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Quanta liberdade você entrega ao guarda?

Por
Valterlucio Campelo

Completa esta semana um ano que, aceitando convite do Jornalista Roberto Vaz, juntei-me ao time de articulistas deste site de notícias, reconhecidamente o mais acessado do Acre. Escrever é sempre um momento para pensar sobre determinado tema e, se tiver êxito, estimular em algumas mentes uma ideia a ser refletida. Com este são 50 textos, a maioria tratando de agricultura, meio ambiente, economia e política. Aproveito a oportunidade para agradecer aos leitores que me honram com sua atenção. É, essencialmente, o exercício da liberdade de expressão, direito fundamental que a ninguém poderá ser negado.


Aliás, é disso que desejo tratar. Da liberdade como direito que juntamente com a vida e a propriedade são, pelo menos a partir de John Locke, no século 17, indissociáveis. A partir de sua obra, ao governo liberal incumbe basicamente, buscar o bem público e punir os violadores dos direitos alheios. O governo protege direitos.


Nos tempos atuais, a pandemia do vírus chinês nos leva a pensar em que medida os governos podem, paradoxalmente, em favor do alegado interesse público, incursionar sobre a sociedade, com foice e martelo legalmente fornecidos pela Corte Suprema, decepando direitos individuais e destruindo princípios.


A propósito, me vem à mente uma conhecida passagem de 1968, quando às vésperas da assinatura do AI-5 pelo Presidente Costa e Silva, o titubeante vice-presidente Pedro Aleixo assinalou “meu medo não é o que farão o Sr. Presidente ou os governadores, mas o que fará o guarda da esquina”. Referia-se Aleixo à inevitável transferência do poder ditatorial ao agente na ponta da linha que, ao cumprir decisão, exerceria o seu próprio arbítrio, o que significaria transformar o guarda em potencial ditador.


Foi literalmente o que aconteceu na cidade de Fortaleza-CE, neste último dia 20/05 (ver aqui). O guarda de trânsito tomou para si a prerrogativa de impedir que uma senhora transitasse na avenida com a bandeira do Brasil fixada na janela do carro, ato que a seu juízo consistiria abuso da lei. Desde que tirasse a bandeira, como aconteceu, a motorista poderia prosseguir viagem tranquilamente. Em outro vídeo, a referida senhora, empresária Sâmia Montenegro, esclareceu que a alternativa oferecida pelo guarda seria a detenção e transferência na viatura policial à delegacia. Com medo (quem não teria?), ela resolveu obedecer a ordem aviltante e recolheu o nosso maior símbolo patriótico. 


Infelizmente, esta é apenas uma entre centenas, senão milhares, de ocorrências em que os agentes cumprem ordens de modo abusivo e truculento. Pessoas foram retiradas de dentro de sua casa, por policiais que julgaram haver naquele local ajuntamento superior ao que eles próprios arbitraram como tolerável. Em praias desertas, obviamente sem possibilidade de contágio, transeuntes são também perseguidos e presos. Mulheres, jovens e idosos, gente que quer apenas caminhar um pouco e respirar ar puro são arrastadas como porcos para dentro de viaturas policiais. Pequenos comerciantes são agredidos, roubados e presos apenas por estarem tentando ganhar o pão do jantar de seus filhos. A lista é infindável.


Somos hoje uma nação encarcerada com medo do guarda da esquina já temido por Pedro Aleixo. A culpa certamente não é do guarda, mas dos tiranetes autorizados pelo STF, que transformou o Brasil em uma bagunça federativa, retirando a governabilidade e a responsabilidade da Presidência, permitindo que em cada Estado ou Município se instalasse um clima de terror cuja intensidade varia à medida do instinto do governante. 


