O estados da Amazônia podem ter um sério agravante da atual situação de saúde pública a partir das próximas semanas, quando deve começar a temporada do fogo na região. Somadas à alta incidência da Covid-19 e à escassez de leitos de UTI, as queimadas têm o poder de ampliar o cenário de caos já efetivado pela pandemia do novo coronavírus.
A sobreposição dos dois problemas – fumaça e covid-19 – tende a colocar a população da Amazônia em uma situação cruel, onde o sistema público de saúde da região é deficitário, com muitos municípios do interior não tendo sequer um leito de UTI e algumas capitais já vendo os seus sistemas sobrecarregados e em vias de um colapso total.
O alerta para esse risco foi dado pelo Instituto de Pesquisa da Amazônia (Ipam) em nota técnica divulgada nesta segunda-feira (8). O estudo indica que uma área desmatada de pelo menos 4.500 quilômetros quadrados, equivalente a três vezes o tamanho do município de São Paulo ou quatro vezes a cidade de Belém, capital do Pará, está pronta para ser queimada.
“Se continuar o ritmo intenso de desmatamento nos próximos meses, que é quando, geralmente, há aumento porque fica mais seco e mais fácil de entrar na mata com o trator, haverá uma área bem maior pra queimar, que pode chegar a 9 mil quilômetros quadrados”, afirmou Paulo Moutinho, pesquisador sênior do Ipam.
O Ipam identificou áreas desmatadas no ano passado, mas que ainda não foram queimadas. Em 2019, a Amazônia em chamas gerou fortes críticas às políticas ambientais do presidente Jair Bolsonaro. Em reação, o governo enviou em agosto soldados das Forças Armadas para controlar a situação. A ofensiva levou muitos desmatadores a se esconderem e adiarem a etapa do fogo.
“Todo desmatamento é seguido do fogo. É custoso derrubar floresta, pode custar de 800 a 1.200 reais por hectare. Por isso que quem derrubou a mata vai querer garantir o investimento e vai voltar para queimar”, acrescenta o pesquisador.
No Acre, as regiões que merecem atenção estão na porção oriental do estado, principalmente nos municípios ao redor de Rio Branco e ao longo das rodovias BR-364, com destaque para os municípios de Bujari e Sena Madureira, e BR-317, nos municípios de Senador Guiomar, Capixaba e Xapuri.
Um estudo prestes a ser publicado por pesquisadores da Faculdade de Saúde Pública de Harvard, nos Estados Unidos, aponta que mesmo um pequeno aumento da poluição pode elevar a taxa de mortalidade por covid-19. A fumaça atinge em cheio os pulmões já expostos ao novo coronavírus, que provoca uma síndrome respiratória aguda grave, podendo gerar uma tragédia de saúde pública ainda maior do que a que o país já enfrenta.
No Brasil, pesquisas feitas nas últimas décadas traçam a relação direta entre o fogo na Amazônia e internações por problemas respiratórios. Mais recentemente, um levantamento da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) concluiu que viver em uma cidade próxima a focos de calor aumenta em 36% a probabilidade de internação.
“Crianças e idosos são os mais vulneráveis. Até quem está longe do fogo é atingido: a poluição das queimadas da Amazônia viaja por quilômetros e atinge populações isoladas que respiram o ar insalubre”, diz o físico Paulo Artaxo, da Universidade de São Paulo (USP).
Apesar da abertura recente de novos leitos para tratar pacientes com covid-19, a taxa de ocupação segue elevada em alguns estados da Amazônia, entre eles o Acre, onde já se noticiou a total ocupação das Unidades de Tratamento Intensivo (UTI).
Com 85% de sua capacidade ocupada, segundo profissionais do sistema público, o Pará, juntamente com Mato Grosso, Rondônia e Amazonas, faz parte do grupo que concentra 88% da área de floresta derrubada à espera da queima.
Além do cenário identificado pelo levantamento do Ipam, a empresa de serviços de meteorologia Climatempo diz que uma possível seca pode intensificar a temporada do fogo nos próximos meses. Uma nota técnica assinada por cientistas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) apontou um aumento da temperatura acima de toda a média histórica foi identificado no oceano Atlântico, fenômeno que tende a causar secas em regiões próximas ao Acre.
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