É patente no Brasil que nenhum governo, seja federal, estadual ou municipal, se forma ou se sustenta sem uma boa dose de fisiologismo, aqui dito no sentido de cooptação de apoio político/parlamentar através da indicação de pessoas para cargos públicos. Como se diz por aí, é o preço a pagar pela governabilidade.
O problema se torna preocupante é quando quem nomeia perde o tino e aceita indicação de secundarista para Reitor, se é que me entendem, rasgando assim todo o protocolo e, muitas vezes, até driblando a legislação, para atender aos anseios de correligionários ambiciosos.
Longe de mim a expectativa de governos tecnocráticos, de divorcio entre gestão e política, de exclusividade de cargos para funcionários de carreira ou coisas do gênero. Penso que a política existe para que projetos políticos sejam executados, o que só pode se realizar através da ação dos entes do Estado. Logo, é legítimo e mesmo desejável que cargos públicos sejam ocupados com viés político. Do contrário, teríamos o engessamento da administração e um elitismo autoritário, um exército de pequenos “déspotas esclarecidos”, nefasto e infenso às mudanças na sociedade.
Não se trata, portanto, de defender uma tecnocracia rígida, mas de exigir um mínimo de pudor nas chamadas “indicações políticas”. É importante compreender que más indicações não comprometem a ação apenas pela incompetência do indicado, mas pela deterioração da própria instituição a partir do desalento do seu corpo técnico, desmobilização de parcerias, mas, também, pelo descrédito que faz transbordar para a sociedade.
Todo governo, em qualquer nível, tem uma face visível, uma imagem pública, e esta mostra com clareza a importância que se dá a cada pasta ou setor através dos dirigentes respectivamente nomeados. Dependendo do nível dos diretores de determinada instituição, seus funcionários, a imprensa e a sociedade percebem facilmente o seu (des)prestígio.
Vejamos o exemplo do Presidente Bolsonaro. A primeira coisa que ele fez foi buscar profissionais do ramo para colocar em cada ministério. Por cima das diferenças ideológicas, não há como acusar sua equipe de incompetente. Se, no curso do governo, algo sair do prumo, é natural que seja retificado com a substituição e com novas nomeações que atendam aos requisitos mínimos necessários ao alcance de seus objetivos. É o que se espera de qualquer gestor – a busca pela eficiência, eficácia e efetividade da ação, o que, aliás, é exigência legal.
Isso até a página de ontem. A aproximação com o centro político visando consolidar a governabilidade que precisa para mover sua agenda de reformas parece, segundo seus adversários e alguns articulistas experientes, ameaçar a máquina pública com a abertura de espaços na administração para indicações meramente políticas, desprovidas do necessário conteúdo técnico, experto. Será, se ocorrer (esperemos que não), a quebra de uma boa perna do governo.
Desde a Antiguidade até hoje, muitos filósofos e escritores, cada um a seu tempo, com maior ou menor profundidade e sofisticação, aconselharam os governantes a cercarem-se de pessoas sábias. Como exemplo, vejamos o que diz Maquiavel, um dos principais ícones da ciência política, em sua obra mais conhecida – O Príncipe: “Não é algo de pouca importância para um príncipe (executivo) a escolha de seus ministros… O primeiro juízo que, por conjectura, formamos das faculdades intelectuais de um soberano (governante) ampara-se no conceito que fazemos dos homens que ele tem em torno de si”. Abraham Lincoln, no quadro que ilustra o presente texto, traduziu tudo na menção àquela que para Aristóteles era a primeira das virtudes – a coragem.
Com base na lei e nos bons costumes, pelo menos o notório saber é exigência inarredável para qualquer nomeação. A rigor, se afastaria liminarmente qualquer pretensão de quem não tenha formação acadêmica sólida ou experiência profissional na área em que vai trabalhar. Infelizmente, aos poucos, o fisiologismo perdeu os escrúpulos e ousa pleitear qualquer função, em total desprezo à natureza do cargo, à missão institucional, aos técnicos da área e ao próprio discurso moralizante. Em casos extremos, cargos públicos já foram utilizados como mesada para parentes e até amantes. O resultado é uma mixórdia funcional extremamente prejudicial à gestão. Como obter daí bons resultados? Como fazer evoluir projetos e programas?
Cada governante é ciente de suas responsabilidades e das consequências políticas e administrativas de seus atos e, seguramente, nenhum chegou lá fazendo estupidezes. Esperemos que a chamada busca da governabilidade não signifique rendição ao desvario e ambição desenfreada. Dos dirigentes, espera-se coragem e prudência, afinal, a travessia de águas turbulentas exige sacrifícios e bons marinheiros.
Valterlucio Bessa Campelo escreve opiniões e contos às sextas-feiras no ac24horas e eventualmente no seu BLOG
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