Nas mais de cinco horas de depoimento à CPI da Covid nesta quinta-feira (13), o gerente-geral da Pfizer para a América Latina, Carlos Murillo, relatou aos senadores as seis vezes em que a farmacêutica tentou, sem sucesso, vender a vacina contra a Covid-19 ao governo brasileiro.
Murillo foi convocado a explicar à comissão parlamentar de inquérito as tratativas com o Brasil sobre o imunizante.
Na sessão, ele contou que as propostas da farmacêutica foram feitas entre agosto de 2020 e fevereiro de 2021.
O cronograma inicial da Pfizer previa a entrega, caso não houvesse atrasos, de 1,5 milhão de doses ainda em 2020 e outras 2,5 milhões até março deste ano – o que não aconteceu, já que as negociações não avançaram.
De acordo com o executivo, ainda no ano passado foram cinco propostas – todas não acatadas – de venda de 30 ou 70 milhões de doses ao Brasil. Em fevereiro deste ano houve mais uma tentativa, dessa vez de 100 milhões de doses.
O acordo entre o governo brasileiro e a Pfizer somente foi fechado em 19 de março, com a previsão inicial de entrega de 100 milhões de doses. Na última terça-feira (11), o Ministério da Saúde anunciou a aquisição de mais 100 milhões de doses.
As primeiras doses da Pfizer começaram a chegar ao país somente no fim de abril. De acordo com o Ministério da Saúde, até o momento foram distribuídas 1,6 milhão de doses.
“Eu queria dizer que nós estamos diante de uma teoria que orientou este governo. Este governo foi orientado para deixar o povo brasileiro largado para adquirir imunidade de rebanho. Naturalmente, não investiu naquilo que é o instrumento para construir imunidade coletiva, que é a imunização”, afirmou o senador Rogério Carvalho (PT-SE).
“Este governo não fez isolamento, [mas] impediu isolamento. Este governo proibiu o uso de máscaras e expandiu a pandemia”, acrescentou o senador.
Reuniões
A CPI quis saber com quem o executivo da Pfizer se reuniu para tratar das vacinas. Murillo contou que, no âmbito do Ministério da Saúde, as negociações aconteciam principalmente com o ex-secretário-executivo Élcio Franco.
Com o então ministro Eduardo Pazuello, segundo disse, foram somente dois contatos — o primeiro, conforme o relato, em novembro do ano passado, quando já haviam sido ofertadas as vacinas ao menos cinco vezes.
Na ocasião, Pazuello ligou para o executivo dizendo estar “à disposição para continuarmos a conversação”, segundo Murillo. Somente no dia 22 de dezembro, ele e o então ministro se reuniram pela primeira vez.
Carlos Murillo também contou que teve reuniões com o ministro da Economia, Paulo Guedes, com o secretário especial de Produtividade, Emprego e Competitividade, Carlos da Costa, e com o ex-secretário de Comunicação Fabio Wajngarten.
O gerente da Pfizer confirmou que enviou uma carta endereçada ao presidente da República, Jair Bolsonaro, ao vice Hamilton Mourão e a ministros ainda em setembro do ano passado, e só obteve uma resposta dois meses depois, quando recebeu um e-mail de Wajngarten.
Segundo Murillo, as negociações aconteciam com o Ministério da Saúde. Ele admitiu à CPI, no entanto, que havia o “entendimento” de que as conversas com Wajngarten seriam “de uma possível coordenação dele”, mas negou qualquer tipo de “negociação paralela”.
“Não tivemos negociação paralela com o senhor Wajngarten. A Pfizer procurou diferentes autoridades governamentais durante o processo para assegurar que o processo ia caminhar”, disse.
Carlos Bolsonaro
Carlos Murillo também confirmou a participação do vereador do Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro, filho do presidente Jair Bolsonaro, e do assessor especial da Presidência Filipe Martins — o mesmo que, segundo a Polícia Legislativa, cometeu crime de preconceito durante uma audiência no Senado — em reunião com a empresa durante as tratativas sobre a venda de vacina.
Segundo o executivo, entre os participantes da reunião estavam o ex-secretário de Comunicação Social Fabio Wajngarten; a diretora jurídica da empresa, Shirley Meschke; e a gerente de relações governamentais Eliza Samartini.
O encontro aconteceu no Palácio do Planalto e tinha como objetivo discutir entraves relacionados aos aspectos legais da aquisição do imunizante.
A informação sobre a reunião foi repassada por Shirley Meschke durante o depoimento de Murillo à CPI. No início da sessão, ele havia sido questionado pelo relator Renan Calheiros (MDB-AL) sobre a participação de Carlos e Filipe em reuniões com representantes da empresa.
Murillo disse que não poderia confirmar a participação dos dois em reuniões das quais não participou e chegou a dizer que a empresa somente tratou com “autoridades oficias do governo do Brasil”. O relator, então, ameaçou convocar as duas representantes da Pfizer para prestar esclarecimentos. Duas horas depois, o gerente-geral da farmacêutica confirmou a presença de Carlos Bolsonaro e Filipe Martins.
‘Cláusulas leoninas’
Murillo ainda comentou o argumento do Ministério da Saúde de que a Pfizer exigia “cláusulas leoninas” no contrato.
Em janeiro, a pasta divulgou uma nota em que apontava que a farmacêutica pediu que o Brasil renunciasse à soberania de ativos no exterior como garantia de pagamento pelas doses da vacina.
Entre outras dificuldades apontadas pelo governo brasileiro à época, estavam pedidos de isenção da Pfizer em caso de efeitos colaterais da vacina e de não punição em caso de atraso na entrega das doses.
Em março, porém, o governo brasileiro acabou acatando o contrato conforme inicialmente previsto, depois que o Congresso aprovou medida autorizando a aceitação das cláusulas. Murillo ressaltou que as cláusulas foram assinadas pelos 110 países com os quais a empresa firmou contrato.
“Não concordo com o qualificativo de cláusulas leoninas. Nesta pandemia, a Pfizer correu um risco sem precedente em uma situação sem precedente, que requeria que todo mundo colaborasse com esse processo. Por isso é que a Pfizer exigiu a todos os países as mesmas condições que exigiu para o Brasil”, afirmou o executivo.