Hoje, excepcionalmente, adotamos outro estilo. Por partes, como diria o açougueiro ou René Descartes, você escolhe.
O ex-Ministro Sérgio Moro fez uma fala necessária e contida. Relatou brevemente como se deu sua entrada no governo e quais as condições que se estabeleceram naquele momento, fez referências ao trabalho desenvolvido e explicou o motivo da saída.
Lembrou que não há causa relacionada ao desempenho que justifique a demissão do Maurício Valeixo (Diretor da PF), mas uma necessidade do presidente de ter uma linha direta com um Diretor que lhe possibilite acompanhar o andamento do trabalho da instituição, o que soa, e é, descabido e susceptível à introdução de componentes políticos nas apurações. Não pode um presidente da república tomar relatórios da ação da Policia Federal. Em síntese, Moro disse, “…se não posso, como foi combinado, nomear segundo meus critérios, o Diretor Geral da Polícia Federal, quebra-se uma condição sine qua non para minha permanência, e estou fora”.
Com isto, Sérgio Moro, que já havia enfrentado outras ameaças semelhantes no ano passado e sofrido várias derrotas na Câmara dos Deputados, deu por encerrado seu ciclo no Governo Bolsonaro e foi cuidar da própria vida, lastreada, como sabemos, em grande apoio popular e imensa gratidão por ter revelado ao Brasil a canalha lulopetista, culminando com a prisão do chefe, o Lula. Somente o futuro dirá da importância da Lavajato e do então Juiz Sérgio Moro naquela quadra da vida brasileira.
Rodeado de todo o Ministério, o Presidente da República tentou o impossível. Sem condições de desqualificar o ex-Ministro Sergio Moro, ou mesmo o Diretor-Geral da PF, se pôs a içar bobagens cotidianas como seu próprio almoço, o uso dos cartões corporativos, Marielle, a pegação do filho no condomínio, ao INMETRO, a sogra e surpresa! lembrou a inesquecível tentativa de assassinato que sofreu durante a campanha.
Ora. Quem, em bom juízo, ainda mais um policial de carreira, não gostaria de passar à história como o homem que descobriu a trama que envolve Adélio Bispo? Quem, no Governo, se esquivaria da possibilidade de provar que a esquerda sanguinolenta (royalties para Dias Gomes), tentou melar as eleições assassinando o provável vencedor? Obviamente, qualquer ilação neste sentido é, no mínimo, burra. Ao ir por essa linha, Bolsonaro foi leviano. Aliás, fica um aviso ao futuro Diretor Geral, ou seja, se não descobrir o mandante tá demitido, não é?
E sua própria defesa o Presidente lembrou que o cargo é dele, que ele demite quem quiser etc. Claro! Isto jamais esteve em discussão. Ocorre que ele mesmo renunciou a esta discricionariedade quando convidou Sérgio Moro e, publicamente, lhe deu carta branca para nomear o Diretor Geral da PF. Daí em diante, movimentos contrários, ainda que constitucionais, são discutíveis.
Há, dizem os entendidos, o texto e o contexto, sendo este último inseparável do primeiro se quisermos conhecer além dos fatos em si mesmos. É como uma árvore caída na floresta (o texto) e a floresta (o contexto). Tentemos um exercício de visualização da floresta.
Eleito contra o sistema e determinado a fazer aquilo que nem Brizola sonhou, Bolsonaro assumiu com o firme propósito de enfrentar a rede Globo e romper com o governo de coalizão sustentado em verbas, cargos e maracutaias como comprovam os governo passados. Deus as costas aos políticos, enfiou o pé no acelerador e, tanto quanto pode, nomeou ministros técnicos com larga margem de autonomia sobre os cargos técnicos. O mundo político-midiático lhe veio abaixo e, durante todo 2019, seus líderes tentaram por todos os meios lhe emparedar, fazendo com que, para se preservar, recorresse sempre à popularidade que desfruta em vários setores da sociedade.
Sérgio Moro e Paulo Guedes eram os dois principais pilares dessa estratégia. O endosso moral e ético de um lado e a teoria econômica liberal de outro. O resto seria trabalho e trabalho, mais cedo ou mais tarde o povo reconheceria, deixando a reboque mídia e parlamentares. Mas isso não se dá sem intensa luta política. Ainda mais quando se tem a má vontade do STF. Veio o vírus e mais desgaste e emparedamento foram exercitados contra o Presidente, ao ponto de transformarem em ancora legal mera recomendação da OMS.
Não é segredo que Bolsonaro estava a cada dia mais isolado no Congresso. Por várias razões, o Presidente esteve desde o início sob ataque da mídia (sistema Globo à frente), do legislativo (Maia e Alcolumbre como líderes), de governadores (Doria puxa o cordão) e do próprio STF que sempre que pode escala algum ministro para defenestrar o Presidente. Uma situação dramática, que pode levar ao impeachment. A não ser que…
A não ser que o governo construa algumas pontes com o centrão de modo a garantir uma base suficiente para inviabilizar o final trágico. Movimentos importantes se deram recentemente. Gente muito “ilibada” como Paulinho da Força, Waldemar Costa Neto, Ciro Nogueira e outros da espécie, foram contatados para que viessem fazer da base do governo no Congresso. A que preço se daria tal adesão, as paredes não confessam mas não é difícil deduzir. Me pergunto, por exemplo, quantos dessa gente toda tem a PF no cangote.
Dado este contexto, não é demais pensar que Moro era um obstáculo ao amancebo com o centrão. Entre os parlamentares, muitos estão a essas horas esfregando as mãos na esperança de que Moro, que não tinha “diálogo cabuloso” com ninguém, era quem impedia o trancamento de ações e inquéritos que hoje pendem sobre a cabeça de gente graúda. Vale dizer, Moro fora, as coisas andam como devem andar.
Creio que remover Sérgio Moro sem causar dano expressivo à imagem do governo é impossível. Boa parte do eleitorado do Bolsonaro é de lavajatistas, termo com o qual nomeio aqueles que saíram do período do “petrolão” com a firme convicção de que após a prisão de dirigentes, empreiteiros e políticos, estavam vivendo um novo momento e viam em Bolsonaro a opção possível. A eleição de Bolsonaro não se deve a bolsonaristas de carteirinha, mas a um conjunto de fatores que nele tiveram expressão e símbolo, nada mais.
Enquanto escrevo este pequeno texto e recebo a ligação de uma amigo engenheiro, que me pergunta ao final me pergunta “e agora?”. Não faço ideia, é cedo ainda para prognósticos. Bolsonaro pode dar marcha à ré e dividir cargos e verbas e, assim, compor uma base mínima e se segurar. Também pode partir pra cima do Moro procurando criar-lhe constrangimentos e, com isto, tirar-lhe crédito, mantendo açulados seus adeptos. Também pode não fazer nada, ou agir mansamente e apostar na inercia para que o assunto morra por si mesmo, afinal, estamos em meio a uma crise sanitária seríssima e não haveria tempo a perder com Moro. Aguardemos.
Quanto ao Moro, se quiser se manter na cena, se abraçar um projeto político, deverá emitir sinais ao povo, defender-se das flechas que virão com o escudo ético e moral que emprestou ao Governo e aguardar os acontecimentos. Os tempos são confusos, a pandemia não sairá da pauta, portanto, aquiete-se e prepare-se, o tempo passa rápido. Lembrando, obviamente que, como demonstrou na Lava Jato, Moro é um enxadrista.
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