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Sentir o bem

Por
Daniel Silva

Os sentimentos são uma característica essencialmente humana que, inexplicavelmente, desapareceram dos currículos escolares, especial e principalmente no Brasil. Juntos com os pensamentos e com a ação, compõem a integralidade humana. O resultado a que assistimos todos os dias é a impossibilidade da plenitude da formação humana e a abertura para as potencialidades apenas imaginadas. Se os pensamentos estruturam a compreensão a partir do desenvolvimento das faculdades cognitivas e acesso às dimensões psicosféricas, os sentimentos são os responsáveis pela compreensão do indivíduo de si mesmo e suas relações com o universo. É através dos sentimentos que nos aliamos aos outros. Quem tem sentimentos nobres alia-se a indivíduos de nobreza; quem não os tem se conecta com os que lhes são peculiares. Neste sentido, este ensaio tem como objetivo explicar por que os sentimentos são uma das bases da Nova Educação enquanto componentes do ser humano integral.


Os sentimentos são um tipo especial de emoções. Emoções são conhecimentos advindos das experiências humanas e que são armazenadas no campo extrafísico, mas que mantém conexão com os aspectos físicos humanos através do cérebro. Quando uma mulher vê uma barata, geralmente tem a experiência da repulsa, que é um tipo de emoção. Essa repulsa aparece porque é conecta, através de registros no neocórtex, com o que está armazenado em seu campo extrafísico, mental. Os sentimentos aparecem depois que os fatos e fenômenos do mundo acontecem, como forma de reação do indivíduo enquanto sujeito (por isso se diz que são subjetivos).


Os sentimentos podem ser divididos em pelo menos duas classes. A primeira são os que consideramos nobres. Essa nobreza é decorrente do fato de que proporcionam leveza, satisfação. Enquadram-se nessa categoria a felicidade, alegria, amor, compaixão, solidariedade, bom humor e assim por diante. Note que para que o sentimento de alegria apareça é necessário que alguma coisa, antes, tenha acontecido. Se alguém sonha com determinada premiação, se esforça por isso e a alcança, é natural, portanto, que esse sentimento apareça. Essa regra vale para todo e qualquer tipo de sentimento nobre: é uma forma de fazer a alma do indivíduo se elevar, de maneira que o indivíduo se sente como levitando ou em um sonho bom.


Os sentimentos inferiores são a outra categoria. Não são contrários aos sentimentos nobres, é importante que se compreenda isso. São considerados inferiores porque são uma espécie de recusa do cérebro e da mente compreenderem o esquema lógico das emoções. Tristeza, medo, raiva, desespero, aflições, culpas, invejas e assim por diante. Contudo, diferentemente dos sentimentos nobres, que quase sempre são esperados, os sentimentos inferiores quase sempre não o são. Ninguém, por vontade sadia, deseja ficar contente e nem se esforça para isso, da mesma forma que não é racional alguém procurar pelo desespero e trabalhar arduamente nesse intuito. Essa é a primeira e grande lição que as escolas da Nova Educação precisam ensinar a seus alunos e profissionais. Ensinar e praticar.


Como se pode perceber, os sentimentos são uma forma de interpretação que o cérebro faz daquilo que acontece no mundo e que é percebido pelo indivíduo. Na verdade, não é bem o cérebro que interpreta, mas a mente, a parte extrafísica. O cérebro, contudo, é acionado para captar, ordenar, transmitir, receber o retorno e agir sobre o corpo físico do indivíduo, gerando, por sua vez, os sentimentos nobres ou inferiores. Quando alguém sente raiva, temos que entender que é uma forma de reação, em conformidade com o que está armazenado e instruído na mente, a algum evento percebido pelo cérebro. Como é interpretação, o aprendizado resultante vai reforçar e reestruturar as reações futuras. Isso implica no fato palpável de que os sentimentos inferiores podem ser transformados em nobres. Basta que se visualize e se pratique essa dinâmica no dia a dia, segundo desafio da Nova Educação.


As emoções inferiores são respostas involuntárias, automáticas, tipo de reflexo aos acontecimentos do mundo. O sentimento de ciúme aparece de forma impensada, dominante, assim que o indivíduo vê o que pensa ser seu em companhia (ou em propriedade) de outrem. É uma resposta involuntária. É o mesmo que acontece com a inveja: basta o indivíduo ver o agente com aquilo que gostaria de ter para que esse sentimento inferior apareça. É dito inferior, portanto, porque inferioriza o indivíduo à sua condição mais animal. Os sentimentos nobres são aprendizagens que passaram pelo crivo da razão, reflexão, experimentação, compreensão e demonstração.


Mas não é só isso. Os sentimentos inferiores podem ser percebidos nos discursos dos outros, por exemplo. Ricos e pobres, opressores e oprimidos, burgueses e proletários, valentes e medrosos são todas expressões sentimentais de inferioridade porque representam respostas automáticas e supersimplificadas (outra forma de dizer ilusórias) da complexidade dos fatos e fenômenos do mundo. O sentimento de nobreza vai mostrar que todos somos ricos e pobres ao mesmo tempo, opressores (oprimimos alguém, ainda que seja a nós mesmos em algum momento) e oprimidos (somos oprimidos por alguém, ainda que esse alguém seja nós mesmos), burgueses e proletários (não faço ideia do que isso seja), valentes (somos valentes em algumas situações) e medrosos (em outras situações). Esses termos, portanto, são categorias sentimentais, expressam sentimentos.


A aprendizagem dos sentimentos leva ao tão desejado “conhece-te a ti mesmo”, condição fundamental para a felicidade. Ninguém é feliz se não conhecer a si mesmo. E conhecer-se significa, acima de tudo, identificar e saber lidar com cada sentimento inferior que habita o cérebro, a mente e o espírito de cada ser humano. Assim como ninguém aprende sem emoção, sem os sentimentos jamais chegaremos a sermos, efetivamente, humanos. Como os ensinos atuais castram qualquer possibilidade de conhecer os sentimentos e aprender a lidar com eles, destroem os seres humanos já na primeira infância, nos primeiros dias das crianças na escola.



Daniel Silva é PhD, professor, pesquisador do Instituto Federal do Amazonas (IFAM) e escreve todas às sextas-feiras no ac24horas.


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