Na última segunda-feira, 08/03, o lulopetista militante entrou em estado de euforia com a viabilidade da candidatura do seu líder na corrida presidencial, o outro, o que guardou a estrelinha com vergonha da roubalheira espera o final da comédia. Há, contudo, em muitas análises acerca das decisões do STF um misto de ignorância, reducionismo e torcida.
É necessário que se diga, em primeiro lugar, que Lula não foi inocentado, como alguns querem que pareça, inclusive o próprio em seu discurso fora da toca. Nenhuma das provas foi sequer analisada (nem poderia), pelo ministro Fachin, seu ex-correligionário. Mesmo esdrúxula e extemporânea, a anulação resulta da declaração de incompetência territorial do Juiz Sergio Moro em função da Sede onde, segundo o ministro, deveria tramitar a ação. Se confirmada a decisão em plenário, o imenso pacote com as provas e decisões do Juiz, do Tribunal Regional Federal, do Superior Tribunal de Justiça e, pasmem, do próprio STF, foi transferido para o Distrito Federal, lá o Juiz decidirá o que fazer.
Mutatis mutandi, foi como se um tribunal qualquer tivesse anulado o processo de um ladrão pego com o roubo porque o delegado que o prendeu não era o mesmo do bairro onde se deu o assalto. Mandou pra outro delegado, que pode refazer todo ou partes do processo. Lula continua sendo um corrupto, os fatos provam e isto seus áulicos não podem apagar.
A outra decisão, mais danosa ainda, expelida pela mente ardilosa do ministro Gilmar Mendes e provisoriamente sustada pelo pedido de vistas do ministro Kássio Nunes, foi pela suspeição do Juiz Sergio Moro nos processos relativos ao Lula, o que anula TODOS os seus atos (do juiz) nos processos relativos ao ex-presidente, fazendo com que se iniciem da estaca zero, correndo prazo para a desejada prescrição. Veja-se que, ainda assim, não se pode dizer (nem o Gilmar Mendes teve coragem de afirmar) que Lula é inocente. Aqui, dado que processos julgados por Moro foram também pelo TRF-4 e pelo STJ, é de se perguntar se agiram todos em conluio. Neste caso, aguardemos a decisão final.
O que houve nesta triste semana da história brasileira foi que, aproveitando o encarceramento forçado da população (coincidência?), ministros do STF buscaram, por todos os lados, garantir a elegibilidade do condenado-solto no processo eleitoral de 2022, o que serve de corolário para o processo de desmantelamento das possibilidades de combate à corrupção no Brasil. Inclui-se aí, pelo menos, o seguinte:
– Cavalo de pau na prisão em segunda instância – o STF deu um salto hermenêutico de 180 graus e passou a entender o contrário do que havia decidido antes, deixando solto bandidos já condenados em grau de recurso. Para facilitar o crime o nosso STF é uma metamorfose ambulante.
– Inércia do STF contra parlamentares – as ações contra parlamentares, simplesmente ficam estagnadas, paradas sob a bunda pesada dos ministros do STF, com o agravante de que assim mantidas servem à chantagem e intimidação contra parlamentares. O fim é, quase sempre, a prescrição de que se beneficiam os políticos corruptos.
– Desidratação do pacote anticrime – a Câmara dos Deputados, puxada por seu presidente Rodrigo Maia, o “botafogo” nas planilhas de corrupção da ODEBRECHT, transformou a proposta de combate em facilitação da impunidade com restrições à ação do MP e a criação da figura do Juiz de Garantias.
– Lei de abuso de autoridade – a aprovação dessa Lei é praticamente a concessão de um auto-alvará para delinquir, à medida que dificulta, intimida e criminaliza a ação de delegados, promotores e juízes no combate ao crime.
– Perseguição a procuradores – a própria PGR – Procuradoria Geral da República vem dando seguidas demonstrações de desapreço pela independência dos procuradores, criando-lhes empecilhos à atuação e intimidando-os perante o CNMP.
– A extinção da operação Lava Jato – a PGR declarou em 03/02/2021 a extinção da operação de combate ao crime mais importante da história brasileira, que em menos de sete anos, conseguiu realizar 209 acordos de delação premiada, ofereceu 553 denúncias que já resultaram em 174 condenações e recuperou mais de quatro bilhões de reais aos cofres públicos (outros 14 bilhões estão em processo). As quadrilhas que assaltaram a nação agradecem.
Os itens acima listados são, como disse o jovem analista Caio Coppolla na CNN, apenas uma mostra do que já foi realizado contra o combate ao crime, sob o silêncio cúmplice ou apoio descarado da grande imprensa, de órgãos de classe e de personalidades às quais incumbe se contrapor ao desvario e à militância da elite corrupta do Brasil que, perante a perspectiva de punição, reage alterando as regras do jogo democrático.
Sim, a figura mais emblemática de tudo isso, da dissolução moral do tecido social brasileiro, das elites mais corruptas, do arranjo autoritário entre o socialismo mofado e o progressismo globalista, está solta e livre para se candidatar em 2022. Assim quiseram e ousaram seus amigos no STF, mas um rato fora de uma ratoeira quebrada ainda é um rato e, espero, não conseguirá iludir novamente o povo brasileiro.
Aviso que não possuindo filiação partidária nem ocupando cargo público, o que me inspira nessa brevíssima reflexão não é qualquer receio de ordem pessoal em vista do processo eleitoral. De toda essa esbórnia jurídica, recolho com tristeza é a sensação de que não tem jeito para o Brasil, de que estamos fadados ao fracasso como nação.
Quando há alguns anos, vimos empresários e políticos corruptos indo pra cadeia como qualquer criminoso, vislumbramos uma saída, um novo itinerário para a República, uma sinalização para a sociedade de que o roubo, o suborno e a corrupção não passariam impunes, um impulso a uma cultura de respeito à lei. Foi um devaneio. Em poucos anos as forças da miséria moral que governou o Brasil por décadas se reorganizaram, alcançaram o topo da justiça e destruíram os alicerces antes que na sociedade o edifício virtuoso fosse erguido. Sem pejo, abriram as fossas do vício e tentam restaurar a podridão a partir de uma Justiça que, de modo contumaz, dá meia volta sobre a Constituição Federal.
Infelizmente, sob a suspensão ilegal e inaceitável de nossas liberdades individuais a pretexto do combate à peste chinesa, assistimos, amedrontados, encarcerados e ameaçados em nosso direito à livre expressão, o progresso da agenda comuno-globalista, cujo ritmo depende de políticos corruptos, da justiça cúmplice e da imprensa avassalada.
Não se trata, pois, apenas da elegibilidade de mais um corrupto – eles estão por aí aos milhares, mas do enfraquecimento de um sentimento de esperança que em determinado momento se mostrou majoritário na população brasileira. Acreditava-se que inauguraríamos uma era de soerguimento da brasilidade, de predominância dos valores e princípios éticos que deram forma à civilização ocidental, de supremacia do certo sobre o errado e do bem sobre o mal. Parece não ser possível e isto é desalentador.
Valterlucio Bessa Campelo escreve contos e opiniões às sextas-feiras no ac24horas e eventualmente no seu BLOG
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