A Câmara de Vereadores de Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul, discutiu na terça-feira (7) a possibilidade de reabertura do comércio da cidade em meio a pandemia de covid-19.
Para justificar seu ponto de que todos os serviços são essenciais, o vereador Wellington de Oliveira (PSDB) deu o exemplo dos salões de beleza, que deveriam ficar abertos para que as mulheres pudessem usar seus serviços. De outra maneira, “não tem marido nesse mundo que vai aguentar”, disse.
“Salão é importante. Imagina a mulher sem fazer sobrancelha, cabelo, unha, não tem marido nesse mundo que vai aguentar, tem que tratar da autoestima”, disse o vereador. Na sequência, afirmou ainda que igrejas deveriam abrir suas portas e, desta vez, usou a violência doméstica como argumento.
“Porque se a pessoa quisesse matar a mulher e os filhos, ele vai e bate na igreja, está fechada. Daí ele fala: ‘É um aviso de Deus para eu voltar lá e matar’. Então igreja é essencial, tem que criar mecanismos novos para que a igreja funcione”, afirmou durante sessão em plenário.
Em conversa com Universa, Oliveira afirmou que foi mal interpretado. “A intenção era dizer que o marido não aguentaria a mulher reclamando por não ter salão aberto e não pelo fato da mulher estar ou não de sobrancelhas feitas”, explicou.
“No geral, para muitas mulheres é um serviço essencial ir ao salão. É mais que estético, é terapêutico, é um momento de valorização pessoal. Entretanto, diante do mal-entendido, pedi humildemente desculpas a todos que se ofenderam. Não era essa a minha intenção.”
Questionado sobre justificar a abertura das igrejas pois, caso contrário, homens vão agredir mulheres — não levando em consideração que a violência doméstica existe quando o homem se sente no direito de agredir a esposa e a tem como posse, e independe de frequentar igreja ou ter religião —, afirma que a fala foi tirada de contexto.
“O contexto era a forma como estamos enxergando o que é serviço essencial é o que não é. Minha defesa é que tudo em sociedade é serviço essencial”, respondeu.
Após a fala do vereador viralizar nas redes sociais, mulheres de Campo Grande começaram a postar fotos das unhas sem fazer e do cabelo desarrumado, como relata a advogada Rachel Magrini, presidente da unidade sul-mato-grossense da ABMCJ (Associação Brasileira de Mulheres em Carreira Jurídica).
Rachel redigiu, com outras colegas juristas e em nome da associação, uma nota de repúdio às declarações de Oliveira, consideradas machistas e preconceituosas.
“O que aparece nessas falas é a objetificação da mulher. Ela é tratada como se fosse objeto na visão que ele tem, de ter que ficar bonita para o marido se não ele não aguenta”, diz. “Ficamos revoltadas.”
Reitera que, mesmo com com a interpretação que o vereador agora traz, de que o marido não vai aguentar a mulher reclamar do salão fechado, continua sendo machismo e falta de percepção da realidade.
“Em um momento de isolamento no qual falamos sobre aumento de violência doméstica, reclamamos de abuso e agressão, da sobrecarga de trabalho, já que todas as funções da casa recaem sobre as mulheres”, rebate. “É uma barbaridade dizer que mulheres vão reclamar disso para justificar a reabertura do comércio, inclusive contrariando o próprio Ministério da Saúde.”
Rachel também questiona o argumento sobre reabrir as igrejas. “A igreja tem que funcionar porque, se não, será vai justificável o homem não encontrá-la aberta, voltar para casa e agredir a mulher? Ou então: é o pastor que tem que falar que ele não pode bater na esposa? Ele está transferindo uma responsabilidade que não é da igreja para justificar um ponto.”
Em sua defesa, Oliveira afirma ter apresentado mais de dez projetos de lei, desde 2017, para proteção de mulheres em que é autor ou coautor com outros vereadores. “Sou um dos defensores da causa feminina e não tenho e nunca tive intenção de ofender ninguém”, diz.
Rachel afirma que o vereador é, de fato, uma das pessoas mais atuantes na área. “Ele tem mesmo bons projetos na pauta referente a mulher. Aqui no Mato Grosso do Sul só temos duas vereadoras e nenhuma deputada, somente homens deputados. Quando trazemos pautas femininas, temos dificuldade em conversar”, afirma.
“Ainda assim, não há justificativa para os absurdos que ele disse. “Se a gente for aceitando esses comentários misóginos o tempo todo, vai se tornando normal.”
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