Na semana passada prometi voltar a falar sobre o papel do Estado, seja federal, estadual e/ou municipal, para minimizar os efeitos danosos na economia neste momento de guerra contra o coronavírus. Em outras palavras, como agir frente à paralisação da economia provocada pela pandemia que fatalmente vai subtrair muitos empregos, aumentar o subemprego e causar grandes perdas de renda para os governos, para os trabalhadores e para as empresas.
De início, é importante definir a minha posição entre salvar vidas ou salvar a economia. Copio aqui o que disseram os colegas professores de economia da UFMG, onde fiz meu mestrado e meu doutorado, o que faço questão de assinar embaixo. O texto se opõe veementemente à falsa dicotomia entre ações urgentes para conter o avanço da pandemia e o combate de seus efeitos sobre a atividade econômica e afirmam: “Há quem queira que estejamos diante de escolha incontornável, qual seja, ou salvar vidas humanas, ou salvar a economia. É preciso denunciar essa colocação como uma aberração ética e como uma impostura científica”.
Dois grandes economistas paradigmáticos discutiram as oscilações na renda e das crises que afetam periodicamente as economias capitalistas, são eles Marx e Keynes. Marx achava que as crises eram inerentes à lógica de funcionamento do sistema. Como Keynes foi o que se preocupou em apontar as possibilidades de crises e como o Estado poderia intervir na economia para superá-las, então vamos centrar a nossa rápida análise em sua teoria.
O modelo de determinação da renda de Keynes preconiza que não é a capacidade produtiva das empresas que determina o produto efetivo (o nível da atividade econômica), mas sim a demanda agregada (capacidade de compra) por parte dos consumidores. Em outras palavras, a paralisação da economia provocada pela pandemia que fatalmente vai afetar os empregos, vai afetar a demanda por bens e serviços que, por sua vez, vai se refletir no grau de utilização da capacidade produtiva das empresas.
O receituário keynesiano determina que é o Estado quem deve ser acionado neste cenário. Defende que, neste momento, o governo precisa gastar um volume de recursos maior do que as receitas provenientes dos tributos (o orçamento ordinário). É esse excesso de gastos do governo que deve ser o elemento estabilizador da economia, evitando ou minimizando os efeitos das crises. Para que isso ocorra é necessário que o governo disponha de fonte alternativa de recursos, além da política fiscal (mudança nos seus gastos e receitas). Para ele, a alternativa à política fiscal consiste na política monetária (alteração na quantidade de moeda por emissão ou pela venda de títulos), que ele pode utilizar para obter os recursos adicionais. O chamado “orçamento de guerra” recentemente aprovado pelo parlamento brasileiro é o exemplo concreto desse mecanismo. É o orçamento de guerra que vai financiar as ações anunciadas pelo Governo Federal que irão contribuir para a recomposição da demanda agregada da economia brasileira, são elas:
1) O fornecimento de renda básica emergencial de R$ 600 por até três meses;
2) Estabelecimento de programas de manutenção do emprego com suspensão do contrato de trabalho ou redução de jornada;
3) Oferta de crédito para empresas com aval do Tesouro;
4) A recomposição dos repasses dos Fundos de Participação dos Estados e dos Municípios, dentre outras.
Aos governos locais (estado e municípios) cabe a execução de uma rígida política fiscal, característica de momentos de crise profunda, muito deles agindo com a decretação de estado de calamidade púbica, que os permitem o não cumprimento dos limites estabelecidos pela da Lei de Responsabilidade Fiscal. No quadro abaixo procuramos destacar alguns impactos que ocorrerão em suas receitas e despesas em função da crise sanitária.
A queda nas receitas preocupa, conforme dados do Conselho Nacional de Política Fazendária – CONFAZ. O governo estadual apresentou, nos dois primeiros meses do ano, mesmo antes da instalação da crise sanitária, uma queda na arrecadação dos seus tributos e taxas de mais de R$ 6,4 milhões. Especificamente, no ICMS, em que 25% do valor arrecadado são transferidos para os municípios, a perda foi de R$ 7,62 milhões em relação ao ano anterior.
Para destacar a dramaticidade da questão fiscal do estado, simulando uma queda de 40% na arrecadação do ICMS, seja em função de políticas de isenções, ou pelo adiamento do recebimento do imposto, aliada à queda da atividade econômica, o estado deixaria de arrecadar em torno de R$ 500 milhões. Nesse cenário, os municípios deixariam de receber R$ 125 milhões (25%) em função da redução das transferências constitucionais.
Portanto, o Acre e seus municípios vão precisar muito da ajuda do governo central para superar a crise instalada. Recentemente foi anunciada uma Medida Provisória do governo federal que liberou R$ 2,1 bilhões para combate ao coronavírus nos estados. Conforme informações da mídia, ao Acre caberia o valor de R$ 78 milhões. É o início, mas precisaremos de muito mais.
É o momento de discussões a respeito do Estado versus setor privado. Tem que dar espaço, no momento, para medidas efetivas de contenção dos efeitos da crise. Um ajuste gradual de políticas fiscais e monetárias firmes, de cunho keynesiano é muito importante para o Brasil, para o Acre e para os municípios, neste momento. É preciso exaurir a capacidade do Estado em fazer política anticrise, redistribuir renda e proteger os mais vulneráveis. No caso da crise sanitária e da possível recessão econômica, não é possível abdicar de uma política fiscal ativa, especialmente nas condições atuais de desemprego da economia acreana.
Orlando Sabino escreve às quintas-feiras no ac24horas.
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