A frase na figura acima é atribuída a Sêneca (Lucius Annaeus Sêneca), filósofo estoico contemporâneo de Cristo, homem de origem nobre e muito rico que serviu ao império romano como senador ao tempo de Calígula, pretor sob Claudio e tutor e conselheiro de Nero que o condenou à morte pelo crime de traição. A evidente contradição entre seu eloquente discurso moral e sua prática, recheada de participações nas tramas palacianas, não diminui a sua importância na filosofia.
A máxima tem o sentido lógico do estoicismo, mas também revela o drama de quem, ocupando posição de comando, é freqüentemente obrigado a realizar escolhas conflitivas à medida que o alvo da decisão não é tão somente a sua satisfação pessoal, mas a do grupo comandado ou da sociedade, vale dizer, quando o “aonde ir” resulta de um projeto coletivo. Se há contradição entre uma e outra, a escolha tende a ser a segunda, ainda que gere angústia ao comandante.
É, portanto, imperativo conhecer o destino, sabê-lo ou projetá-lo com graus de certeza suficientes para que sejam minimizados os conflitos e erros no trajeto e aproveitados os ventos favoráveis. Eis a mágica para a segurança entre a partida e a chegada, o que em termos filosóficos corresponderia à ataraxia – a ausência de atribulações.
Mesmo não sendo filósofo nem ambicionando sequer encostar-me à erudição dos intelectuais da área, mas observando a vida e os acontecimentos que envolvem política e governos, me é praticamente impossível deixar de conjecturar que os movimentos frenéticos que assistimos, os avanços e retrocessos ou, em alguns momentos, a inação, são causados por incertezas quanto ao ponto de chegada, arriscando colocar a todos em sentido contrário aos ventos senequianos.
É certo que, neste momento, devemos considerar a gravidade da pandemia do vírus chinês que, sem aviso, chegou ao nosso mar como tempestade, espalhando a morte, fechando empresas, quebrando economias, dilacerando nossas vidas, sonhos e projetos. Entretanto, como disse o mesmo Sêneca em seu ensaio sobre a providência divina, “o desastre é a oportunidade da virtude”. O filósofo se referia ao homem e ao desenvolvimento de seu caráter interior, mas, mesmo assim, me parece bastante razoável aplicar essa ideia aos encargos do governante, afinal, o ato decisório inerente ao poder não é de todo apartado da sua personalidade.
Felizmente, acompanhada de perto e insistentemente pela sociedade através dos diversos meios de comunicação, a situação que vivemos permite revelar a forma e os critérios adotados por nossos governantes na condução do nosso barco, ou seja, seus erros e acertos são visíveis. Provavelmente, os virtuosos serão exaltados quando nos conduzirem ao porto seguro com o mínimo dano possível, os outros, aqueles que não demonstrarem a virtude necessária, o que em termos práticos aplicados ao setor público poderíamos chamar de capacidade de gestão, sucumbirão sob o julgamento da sociedade e serão punidos e esquecidos no tempo.
Facilita saber que governos não são flechas lançadas, pelo contrário, são processos sujeitos a mudanças de meios e atores e, fundamentalmente, à participação da sociedade que em maior ou menor grau pode sustentar o ritmo e a forma empregados, desde que se tenham definido um alvo e um plano, ainda que estes possam e, eventualmente, devam ser revistos e avaliados.
É condição necessária, em prol da paz social e do bem comum, que as pessoas tenham firme a sensação de que o rumo não foi perdido. O cenário eleito no processo democrático não pode, sob pena de enorme prejuízo, ser alterado grosseiramente ou, por inépcia, ser postergado ad infinitum, já que, em última instância, a razão da escolha do governante é a promessa de realização de nossas expectativas.
Creio que a meio mandato há condições de correção e alinhamento dos projetos políticos e executivos, de modo a recompor as forças que movem a estrutura de poder e a governança. Há inúmeros exemplos de governos que no próprio curso se aprumaram e souberam navegar a partir da expressão da virtude de seus líderes, o que no sentido aristotélico tem a ver com a justa medida, nunca encontrada nos extremos.
É claro que isso não será possível sem a boa vontade e a participação da sociedade e de seus representantes. Se espera renúncia e cooperação, principalmente porque estamos em momento especialíssimo da vida nacional. A recuperação da economia ao estágio pré-COVID não se dará imediatamente, muitas empresas fecharam para sempre, o desemprego é alarmante, os tempos continuarão sombrios e alterados ainda por muito tempo, daí ser imprescindível repensar as ambições e projetos políticos pessoais, e se dedicar ao zelo pela integridade do tecido social sob ameaça de esgarçamento, do qual, aliás, se aproveitam os extremos ideológicos.
Cá na planície, será útil que unamos nossos esforços, sigamos a Lei e sejamos vigilantes e perseverantes. Torçamos para que no cume não se confirme outra máxima de Sêneca “Tirai ao gênero humano a sua vaidade e a sua ambição e acabareis de vez com os heróis e patriotas”.
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