diretor e vice-presidente do Rio Branco. “Montamos um super time para chegar a série B, mas por um problema na justiça, tiraram a vaga do Rio Branco, após uma infração cometida em 2011 contra o estatuto da CBF”.
Hoje, o principal parceiro do Arasuper no futebol é o Galvez. “Nosso estado é pequeno, poucas empresas hoje têm condições de ajudar. Sonho com um time que dispute a série B um dia, mas não podemos bancar sozinhos”, relata, afirmando que ao longo dos anos fez relacionamento com empresários de futebol, presidentes de clube pelo Brasil inteiro.
Como todo morador de Rio Branco, Adem também tem a sua loja do coração entre as 14 do grupo. “É onde eu gosto de fazer compras, onde eu gosto de ir, até porque eu moro lá perto, que é a da Isaura Parente. Na verdade, lá é a matriz, pois quando entramos no varejo mesmo, aquela foi a primeira. Eu gosto de lá pela localização”, garante.
Apesar de sua esposa ser a pessoa que mais faz as compras no supermercado, ele diz que utiliza muito o site da Arasuper. “Mas eu faço as compras do almoço do domingo”, brinca.
Basta Adem Araújo passear pelos corredores que várias pessoas vão se aproximando. Seja um conhecido, um cliente, sempre recebe demonstrando humilde. “Sempre vejo como está a loja, como está o serviço. Vejo muitas falhas quando estou na loja. Conheço muita gente, tenho muitos amigos. Às vezes a pessoa vem tirar uma dúvida, reclamar de alguma coisa e a gente tem que ouvir”.
Ao observar qualquer falha, procura o gerente. “A gente mudou bastante nos últimos anos. Para ser gerente hoje exigimos uma formação ou aqueles que já estão na empresa incentivamos a estudar”. Ele credita o sucesso da rede a Deus. “Certas situações que a gente passou, enfrentou, não tem outra explicação que se não fosse pela vontade dele, não estaríamos aqui”, salienta Adem.
Ele afirma ter ouvido a frase de Jorge Viana enquanto governador de que ele e o irmão eram “exemplo de que 1 em 1 milhão dava certo”, pela origem humilde, e concorda. “Nós não nos envolvemos em política. Quem estiver no governo a gente vai apoiar, torcendo para que dê certo”.
Hoje, pai de quatro filhos, Adem deixa o seguinte conselho àqueles que pretendem percorrer o mesmo caminho dele e do irmão. “Dedicação. Se você não se dedicar, não tem como a coisa funcionar. Às vezes a pessoa quer montar um negócio e deixar os outros tocarem. Por mais que seja pequeno, tem que se dedicar. Buscar conhecimento sempre, estar dentro do negócio, envolvido”, conclui.
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