Uma pesquisa sobre a queda de anticorpos em pacientes assintomáticos dois meses após a infecção por Covid-19 intensificou o interesse por uma questão crucial para o controle da pandemia: quem já pegou o novo coronavírus, pode pegar de novo? Se eu já desenvolvi a doença, estou protegido? Os cientistas ainda não têm a resposta.
Em artigo publicado pela “Nature Medicine”, o autor Ai-Long Hua, da Universidade Médica de Chongqing, na China, descreveu as características imunológicas e clínicas de 37 pacientes assintomáticos com o Sars CoV-2. O vírus foi detectado por meio de exame coletado no nariz e garganta dos participantes. Oito semanas depois, os níveis de anticorpos neutralizantes diminuíram 81,1%.
Gustavo Cabral, imunologista e coordenador de um projeto de vacina contra a Covid-19, disse que o estudo alerta para uma ineficiência dos anticorpos após a infecção, mas esclarece que o sistema imunológico do corpo humano possui outras formas de criar proteção contra os vírus.
Dois outros mecanismos contra invasores não foram levados em consideração no estudo, aponta Cabral. O primeiro deles é a imunidade inata: a proteção desenvolvida pela criança no início da vida, recebida em parte como herança da mãe e também pela amamentação. Isso é um dos pontos, segundo o imunologista, que é urgente nas pesquisas e que pode responder a outras perguntas, como o fato de as crianças serem mais resistentes ao vírus.
O segundo ponto, também detalhado em comentário publicado pela “Science” nesta terça-feira (23), é a importância das células T, aquelas que também agem diretamente na proteção contra a infecção nos tecidos. De acordo com Cabral, o artigo leva em consideração basicamente a nossa imunidade adaptativa, ponto importante para pesquisar vacinas e medidas contra a Covid-19, mas não o único.
“Temos que levar em consideração os linfócitos e avaliar a imunidade inata. A maioria das pessoas não desenvolve a doença. Você sabe que as crianças e os jovens são um grupo de menor risco. Por isso, gente precisa olhar para a imunidade inata. A gente não pode imaginar uma vacina contra o vírus só com base nesses anticorpos [do estudo]”, disse Cabral.
Portanto, o caminho científico para afirmar que os seres humanos podem ter uma reinfecção pelo Sars CoV-2 ainda está em aberto. Natália Pasternak, pesquisadora do Instituto de Ciências Biomédicas da USP e presidente do Instituto Questão de Ciência, diz que este estudo com pacientes assintomáticos mostra a necessidade de novos elementos para medição da imunidade após a infecção.
Segundo a cientista, a pesquisa é promissora no sentido de jogar luz sobre a necessidade de pesquisar a ação das células T e também da imunidade inata em pacientes que tiveram a Covid-19. A questão é que esses outros mecanismos do sistema imunológico não são tão fáceis de medir. Por isso, a importância de tecnologias acessíveis para avaliar a proteção contra o vírus após a cura.
“Esses anticorpos são um dos marcadores, que são muito utilizados para medir a resposta. A gente também tem os linfócitos T. Ou seja: não ter os anticorpos não quer dizer que o corpo não tenha como se defender. A questão é que as células T não são fáceis de medir”, disse Pasternak.
Resultados iniciais de uma pesquisa que ainda está em curso mostram que em breve os cientistas podem ter mais uma evidência sobre o assunto. No final de maio, um mês após serem induzidos à infecção, macacos curados ainda estavam protegidos contra o Sars CoV-2. Os cientistas pretendem seguir com o acompanhamento na Universidade Harvard.
Os primatas continuarão protegidos, dois meses depois? Pasternak disse que está ansiosa pelos resultados futuros, que podem trazer mais uma peça para responder à pergunta inicial: é possível ter a Covid-19 mais de uma vez? Por enquanto, a ciência não sabe.
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