Entre rodízios estúpidos como o da cidade de São Paulo e lockdowns idem, medidas de toda espécie são impostas contra a liberdade do cidadão, sob o pressuposto de que aquele indivíduo é um idiota, sem capacidade de decidir o que é melhor para si e sua família, e que ao Estado cabe decidir em que condições, aonde e como podemos ser nós mesmos e dar consequência aos nossos desejos, necessidades e preferências. Os mais pobres são as maiores vítimas, obrigadas a se amontoarem o dia inteiro nos poucos vãos de seus barracos, disputando o controle remoto da TV, o espaço no único sofá, o lugar à mesa (se houver), a hora do banho, o pedaço de frango. Não por acaso, a violência e os abusos domésticos explodiram. Pelos resultados, não adianta.


Sei, alguém de boa alma deve estar pensando que tudo isso é verdade mas é em nosso benefício. Pois digo, não, não é. Aplaudir a situação atual da gestão da crise pelos governadores e prefeitos é como agradecer ao sujeito que lhe dá uma muleta depois de quebrar-lhe a perna. Ocorre que tem muitas pernas quebradas, muita gente faminta, desempregada, desesperançada, deprimida, em pânico mesmo perante uma propaganda abusiva que as TVs e jornais insistem em reproduzir permanentemente. Uma parte para amedrontá-lo e fazê-lo aceitar docemente mais ignomínias em “seu benefício”, outra parte para criar um clima que permita às forças políticas derrotadas se arregimentarem e derrubarem o presidente da república, o que já está em marcha.


Tudo sem base nos fatos. A pretensa cientificidade que como deusa irrefutável ordena esse comportamento pretendido de isolamento horizontal não existe, é informação precária e facilmente refutável. Em nenhum lugar há estudos científicos provando que o encarceramento e a supressão de seus direitos protege em definitivo o indivíduo da contaminação pelo vírus chinês. O máximo a que chegam é algo advinhatório, na base do “se não fosse o isolamento horizontal, teria sido pior”. Ora, como sabem, se não há rigorosas e controladas experiências SEM isolamento que sirvam de testemunhas? Modelos matemáticos e extrapolações com variáveis manipuláveis oferecem o resultado que o freguês encomendar, já me dizia um velho professor de econometria.


O que há, pelo contrário, são experiências positivas de isolamento parcial e boa gestão, descentralizada, como em Minas Gerais (aqui), onde 90% dos mais de 800 municípios tem economia aberta. Evidências divulgadas pelo Governador de Nova York (aqui) asseguram que 84% dos casos daquele epicentro da pandemia nos EUA, estavam em casa ou em abrigos, não saiam à rua. A própria OMS (aqui), mesmo não renunciando ao isolamento social como medida de proteção, reconhece a necessidade e a dimensão do drama socioeconômico vivido pela humanidade. Ninguém duvida é que o número de mortes pós-pandemia será várias vezes superior aos causados pelo vírus e que o aprisionamento pode ter sido em vão.


Enfim, os que, como eu, tem no altar a liberdade, de um modo geral concluem que a pandemia do vírus chinês já causou um dano à humanidade que sobrepuja a própria doença, um prejuízo que não pode ser medido em cifras ou em mortes. Não há régua que metrifique o sentimento de impotência sofrido por aquela mulher em Fortaleza, ou pelo senhor que teve soldada a porta de sua loja em São Paulo, não há porção de liberdade que possamos oferecer ao Estado sem de alguma forma nos sentirmos humilhados. Pode-se dizer nesses tempos que a humanidade, como essência da natureza humana, foi diminuída. 


Lembremo-nos de agora em diante que, experimentada com êxito essa escalada de arbitrariedades contra nossa liberdade, eles, os tiranetes à esquerda e à direita, não recuarão. Quem faz um cesto faz um cento, diziam os antigos, vale dizer, quem lhe impede de ir e vir e de trabalhar não titubeará em lhe impedir a expressão de pensamentos. Há exemplos, e não são bons.




 


 


Valterlucio Bessa Campelo escreve às sextas-feiras no ac24horas.


 


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