Uma portaria do Ministério da Saúde publicada nesta sexta-feira (28) no “Diário Oficial da União” altera o procedimento padrão a ser adotado por médicos e profissionais de saúde ao atender mulheres que queiram abortar após engravidarem de um estupro.
Em casos assim, a interrupção da gravidez é permitida por lei. A portaria, no entanto, traz novas exigências, incluindo a oferta para que a gestante veja imagens do feto, em ultrassonografia, e a submissão da vítima a um extenso questionário sobre o estupro.
A equipe médica também deverá comunicado o caso à autoridade policial, independentemente da vontade da vítima de registrar queixa ou identificar o agressor. No termo de consentimento, a gestante terá que relatar, com pormenores, a violência sexual sofrida.
A portaria prevê, ainda, que a gestante será informada da previsão legal dos crimes de aborto e falsidade ideológica, caso não se comprove que ela foi vítima de violência sexual e/ou estupro.
A portaria do Ministério da Saúde foi publicada em meio a polêmica gerada pelo caso da menina de 10 anos que engravidou depois de ser estuprada pelo tio de 33 anos, no Espírito Santo.
A vítima precisou viajar até Recife (PE) para interromper a gestação e, junto com médicos, foi alvo de ataques de grupos religiosos e de extremistas contrários ao aborto.
No Brasil, o aborto é permitido por lei em três cenários: se a gravidez é decorrente de estupro; se a gestação representa risco de vida para a mãe, e em caso de bebês com diagnóstico de anencefalia (sem cérebro viável).
De acordo com o texto, os profissionais de saúde “deverão preservar possíveis evidências materiais do crime de estupro a serem entregues imediatamente à autoridade policial, inclusive fragmentos do embrião ou feto, para levar à identificação genética do autor do crime”.
Nesses casos, também fica “obrigatória a notificação à autoridade policial pelo médico, demais profissionais de saúde ou responsáveis pelo estabelecimento de saúde que acolheram a paciente sobre os indícios ou confirmação do crime de estupro.”
A portaria traz ainda uma outra obrigação à equipe médica: oferecer à gestante, antes da realização do aborto por estupro, a possibilidade de visualizar o feto ou embrião por ultrassonografia. O desejo final dela precisa ser documentado.
Professora de direito na Universidade de Brasília (UnB), Débora Diniz avalia que a notificação obrigatória à polícia, num momento de extrema sensibilidade da gestante, pode causar mais que um constrangimento à mulher que busca o aborto previsto em lei – pode até inibir que ela tome esta atitude.
“Uma mulher, quando chega num hospital, ela busca cuidados de saúde, busca uma psicóloga para cuidar do seu sofrimento por ter sido violentada, ela busca um médico para cuidar dos riscos da saúde de um aborto, caso resultado em gravidez forçada”, diz.
“Ao obrigar esses profissionais de saúde a informar à polícia, inclusive sem o consentimento da mulher, pode fazer com que mulheres tenham medo de chegar aos serviços de saúde. Podemos estar criando barreiras indevidas para cuidar de mulheres que já sofreram uma das violências mais brutais, que é um estupro”, afirma Débora.
Em nota, o Ministério da Saúde afirmou que as mudanças foram necessárias porque as regras vigentes estavam em desconformidade com uma lei aprovada em 2018.
Ainda segundo a pasta, um decreto da década de 1940 enquadra como contravenção a conduta de um profissional de saúde da administração pública que não comunicar crimes, como o estupro, à autoridade competente.
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