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O saneamento na política eleitoral de 1996 – parte 2 

Continuemos então com relato da criação do Serviço de Água e Esgoto de Rio Branco – SAERB, em substituição à SANACRE, na prestação dos serviços de saneamento na capital, em 1997. Como vimos, findado o processo eleitoral de 1996, com o candidato do PMDB vencendo, é chegado o momento de executar a principal bandeira da campanha eleitoral, ou seja, a de resolver o problema do abastecimento de água da capital do Acre.


As prioridades da população naquele momento já refletiam a crise no sistema de abastecimento de água da cidade. Uma pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística – IBOPE, obteve como resposta para a pergunta: “o que o prefeito de Rio Branco deveria priorizar a partir de 1997”, os temas que ganharam o maior percentual de respostas foram a rede de esgoto (15%) e água tratada (11%), totalizando 26%. Portanto, o PMDB fez a leitura da pesquisa e adotou como lema da campanha a resolução do problema da grave crise do abastecimento de água da cidade em função da falência da SANACRE. 


Após as eleições, iniciaram-se as negociações entre o prefeito eleito e o governo do estado. Essa negociação levou o governo estadual, em 19 de dezembro de 1996, a decretar estado de calamidade pública nos serviços em todo o estado. Após 13 dias da publicação do Decreto Estadual, no dia 02/01/1997, o Prefeito da cidade de Rio Branco, um dia após a sua posse, também decretou estado de calamidade pública na cidade, justificado, basicamente, pelos mesmos motivos do decreto estadual.


Para a nossa reflexão é importante indagar o porquê do governo do Acre não recuperar a SANACRE, como assim o fizera a maior parte dos estados brasileiros que apostaram na recuperação de suas Companhias estaduais?  Em 1995, o governo brasileiro voltou a financiar o saneamento com recursos de FGTS, por intermédio do Programa Pró-Saneamento. Acontece que a situação de crise da SANACRE, com enormes dívidas trabalhistas, previdenciárias e administrativas que impediam a expedição de certidões negativas de débitos em seu nome, com seu parque operacional deteriorado, sem a capacidade de gerar receitas de suas operações, o governo estadual optou por não socorrer a Companhia, que, em situação pré-falimentar, não possibilitou que a empresa pudesse se beneficiar de financiamentos do Pró-Saneamento. 


Poder-se-ia, também, esperar que a SANACRE pudesse ser privatizada, seguindo os ditames da política nacional no momento, pois, alguns movimentos na direção de maior participação privada no setor tinham sido observados desde meados dos anos 90. Houve por parte da União uma indução às companhias estaduais, de transferirem seus ativos ou suas concessões à iniciativa privada, o que ocorreu, por exemplo, por meio da antecipação de recursos do BNDES a essas Companhias. Em alguns estados e municípios, as buscas da privatização dos serviços de saneamento promoveram a venda de ativos. No entanto, resistências políticas, da parte dos movimentos sociais e sindicais, foram verificadas, provocando reveses no processo de privatizações à época. No entanto, dada a precária situação técnica, administrativa e financeira da SANACRE, mesmo diante de toda a política nacional, não se tem registro de nenhuma tentativa de privatização dos serviços no Acre, seja por parte de uma política do governo local, seja pela procura de empresas privadas nacionais ou multinacionais para assumir os serviços em Rio Branco ou no Acre. 


Voltando às negociações do prefeito eleito com o governo do estado, conforme relatos, ocorreu uma oposição política dentro governo estadual, que entendia a reversão como uma sucessão. A proposta defendida pelos representantes do governo passou a ser a transferência de todo passivo trabalhista e todas as dívidas de financiamento, em resumo, queriam transferir o caos existente na SANACRE para o município. Ou seja, o acordo político selado anteriormente, envolvendo um processo amigável de reversão dos serviços, não se verificou. A postura do governo do estado foi a de transferir não só os ativos da SANACRE, mas também os seus “passivos podres”. 


Após várias rodadas de negociação, depois de vários meses de negociação, o acordo foi fechado, mesmo contrariando a estratégia do município. A questão maior foi a transferência de todo o pessoal da SANACRE para o SAERB, o que, por lei, não se sustentava por tratar-se de regimes jurídicos diferentes. O fato é que essa dificuldade no processo de transição criou uma certa animosidade entre técnicos e diretores da SANACRE e os técnicos e diretores do SAERB, gerando grandes contratempos no momento da mudança. Esse acordo, aliadas a outras questões importantes na gestão do SAERB, vão marcar fortemente as dificuldades na atuação da autarquia, durante os 15 anos que ela esteve à frente da prestação dos serviços de saneamento da capital. Em artigos futuros vamos explorar com maiores detalhes esta questão.


Finalmente, fechado o acordo o SAERB pode iniciar a execução de Plano de Emergência elaborado pela equipe técnica local e com o apoio da FUNASA. Os principais pontos do Plano eram: adquirir novos equipamentos; recuperar e reabilitar todo o parque industrial; recuperar as estações elevatórias e recuperar os motores da captação para o pleno funcionamento da ETA que estava funcionando somente com 1/4 de sua capacidade. 


Para finalizar, destaco um outro grande entrave que dificultou a atuação do SAERB, que vou destacar em artigos futuros. Foi o efeito da utilização das deficiências no sistema de abastecimento de água como bandeira política, na vitória do PMDB nas eleições de 1996, principalmente sobre as futuras relações com o governo do estado. A situação tornou-se mais aguda quando a Frente Popular, capitaneada pelo PT (partido que foi derrotado naquelas eleições), venceu as eleições em 1998 e passou a governar o estado, a partir de 1999, até 2018. A politização do saneamento interferiu fortemente nas relações interfederativas estado x município, descartando a existência de uma possível parceria entre ambos, o que seria extremamente salutar para a condução do saneamento da capital.


Em outra dimensão, como ficaria a prestação de serviços de saneamento em Rio Branco se o tema não fosse levado para dentro de um processo eleitoral? Fica a preocupação de que a importância que o saneamento básico exerce para a saúde pública e o caos que a cidade estava sofrendo na época não foram suficientes para garantir o apoio dos governos, independentemente do processo eleitoral, e que o debate entre as três esferas de governo sobre uma política pública de saneamento pode ser crítica no avanço da agenda do saneamento nas diferentes esferas.



Orlando Sabino escreve todas as quintas-feiras no ac24horas.