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Mãos à obra, Bocalom

“Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas”. Machado de Assis

A frase no quadro acima, extraída do romance “Quincas Borba”, de Machado de Assis, publicado em 1891, diz respeito à vitória de uma tribo sobre a outra, em luta pelos mantimentos (as batatas), suficientes para a travessia da montanha por apenas uma delas. Neste momento, Quincas Borba, o filósofo e protagonista do romance, dialoga com Rubião, seu discípulo, lhe explicando os termos de sua filosofia.


Ouso referir à obra de Machado apenas para recolher a frase como inspiração e fazer uma rapidíssima abordagem do saldo da disputa eleitoral recente em Rio Branco. O novo prefeito leva as batatas. Se for compassivo, não guardará ódio ou ressentimentos em relação ao vencido, o que em certa medida revelará a contenção da disputa no campo político não extremado. Do contrário, estará o novo alcaide enterrando seus propósitos no radicalismo insano.


Parece que, apesar da dureza da campanha e dos ataques mútuos, Tião Bocalom opta pelo respeito e consideração à prefeita Socorro Neri. Embora seja firme em se colocar ideologicamente em sentido diametralmente oposto, o que poderia sustentar um discurso mais contundente, ele faz uma sinalização para o desmanche do palanque, para a pacificação de ânimos e, tanto quanto possível, para o encontro de convergências políticas, incluindo aí seguidos encontros com o Governador Gladson Cameli que figurou como principal apoiador da chapa derrotada.


Neste sentido, Bocalom age de modo sereno e equilibrado, como devem ser os políticos maduros e responsáveis. Esta é, porém, a questão mais fácil a enfrentar. A parte mais difícil é administrar as “batatas” que não são, entendamos, o objetivo final, mas os meios para a travessia. A população atribuiu ao prefeito a incumbência de pelo período de quatro anos gerir a estrutura e os recursos da municipalidade – as “batatas”, para em troca ter mais e melhores serviços públicos.


A prefeita, de modo republicano e cordial, respondeu eficientemente à sinalização, e ofereceu as facilidades possíveis visando uma transição tranquila, de modo a preservar a continuidade administrativa em prol do município. A ordem é facilitar o caminho de quem começa a enfrentar a tarefa de governar.


Aliás, no caso de Rio Branco, a julgar pelas notícias, as “batatas” serão transferidas íntegras e suficientes. Socorro Neri cuidou para que não fossem deterioradas ou furtadas, de modo que não haverá, como de costume em sucessões de mandatos, que se falar em herança maldita ou em ruínas a soerguer. A prefeita fez um trabalho irrepreensível no que tange às contas públicas, um fato reconhecido em análises nacionais, o que, convenhamos, é algo extraordinário nos tempos atuais. De certo modo a sua fragorosa derrota eleitoral contradiz sua imagem como gestora, permitindo afirmar que não se trata de uma alastrada rejeição ou de punição por graves desacertos. Temos aí um paradoxo a ser explicado somente nas entrelinhas da política.


De outra parte, com a recomposição do quadro político, parece dada a sustentação que faz fluir para o município novos recursos e parcerias. Governador, deputados federais e senadores se colocam como aliados do projeto que se inicia (produzir para empregar) e, portanto, produzem um cenário de apoios importantíssimos junto ao governo federal.


Então, resumamos assim. Bocalom parte de receber uma estrutura adequada e em movimento saudável, recursos íntegros, sustentação política e grande apoio popular. Parece aquele céu de brigadeiro a que se referem os comandantes de aeronaves.


Só parece. Nos dias atuais, não há tranquilidade para governantes. Os problemas acumulados no tempo são enormes, turbulências momentaneamente aquietadas pela pasmaceira geral provocada pela pandemia se apresentarão com vigor nos próximos anos, exigindo capacidades, esforços e discernimento que começam, como amplamente propagado pela mídia, na formação de sua equipe. É preciso expertise em descascar as “batatas”, cozinhá-las e servi-las à população.


O prefeito eleito, que conheço há muitos anos, é um homem obstinado, trabalhador e bem intencionado que em campanha, talvez por senso de oportunidade política ou convicção inarredável, abraçou causas que aparentemente extrapolam os limites do factível. Algumas variáveis econômicas que as definem não estão sob controle ou são efetivamente impactadas a partir do município, ou seja, produzir riqueza e gerar empregos são responsabilidades que ultrapassam a competência municipal. Quanto a isso, aguardemos.


A tarefa mais urgente do novo prefeito, explícita na campanha, é a ampliação dos serviços básicos, a melhoria no combate à pandemia e, como compromisso, a execução do programa de governo apresentado ao eleitorado. Aquele texto com 11 eixos temáticos e dezenas de ações é a sua agenda fundamental e enfrenta na gestão o dilema clássico da economia – necessidades abundantes e recursos escassos, afinal, vivemos tempos bicudos.


Perante o desafio, Bocalom e Marfisa terão que ser especialmente criteriosos e habilidosos em fazer mais com menos, ou seja, em obter aumentos da eficiência dos recursos financeiros, materiais e humanos disponíveis. Vale dizer, se obrigam a uma administração profissional e moderna, o que pode implicar níveis importantes de adaptação e de renúncia a alguns termos próprios de campanha eleitoral.


A propósito, vale lembrar o pai da administração moderna, Peter Drucker, “A causa mais comum do fracasso do gerente é a incapacidade ou a falta de vontade de mudar diante de uma nova posição”.



Valterlucio Bessa Campelo escreve às sextas-feiras no ac24horas