Falta de sensibilidade do governo e “monopólio” de frigoríficos são apontados pelo setor como causas da defasagem no preço do produto acreano
A cotação da arroba do boi gordo começou a quinta-feira (2) com alta de 0,69% no mercado nacional e o produto é negociado a R$ 219,9 em São Paulo e R$ 209 em Goiânia, segundo dados do Canal do Boi e Cepea – Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada.
No Acre, o preço da arroba está girando em torno dos R$ 170, um valor considerado defasado com relação ao mercado nacional pela Federação de Agricultura e Pecuária (FAEAC). Essa cotação está quase R$ 20 abaixo do preço praticado em Rondônia, o que não se justificaria, pela pequena distância entre os dois estados, que são vizinhos.
Essa condição de preço tem causado uma resistência de produtores em disponibilizar gado para o abate no mercado local que, somada a saída de gado para outros estados, está causando uma queda na oferta, o que tem forçado uma pressão contra os frigoríficos locais para a correção da defasagem, entretanto o valor das negociações não têm ultrapassado os R$ 172, segundo as fontes ouvidas pela reportagem.
Esse fator contribui para o reajuste das tabelas de preços nos açougues porque mesmo que a alta ao produtor seja mínima, os frigoríficos repassam essa elevação aos comerciantes que, por sua vez, reajustam a carne para o consumidor final. Em Xapuri, o aumento de R$ 0,50 no preço da carcaça da vaca, que é vendida aos açougues em bandas, já causou o anúncio do aumento dos preços da carne na cidade.
A reportagem teve acesso a duas notas de compra de carne emitidas nos dias 27 e 30 de junho pelo único frigorífico de Xapuri, o Frigoverde. Na primeira, o valor pago pelo açougue foi de R$ 11,61 por quilograma e na segunda o preço foi de R$ 12,10. O reajuste ocorreu após o frigorífico não fazer entrega de carne na última segunda-feira, 29 de junho, alegando falta de gado.
No caso específico de Xapuri, onde o volume de gado comercializado para abate é quase todo composto por vacas, o gerente do frigorífico Frigoverde, Juarez Antônio Lauther, diz que a queda da oferta não se relaciona com a saída de gado do estado, mas com uma tendência natural do período de entrada do verão amazônico, que é a retenção no pasto, por parte do produtor, à espera da melhora do preço.
“Aqui em Xapuri, especificamente, não ocorre isso porque cerca noventa por cento do que abatemos são fêmeas. De gado macho, boi, isso acontece mesmo, mas não é o caso do nosso município. Então a diminuição da oferta se dá em razão do período do ano, quando o produtor costuma segurar um pouco para o pico do gado, que acontece a partir de agosto ou setembro até o mês de novembro”.
Recentemente, em reportagem do ac24horas, o presidente do Sindicato das Indústrias de Carnes e Derivados do Acre, o Sindicarnes, José Aristides Junqueira Franco Júnior, ou Nenê Junqueira, como é mais conhecido, afirmou que os frigoríficos do estado enfrentam uma grande diminuição da oferta de gado, que apontaria para desempregos no setor e disparada no preço da carne.
“Estamos registrando uma diminuição grande da oferta de gado para os frigoríficos acreanos. Nossa projeção é que nos próximos meses falte boi para o abate. Isso vai gerar problemas sérios como o desemprego e aumento do valor da carne para o consumidor acreano”, disse o empresário.
O cenário previsto por Junqueira tem a ver, entre outros fatores, com a chamada Máfia dos Bezerros, denunciada desde o ano passado às autoridades estaduais. Mas um pecuarista com quem a reportagem do ac24horas conversou diz que o impasse que existe com relação ao preço da arroba do boi gordo no Acre, que contribui para a saída de gado do estado e para a baixa na oferta para os frigoríficos, é causado, também, pela falta de concorrência no setor.
Segundo o produtor, existem apenas dois grandes frigoríficos no Acre com maior poder de abate (JBS e Frigonosso), que comandam o mercado local e ditam o preço no estado. Como exemplo do “monopólio”, ele afirmou que um frigorífico localizado no município de Senador Guiomard, com capacidade de abater cerca de 600 cabeças de gado por dia, é mantido fechado pelos dois maiores apenas para não abrir oportunidade para a concorrência.
“Se tivéssemos mais frigoríficos no estado do Acre, com certeza nós teríamos uma arroba mais justa. Essa situação proporciona uma busca acirrada pelo boi acreano pelos compradores de fora que estão vindo buscar aqui até o gado que ainda não está gordo, mas que já tá formado, para confinar lá e vender no mercado de Mato Grosso, por exemplo, a R$ 210 ou R$ 215”, explicou.
Perguntado sobre se tem conhecimento da “Máfia dos Bezerros”, o mesmo produtor, que prefere não ser identificado, diz que acredita que a prática é real, mas garante que ela não representa uma regra da pecuária acreana. Ele reafirma também que é o baixo valor do produto acreano, principalmente, que fomenta a compra de bezerros no estado e não a prática de ilegalidades.
“Alguns devem fazer isso para ter um lucro maior, mas o fato é que não é a ilegalidade que torna vantajosa a compra de bezerros no Acre. Mesmo pagando todos os tributos, o negócio é extremamente vantajoso por conta da defasagem do preço da nossa arroba, principalmente em razão de a nossa carne ser reconhecidamente um produto de muita qualidade”, completou.
Procurado pela reportagem, o presidente da Federação de Agricultura e Pecuária do Acre (FAEAC), Assuero Veronez, disse que apesar de o mercado brasileiro de carnes estar aquecido, o Acre tem um mercado fechado para a retirada de boi gordo para abate em outras unidades da federação por conta dos altos tributos. Isso, segundo ele, faz com que haja um excesso de oferta que contribui para a defasagem do preço da arroba acreana.
Veronez argumenta que o governo do estado possui um mecanismo para a redução do valor do ICMS, por meio de um convênio com o Conselho Nacional de Política Fazendária, o Confaz, para abate de animais entre os estados do Acre, Rondônia e Amazonas sempre que há um excesso de oferta interna. Essa redução pode chegar a até 80%, mas desde o ano passado o governo não tem aberto mão dessa arrecadação.
“Isso permite a saída de bois para outros estados, ampliando o nosso mercado, o nosso leque de compradores, e isso normalmente faz com que os frigoríficos locais corrijam essa diferença ou pelo menos parte dela, mas nós não estamos conseguindo, desde o ano passado, sensibilizar o governo atual para aplicar esse mecanismo, o que está fazendo com que a pecuária do Acre esteja deixando de ser remunerada adequadamente”, explicou.
Com um rebanho superior a 3 milhões de cabeças de gado, a pecuária acreana é o terceiro setor que mais movimenta economicamente o PIB estadual, com cerca de R$ 1,5 bilhão anualmente, gerando cerca de 60 mil empregos diretos, segundo dado não oficializado da FAEAC. O patrimônio pecuário do Acre é avaliado em mais de R$ 4 bilhões. No entanto, apenas 25% da produção de carnes do estado é absorvida pelo mercado interno.
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