Chegamos em Rio Branco em dezembro de 1972 quando muitas famílias migravam de Brasiléia para a capital em busca de melhores oportunidades. Fomos morar na única rua que dava acesso ao cemitério São João Batista. Tinha 11 anos. Ficamos por dois anos nessa casa, alugada, do seu Waldemar, pai da delegada Vânia Lilia. Rio Branco tinha cerca de 70 mil habitantes. Hoje tem 320 mil e continua crescendo…
Da varanda assistia toda semana os cortejos fúnebres passando em direção à morada final. Eram muito diferentes.
O caixão era conduzido por mãos, levados em carroças ou caminhonetas C-10 ou F-75. Seguia bem devagar. O tempo parecia quase parado. A pé familiares e amigos, a maioria vestidos de preto, ou, os homens com uma tarja preta no bolso da camisa de linho branco e as mulheres com a cabeça coberta com um véu negro. Tudo isso, depois de ter passado na igreja para a missa ou culto de despedida.
As portas dos comércios e das casas iam se fechando à medida em que o defunto passava. Algumas pessoas, mesmo sem conhecer o morto, falavam palavras como “vai em paz”, “descanse em paz”. Havia uma atmosfera de luto e respeito à dor do outro.
O morto, embora morto, sabia de antemão, que no seu velório e sepultamento, haveria o calor humano dos vivos, dos parentes, amigos. No mínimo, reverência. Sentimentos, lágrimas de separação e saudade.
Hoje há um pouco de choro aqui, outro acolá. Conversamos sobre amenidades entre bolachas, cafés e refrigerantes. O morto está morto mesmo. O preto, o luto perderam valor. Pode ser qualquer roupa colorida, até shortinho entrando na bunda, bustiê, com sapato de salto alto.
Se o velório for no local do sepultamento é bem melhor. Evita-se o constrangimento para família no meio do trânsito com motoristas e motoqueiros impacientes que gostam de cortar filas de carros; ainda passam buzinando na sua saudação final. Mal sabem eles que estão na fila. Talvez saibam, por isso mesmo correm desesperados.
Em tempos de pandemia a indiferença se acentuou mais ainda. Alguns escarnecem, zombam, fazem chacotas enquanto o número de mortos aumenta. Estamos perdendo nossa humanidade.
Lá se vão cerca de 40 anos desde o 1º velório que vi passar. Tudo mudou. Nos tornamos mecânicos. Industrializou-se a morte e tudo mais que se segue depois, até a lacração da gaveta nos túmulos modernos.
O que se vê no horizonte para nós, sapiens, é tenebroso, nuvens de tempestades. O fim ou o começo de um novo tempo em que não seremos mais os humanos que fomos…tudo terá passado como passou para os que vieram bem antes de nós.
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