Entrou na pauta do debate público acreano o Projeto de Lei 6024/2019, da Deputada Federal Mara Rocha, ostensivamente apoiado pelo Senador Marcio Bittar, que altera os limites da Reserva Extrativista Chico Mendes, localizada nos municípios de Assis Brasil, Brasiléia, Capixaba, Epitaciolândia, Rio Branco e Sena Madureira, no Estado do Acre e modifica a categoria do Parque Nacional da Serra do Divisor, localizado nos municípios de Mâncio Lima e Cruzeiro do Sul. Dado que a questão ambiental é um tema central para o Acre, o PL suscita, logo de início, discussões acaloradas. É legítimo, é do jogo democrático que nossos representantes no parlamento exponham seus argumentos e sejam questionados pela sociedade, de modo que, ao final, prevaleça a proposta mais adequada ao interesse público.
Seguramente, a autora do PL tem consciência de que ao apresentar seus termos, confronta não apenas interesses locais ou regionais, mas um concerto internacional que há bastante tempo procura definir para o Acre um papel preservacionista profundo na Amazônia. Vem tempestade por aí, diria a moça do tempo na TV.
A verdade é que nos últimos 20 anos houve uma rendição total à perspectiva de que poderíamos gerar emprego, oportunidades e riqueza exclusivamente a partir dos chamados bens da floresta. Parecia certo que nossos “patrões”, ou seja, as organizações internacionais e governos líderes do movimento ambientalista, fariam fluir recursos sem fim desde que mantivéssemos intocado o nosso patrimônio natural que na visão globalista pertence à humanidade. Enquanto o país crescia, prestígio e financiamentos não faltaram até que puf!, a bolha se rompeu e a realidade foi cruamente revelada, demonstrando a pobreza, a estagnação e o fracasso daquela perspectiva conhecida entre nós como Florestania.
Mas, creiam, a história começa bem antes. Lembremos que a as maiores unidades de preservação do Acre, a RESEX Chico Mendes com 970 mil hectares e a Reserva Extrativista Alto Juruá com 538 mil hectares foram criadas em 1990 pelo Presidente Sarney, assim como o Parque Nacional da Serra do Divisor, com 837 mil hectares criado em 1989. Somente em 2004, o Governador Jorge Viana criou o Parque Estadual Chandless, com 675 mil hectares, a Floresta Estadual do Mogno com 143 mil hectares e a Floresta Estadual do Gregório com 216 mil hectares.
O bom mocismo ambiental às custas da Amazônia foi inaugurado por José Sarney e reforçado por Collor e FHC, seguindo a sinalização da Conferência do Clima de 1970 em Estocolmo e a cartilha dela decorrente. Desde então, o Brasil se tornou o otário ambiental mundial, aquele que preserva seu território para o bem da humanidade em troca de alguns afagos que, ultimamente, com a falácia do pânico aquecimentista, se tornaram ameaças. Nas palavras dos ambientalistas europeus, principalmente, ou o Brasil preserva a Amazônia intacta ou não brinca no parquinho do comercio internacional. Há entre nós quem aplauda a injúria internacionalizante de nosso território e a quebra de nossa soberania.
No Acre, ao longo do tempo muitas outras unidades de conservação foram sendo criadas, mas apenas as seis citadas anteriormente, se somadas, ocupam 21% do território acreano, área bem maior do que toda aquela desflorestada e utilizada com a exploração de agricultura e pecuária, estimada em 13%. Hoje, são ao todo 22 áreas protegidas e 37 terras indígenas reconhecidas, somando nada menos que 47% de todo o território acreano. Por acaso? Certamente não.
Todo este sequestro de áreas para conservação, independentemente das possibilidades de uso de cada uma, faz parte de uma estratégia que ultrapassa nossos limites e interesses em sua origem e finalidade. A partir de Sarney, foram criadas na Amazônia mais de uma centena de unidades de conservação. Excluindo as áreas indígenas, elas ocupam 64 milhões de hectares, cuja localização, preferencialmente, se dá nas áreas de fronteira, constituindo uma espécie de corredor contínuo, o que somado às áreas indígenas (cerca de 100 milhões de hectares) praticamente selam as áreas de fronteira.
O mapa abaixo é bem claro. Grosso modo, se pode dizer que todas as áreas coloridas estão sujeitas a algum nível de interdição da ação econômica real do brasileiro, ou seja, sobre elas incide regulação impeditiva que vai de uso “sustentável” a uso nenhum. Isto tem uma função defendida por setores à esquerda, que por orfandade do marxismo se apropriaram do tema ambiental vestindo uma capa verde e abraçando o globalismo, cujo progresso só pode se dar pela submissão de países biodiversos como o Brasil aos seus interesses.
Tudo isso significa que o enfrentamento que terão a Deputada Mara Rocha, o Senador Marcio Bittar e outros que apoiarem o PL não será apenas interno, com ongueiros profissionais e ambientalistas de orelhada, ou com políticos locais em busca de protagonismo, mas com um sistema complexo e consolidado que inclui a mídia nacional, think tanks relevantes, instituições e cientistas engajados aos quais não custa emitir opiniões sob o argumento da autoridade, ao estilo Schopenhauer.
Será necessário, portanto, esgrimir argumentos sólidos, justificativas coerentes com os dois objetivos do PL e suficientemente adequadas a uma perspectiva clara de futuro para as áreas em questão e para o Acre. Além disso, creio, é necessário obter explícito apoio governamental. Se, sim, dizer o porquê, se, não, também dizer. Um projeto com este teor, que ao cabo faz um pequeno buraco na muralha ambiental amazônica, regularizando e possibilitando o acesso e a exploração dos recursos existentes em áreas como a RESEX Chico Mendes e o atual PARNA Serra do Divisor, não se dará sem luta feroz na arena política. E levará tempo.
É bom que seja assim. O debate franco, aberto, duro e, por vezes, exacerbado, revela a solidez e o vigor da nossa democracia. O Acre é uma terra de debates, de homens e mulheres ativamente participantes dos processos de mudança do seu itinerário político-administrativo, de gente que não se cala ou, quando cala, é porque aguarda o momento certo para a resposta exata e contundente.
Que os atores envolvidos se manifestem, respeitem a divergência e, pelo rigor técnico da proposta e por seus efeitos benéficos aos interesses dos acreanos e brasileiros em primeiro lugar, tenhamos a melhor saída. Iniciada com a proposta ousada e corajosa da Deputada Mara Rocha e o apoio desassombrado do senador Marcio Bittar, esta é uma luta que vale a pena lutar porque tem a ver com o âmago de nossos problemas.
Valterlucio Bessa Campelo escreve às sextas-feiras no ac24horas.
PS: Por exiguidade de espaço, deixo, por enquanto, de analisar o PL em si prometendo fazê-lo posteriormente em cada um de seus objetivos e consequências. Aproveito para estimular que os leitores dediquem algum esforço à compreensão do tema.
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