“Para que o trabalho pericial no local de crime surta seu principal efeito, que é elucidar o ato delituoso, é fundamental seguir algumas etapas. Uma delas é a preservação do local, que diz respeito a manutenção dos vestígios e elementos de forma inalterada, a partir da saída dos suspeitos até a chegada dos peritos criminais. Outra etapa indispensável desse processo é o isolamento, evitando que qualquer pessoa adentre e permaneça no local ou manipule os vestígios”.
Copiei a introdução e a imagem que ilustra este artigo de uma publicação da minha entidade de classe, lembrando que faz parte do folclore no meio policial que as pessoas costumam perguntar se devem passar por baixo ou por cima daquela faixa amarela que é colocada para isolar um local de crime.
Quem acompanha as séries de CSI na TV pode ter uma noção dos recursos tecnológicos disponíveis atualmente para a Perícia, desde a tradicional busca por impressões digitais até minúsculos fragmentos de DNA, resíduos químicos, marcas latentes de objetos e inscrições etc. A preservação do local é essencial para que essas provas sejam perfeitamente documentadas e que não sejam contaminadas ou consideradas inválidas no correr da investigação.
Uma coisa que aprendi com o tempo é que as provas coletadas num local contam sempre uma história. Elas descrevem a dinâmica dos fatos, falam das personagens, documentam a autoria e a materialidade do crime e excluem os inocentes. Um caso que participei há alguns anos foi bastante interessante nesse aspecto das provas ‘contarem uma história’.
Nas Olimpíadas de 2016 fui atuar no grupo de contramedidas em Manaus, realizando as varreduras e perícias de bombas e explosivos. Preventivamente, vistoriávamos locais e veículos utilizados por autoridades e atletas e atendíamos eventuais ocorrências envolvendo o uso ou ameaças de explosões.
Na véspera da chegada do ministro da Justiça à cidade, o grupo de plantão foi acionado para uma ocorrência no aeroporto. Por volta das onze da noite encontraram uma mochila embaixo da bancada de um dos banheiros do saguão e após revisarem as imagens do sistema de câmeras de monitoramento não foi possível identificar quem a deixou ali.
Como a posição do objeto não possibilitava a utilização do aparelho portátil de raio-x, a solução dada foi removê-lo, com o auxílio de um robô, e aplicar uma contracarga, num local seguro, no intuito de separar os componentes da eventual bomba. Encontraram nada de explosivos nem detonadores ali. Já era madrugada quando a operação acabou com os restos da mochila sendo recolhidos em uma sacola plástica para os exames complementares.
O trabalho da ‘pós explosão’ sobrou para a minha equipe na manhã seguinte: Juntar o quebra-cabeça, descrever os objetos encontrados e responder o que havia de dúvidas sobre o caso. Já era óbvio que a mochila foi esquecida no local, mas porque alguém a colocaria embaixo da bancada da pia? A resposta veio rapidamente: porque a pia devia estar molhada.
Mas o conteúdo da mochila ‘contava uma história’ enorme e de algumas desventuras sobre seu dono. Estavam ali um boletim de ocorrência, contas de cartão de crédito, receitas de medicamentos, seringas, alguns remédios, o documento de um veiculo velho, algumas roupinhas para criança embrulhadas para presente, bilhete de passagem etc que descreviam um senhor de meia idade e poucas posses, com problemas crônicos de saúde, recém separado de um casamento duradouro e agora com uma nova família e filhos pequenos, voltava para casa depois de uma viagem onde descobriu que teve seu cartão usado indevidamente pela ex-mulher. Seu voo para Goiânia havia saído um pouco antes de encontrarem a mochila e as informações coletadas com a companhia aérea indicavam que fez o check-in já um pouco atrasado, o que confirmou que a pressa é mesmo inimiga dos incautos.
Se houvesse uma bomba, poderíamos ter relatado seus componentes, mecanismo de acionamento, obtido digitais e DNA para exame e muitas outras informações úteis. ‘Felizmente’ era só uma história triste.
Roberto Feres escreve às terças-feiras no ac24horas.
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