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Motivação na inovação 

Por
Daniel Silva

Há inúmeras teorias científicas capazes de explicar a motivação humana. Algumas são aparentemente contraditórias. Digamos aparentemente por que, de fato, as contradições são apenas demonstrações tácitas de que ainda não se conseguiu encontrar o esquema lógico que une todas elas em um todo, ainda que incompleto. Essa multiplicidade explicativa apresenta, portanto, o ponto de partida de que as pessoas fazem coisas, feitos notáveis ou corriqueiros, por algum motivo, alguma razão. O acaso e seus sortilégios não existem no grande palco onde se processam as realizações humanas. E, no universo das inovações, o desafio da motivação é singular porque talvez seja aqui o único ambiente onde, talvez, a teoria de Maslow e sua pirâmide das necessidades não se aplique em sua integralidade. Isso não significa, contudo, que os motivos humanos não estejam presentes no processo de inovação. Neste sentido, este ensaio tem como objetivo mostrar a especificidade da motivação na geração da inovação tecnológica.


Os indivíduos que estão na linha de frente das inovações são singulares. De forma geral são pessoas que passaram muitos anos estudando quase tudo o que há de conhecimentos nas suas áreas de formação. Logo, fazem parte da uma insignificante parcela da humanidade que se dedicaram a pelo menos dez anos de estudos superiores. Poucos são os cidadãos do mundo que têm título de doutorado e experiência com estágios pós-doutorados. E menor ainda é o percentual daqueles que continuam a estudar e a testar o que aprenderam em termos de artefato de alguma utilidade para outros indivíduos. É preciso muita energia,  muito querer, muita determinação, quase loucura, se não loucura isso já não for.


E parece que as energias dos cientistas e dos inovadores, que são aqueles que geram o novo sem conhecimentos aprofundados da ciência, não acabam. Pelo contrário. A impressão que muitas vezes se tem é que quanto mais fracassam, e eles fracassam muito, mais eles se renovam energeticamente e voltam com mais força e determinação ainda para nova rodada de tentativa de alcance do sucesso pretendido. E, se fracassarem novamente, outras e outras tantas vezes voltarão a enfrentar seus desafios até que se sintam realizados. É verdade que alguns desistem de seus intentos, mas são muito poucos os que agem assim em relação ao total.


Abraham Maslow, um dos grandes cientistas da motivação, considerava que as pessoas faziam coisas por alguma necessidade. Partindo das mais básicas para as mais superiores, as pessoas procuram primeiro suprir suas necessidades fisiológicas, pois, sem elas, a própria vida não subsiste. Supridas, aparecem as necessidades de segurança, que quase não é sentida quando as fisiológicas ocupam o primeiro plano, e que visam a não voltar ao estado de carência anterior. Supridas as necessidades de segurança, surgem as necessidades sociais, onde se busca pertencer a algum grupo, envolver-se. Supridas essas, emergem as necessidades de estima, afeto, que dão lugar às necessidades de autorrealização, em que os indivíduos se colocam desafios que julgam importantes.


Embora dinheiro (necessidade fisiológica) seja importante, assim como segurança no trabalho (necessidade de segurança), pertencer a um determinado grupo de pesquisadores e ser reconhecido afetivamente nesse grupo parecem ser tão importantes quanto a necessidade de autorrealização, que é o que parece ser a força motriz dos inovadores. A pirâmide de Maslow parece invertida no caso dos cientistas e inovadores. A base são os projetos de inovação, que são a autorrealização desses indivíduos. Apoiada nela ou circundando-a estão o pertencimento ao projeto de pesquisa e o reconhecimento de seu valor pelo grupo. Mais distantes aparecem as necessidades de segurança e fisiológicas, porque, como são indivíduos raros no mercado das inovações, são facilmente recolocados e com salários no mínimo razoáveis.


Esse esquema permite que os gestores planejem e executem um programa de alto impacto na motivação de seus quadros de inovadores. Primeiro, deem-lhes desafios à sua altura, com todos os insumos, máquinas, equipamentos e instalações necessárias. Segundo, forme a equipe com pessoas que, além da capacidade de realização, também sejam desenvolvidos emocionalmente, de maneira que saibam reconhecer esforços e hábeis em intermediação de conflitos. Terceiro, firme contratos de longo prazos com as equipes, de maneira que não se preocupem com possibilidades de paralisações do projeto. Quarto, pague bem e retribua melhor ainda, o que significa equiparar a remuneração básica ao que o mercado paga e dividir uma parte dos ganhos com os membros das equipes.


Pesquisadores gostam de ver seus nomes em artigos científicos e ensaios teóricos. Cientistas gostam de criar novos conhecimentos e simultaneamente criar formas de sua utilização. Para isso, criam seus protótipos, que, depois de testados e retificados inúmeras vezes, são considerados aptos para o suprimento de necessidades de outros indivíduos e organizações. É neste momento que o protótipo se transforma em produto, de maneira que não se tem produto sem que o protótipo tenha sido devidamente testado em eficiência, eficácia e inúmeros outros aspectos. Essa trajetória toda pode envolver poucos dias, assim como décadas. E o motivo por que não desistem é justamente a necessidade de autorrealização.


Isso parece óbvio. Mas a prática tem demonstrado que poucos são os gestores de inovação que conseguem trabalhar com sucesso os esquemas de motivação. Mais do que isso, sem compreensão e uso adequado dos motivos humanos para materializar as inovações os cientistas e inovadores tendem a se dispersar e tornarem-se improdutivos, o que pode culminar com o abandono da instituição ou serem acometidos de casos sérios de depressão e outras doenças da alma e uso de drogas. Sem os motivos que os fazem ser seres formidáveis, os cientistas e inovadores podem até perder os sentidos do próprio viver.



Daniel Silva é PhD, professor, pesquisador do Instituto Federal do Amazonas (IFAM) e escreve todas às sextas-feiras no ac24horas.


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