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Para compreender melhor o agronegócio

Por
Valterlucio Campelo

No município de Capixaba, no último dia 14/02, o empresário Jorge Moura deu partida simbólica na colheita da soja no Acre. Em um evento que contou com a presença de centenas de pessoas, principalmente agricultores, pecuaristas, técnicos, dirigentes e políticos, aí incluindo prefeitos, vereadores, parlamentares estaduais, federais e o próprio Governador Gladson Cameli e seu vice Major Rocha, foi apresentada uma visão global das perspectivas da agropecuária no estado. Apenas aquele agricultor deverá colher cerca de 7.000 toneladas em pouco pais de 2.000 hectares plantados. 


Segundo o organizador do evento, o secretário de produção e agronegócio, Médico Veterinário Edivan Maciel, outros agricultores prometem colher mais de 8.000 toneladas, confirmando assim a viabilidade técnica e econômica da sojicultura no Acre. As perspectivas para o próximo ano são animadoras. Apesar da artilharia contrária vinda dos ambientalistas de plantão, o setor avança paulatinamente e em bases sólidas. Cabe aqui, posto que há muita desinformação e equívocos acerca do agronegócio, algumas explicações. Com algum prejuízo acadêmico (peço desculpas) em função do espaço, farei no modo pergunta e resposta.


O que é o agronegócio? Percebe-se na mídia e nos discursos políticos, uma grande incerteza sobre o real significado do termo agronegócio. É compreensível, pois, mesmo na academia, não há unanimidade conceitual acerca do termo, formulado nos anos 90 como tradução do agribusiness, este criado pelo economista americano John H. Davis nos anos 50, que o definiu como “o conjunto de operações constantes no processamento e distribuição de insumos agropecuários, nas distintas fases de produção no interior da fazenda, no armazenamento, beneficiamento e distribuição dos produtos e seus derivados no mercado”. Vale dizer, o conceito de agronegócio abarca o antes, o durante e o depois do processo produtivo. Esta amplitude e multiplicidade de atores propicia em muitos casos má interpretação. 


É certo que toda classificação há risco de simplificação excessiva, mesmo assim, ouso dizer que o agronegócio se diferencia mais pela integração e subordinação de fases do que propriamente em função de um modo de produzir. Então, desde a decisão de fazer agricultura e escolher a espécie até a venda na gôndola de supermercado, passando pelos setores de insumos, máquinas e implementos, financiamento, industria, comércio, transporte etc., o agronegócio presume um vínculo necessário entre a produção mesma (atividades agrícolas) e outros setores da economia.


A agricultura familiar pode ser considerada agronegócio? Depende. Ocorre que no mais das vezes, inclusive na Lei, ela é definida, com algumas variações, como aquela produzida e dirigida pela unidade familiar. Ora, essa definição simplista tem como base apenas quem produz – a família, o que não encerra seus termos. Ela pode ser familiar, mas integrada, isoladamente ou através de associações ou cooperativas, em um sistema que a insere nas mesmas relações próprias do agronegócio. Exemplos: a produção de frangos e suínos no Sul do país, a produção de leite no Nordeste, a fruticultura no Sudeste. Neste caso tem-se o que vem sendo chamado de agronegócio familiar, diferenciando-a da agricultura familiar de subsistência, tradicional, na qual os agentes funcionam de modo individual, autônomo, não integrado, com o objetivo de produção para consumo próprio e venda eventual de excedentes.


Como dito anteriormente, o agronegócio não é definido unicamente pelo tamanho da propriedade ou escala de produção, tipo de produto, insumos utilizados, mercado, modo de produção, tecnologia, sustentabilidade…, mas por sua inserção no sistema econômico em que todos ou parte desses fatores e outros, organizacionais e financeiros, podem estar presentes.


Existe antagonismo entre agronegócio e agricultura familiar? Esta contraposição foi criada e alimentada por décadas em função de fatores estranhos à atividade em si mesma. Tratou-se de colocar em lados opostos o grande e o pequeno, o latifúndio e o minifúndio, o capital e o trabalho, o mecanizado e o manual, o industrializado e o artesanal, tudo isso como modo de impor uma narrativa que tem mais a ver com ideologia do que com a produção agropecuária. Ministérios e muitas organizações foram criados e operaram com essa perspectiva, subordinando as características agronômicas dos produtos, o desenvolvimento tecnológico, as diferenças locacionais, os mercados de insumos e produtos etc., a uma luta de classes. 


Vivemos hoje, dadas as inovações tecnológicas e as mudanças nas relações de produção e consumo, um momento de aproximação da agricultura familiar dos termos e condições que caracterizam o agronegócio, eliminando boa parte das falsas antinomias anunciadas pela militância revolucionária. Cada uma exerce funções que, por seu dinamismo desde o processo produtivo até a inserção no mercado, podem se modificar. Vale dizer, um produto que hoje é típico do chamado agronegócio pode, em alguns anos, em função do desenvolvimento tecnológico, organizacional ou do próprio mercado, ser perfeitamente adaptado à produção familiar transferindo suas características de integração. O contrário também pode acontecer, ou seja, um produto típico da agricultura familiar, sob condições adequadas, ser abarcado pelo agronegócio.


Qual o papel do Estado no desenvolvimento do agronegócio? Tratando especificamente do Acre, nota-se em alguns fóruns e redações, uma abordagem equivocada. Já ouvi algo do tipo “a produção é privada, não tem a ver com o Estado!”, o que soa como desfavor do governo ou dos órgãos públicos ligados ao setor. Ora, evidente que é privado. Queriam, por acaso, uma estatal Acresoja? Não se trata, neste caso, como ocorreu em outras condições e produtos, de enfiar o Estado no processo produtivo, mas de desinterditar o seu desenvolvimento.


É função do Estado implantar, reformar e melhorar a infraestrutura demandada pela produção agropecuária em todos os níveis e executar políticas de regularização fundiária e de estímulo financeiro. Além disso, assistir tecnicamente e, sem perder de vista o bem comum, remover no campo normativo eventuais impedimentos. Fora disso, arriscaria cair no erro de apropriação pelo poder público de atividades inerentes ao setor privado. Há vários exemplos mal fadados a serem observados.


Além disso e, muito importante, trata-se de mudar o discurso, atentar para o velho ditado “não se pega galinha gritando XÔ”, ou seja, é necessário, como estamos assistindo agora, que os dirigentes estaduais tenham em relação à agropecuária uma postura amistosa, simpática e atraente a quem cogita investir no Acre. A crescente escassez e conseqüente encarecimento das terras agricultáveis no Brasil fazem com que todo pedaço de chão seja precioso, e o Acre, mesmo pressionado por um certo fanatismo ambiental, dispõe de um estoque fundiário fértil capaz de contribuir de modo significativo para a produção de alimentos, mudando a própria feição econômica, ainda hoje moldada pelo atraso.


Por fim, é preciso entender o tempo do agronegócio e sua inserção no planejamento de curto, médio e longo prazo do Estado. Se, como anunciado, há uma definição em torno da agropecuária como geradora de uma economia que ocupe centralidade no nosso desenvolvimento, os esforços neste sentido precisam estar bem hierarquizados e alinhados politicamente de modo a sinalizar eficientemente para o setor privado de onde, ao cabo, virão todas as respostas.




 


 


Valterlucio Bessa Campelo escreve todas as sextas-feiras no ac24horas.


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