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Tô me guardando para quando o Carnaval chegar

Por
Roberto Feres

Hoje é terça-feira de Carnaval, Mardi Gras, Terça-feira Gorda que coroa a festa pagã do calendário sacro. No Brasil o Carnaval é uma religião à parte, como o futebol, e cariocas, baianos e pernambucanos saíram em vantagem na disputa de quem faz a melhor festa.


Enquanto, no senso geral, é momento e por as responsabilidades à parte e incorporar, cada um, sua fantasia, a data me remete às músicas. Não tenho uma estatística sobre isso, mas o que seria do repertório nacional sem o Carnaval e sua funesta quarta-feira?


Braguinha, Billy Blanco, Ary Barroso, Mário Lago, Chico, Caetano, Carlinhos Lira, Jamelão, Cartola, Moreira da Silva, Dona Ivone, João Bosco, Armandinho, Ivete, Baby Consuelo. Marchinhas, frevos, sambas-canção, sambas de breque, sambas-enredo, axés e as bandas com os metais tocando o ‘tá-tá-tá tá-tá tá-tá’ e a molecada gritando ‘vá-prá-pu ta-queo pa-rio’.


São Paulo, por muito tempo cultivou a pecha de ‘túmulo do samba’. Nossos Germano-Mathias, Vanzolines e Adonirans não empolgaram os desfiles da Sapucaí ou os trio-elétricos da Barra. E lá estava eu, adolescente de interior, incorporando a turma do esquenta que se reunia no casarão dos Malpaga para o bando sair pelas ruas do Centro na hora que abriam as portas do clube Jundiaiense. Logo que cheguei ao Acre, vi que as coisas não eram muito diferentes por aqui. Esquenta era na frente da prefeitura e depois as festas dividiam os que seguiam para o Rio Branco, o Vasco e o Juventus.


Mamãe morou no Rio para fazer a faculdade e voltou de lá mangueirense. O único argumento que encontrava a favor de trocarmos a TV preto e branco por uma colorida era poder ver em cores o desfile das escolas de samba e sua ‘verde & rosa’, em especial.


Tio Amador, o irmão carioca da vovó, morava no Jardim Botânico (literalmente dentro) e havia um pacto entre ele, a mulher e o casal de filhos de que cada um pulava seu Carnaval em um canto diferente. Já setentão, às vezes ele aparecia sozinho por Jundiaí nessa época. Enquanto minha turma ficava no circuito entre o Jundiaiense e o Grêmio dos Ferroviários, no centro da cidade, o tio ia mesmo era para os clubes da periferia. Tinha o União São João, a Banda e o 28 de Setembro, fundado pela comunidade negra, que eram seus prediletos.


Um ano ele apareceu em casa logo após ter sofrido uma cirurgia de catarata. Não sei como é hoje, mas naquele tempo isso era sinônimo de repouso total. Pular ou fazer movimentos bruscos eram proibidos nas recomendações do pós operatório.


Deu oito da noite e tio Amador já pronto, de banho tomado, cheirando a sabonete Phebo, de sandálias, bermudão e camisa florida. Mamãe surtou: ‘mas tio, o senhor não pode pular…’ e ele respondeu na lata: ‘por isso que vim passar o Carnaval aqui. Lá no Rio a gente pula. Aqui, a gente só se arrasta’. E saiu arrastando as sandálias como aquele personagem ‘seu Boneco’, do Chico Anysio.


Carnaval são só três dias (de cachaça e de folia) e amanhã já são as cinzas e o ano pode começar de verdade. Que entre 2020. Feliz Ano Novo!




 


Roberto Feres escreve às terça-feiras no ac24horas.


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