Só conseguimos aprender quando as coisas têm sentido. Estamos chamando de sentido a qualquer esquema lógico que nos permita compreender alguma coisa. É necessário, portanto, o sentido para que o entendimento das coisas apareça, o que implica em dizer que o entendimento é produzido, é o resultado da ligação de pequenas partes das coisas, que é um dos trabalhos formidáveis do cérebro. Para que os sentidos sejam produzidos, é preciso que o cérebro manipule as matérias-primas, que são os conteúdos por ele armazenados em suas diferentes unidades, naturalmente as que estejam ligadas com o que se quer produzir. Na prática, o que queremos que o cérebro produza para nós é o esquema lógico para possamos dar sentido a alguma coisa. O sentido é uma forma de aprendizado, que depois pode entrar no rol de matérias-primas ou respostas-padrão a serem manuseadas, recordadas e reconsolidadas para dar contra de outros problemas e desafios. Neste sentido, este ensaio tem como objetivo mostrar uma forma interessante de produzir sentido às coisas.
Ao longo da história, os seres humanos desenvolveram com muita propriedade as noções de espaço e os aspectos das coisas. Isso era essencial não apenas para a sobrevivência, mas principalmente para a própria evolução da espécie. Era necessário, portanto, que os indivíduos e grupos pudessem reconhecer com rapidez onde estavam e onde estavam as coisas por que procuravam ou de que precisavam. Era preciso rapidamente saber que caminho tomar e qual a imagem de uma presa ou predador. Como consequência, temos bastante familiaridade para o reconhecimento visual e espacial, capacidades que podemos e devemos utilizar no processo de produção de sentido às coisas.
Na natureza, as coisas acontecem por um padrão. Mesmo o caos é padronizado. Uma mesa, por exemplo, tem as pernas e a banqueta, que se apoia nas pernas, enquanto uma cadeira tem as pernas, a parte de sentar e o encosto. Se na cadeira não tiver encosto, tem-se um banco, ao invés de cadeira. Um ser humano tem cabeça, tronco e membros. Uma redação tem pelo menos título, introdução, desenvolvimento e conclusão. Os dias da semana são segunda-feira, terça-feira, quarta-feira, quinta-feira, sexta-feira, sábado e domingo. Tudo tem um padrão. Nosso primeiro desafio, quando aprendemos qualquer coisa, é encontrar, descobrir esse padrão. Quando encontramos esse padrão, temos o entendimento, primeiro passo para do processo de aprender, que é chamado de aprendizagem.
O sentido é a ligação interna entre as coisas para que o entendimento, a lógica maior, apareça. A cabeça é ligada ao troco, que também faz a conexão dos membros para formar o corpo dos seres humanos. Cada conexão dos membros com o tronco tem um sentido, tem uma razão de ser, tem um porquê, uma pequena lógica ou pequeno entendimento; a compreensão de todas as conexões, de todos os sentidos, permite o entendimento global do corpo, a grande lógica. Por sua vez, o corpo está em conexão com diversos outros fatos e fenômenos do mundo, como outro corpo, objeto, sons etc. e, portanto, é matéria-prima de novos sentidos e novos entendimentos em um esquema infinito.
Para escrever este texto, primeiro defini o que eu queria mostrar (como dar sentido às coisas) para depois mostrar meus argumentos (tudo tem uma lógica e uma imagem ajuda a visualizar essa lógica). Os cientistas veriam nisso uma função matemática f(sc) = lc + im, onde f(sc) é a função sentido das coisas, lc é a lógica da coisa e im é a imagem da coisa, que é uma forma interessante de visualizar o entendimento (lógica global) e os sentidos, cada parte da função.
Quando fazemos um desenho do que estamos querendo aprender, sem perceber estamos recorrendo àquela superpotência desenvolvida ao longo da história humana, que é ativar nossos recursos espaciais e visuais. E infinitas são as formas de fazer isso. Todo texto que eu produzo, por exemplo, são primeiro definidos em formas esquemáticas, através de um desenho, em que a tese fica em cima e, embaixo, ligados por setas, meus argumentos, muitas vezes com subdivisões em prós e contras. Faço e refaço esse desenho inúmeras vezes, com o auxílio da literatura científica ou consulta a colegas especialistas, até que eu tenha sua versão final. Algumas vezes tenho que alterar partes da versão final para atualizar o entendimento global que eu quero que seja captado. Nesse desenho, cada parte dele tem uma conexão e cada conexão um sentido, uma pequena lógica, que precisa ser compreendida para que o texto seja entendido completamente.
Quando falamos em produzir sentido ou dar sentido às coisas é saber quais são suas partes, como cada parte se relaciona uma com as outras e como essa coleção de relacionamentos explica o comportamento global da coisa. Muitas vezes dizemos “tem sentido” com a intenção de expressar a compreensão relacional de alguma coisa com outra. Essa ligação é o sentido. Como em um quebra-cabeças, cada parte que se liga a outra parte o faz a partir de um sentido, de uma micrológica; o conjunto de peças conectadas e que fazem entender uma parte da figura do quebra-cabeças geram o entendimento, que também é uma forma de sentido, uma vez que esse conjunto vai se ligar a outro conjunto para a configuração da imagem completa, que representa o entendimento.
Quando alguém diz que entende a gravitação universal está dizendo, com isso, que sabe como ela funciona, tem a compreensão das suas lógicas operatrizes internas. Cada lógica operatriz é a conexão de uma parte com outra, cujo acoplamento é que chamamos sentido. É preciso, portanto, que as coisas façam sentido para que tenhamos a compreensão do que está por trás delas. E quanto maior a nossa capacidade de reconhecer (ou produzir) sentidos, maior a nossa potencialidade de entendimento, que é o reconhecimento de padrões nos fatos e fenômenos do mundo.
Daniel Silva é PhD, professor, pesquisador do Instituto Federal do Amazonas (IFAM) e escreve todas às sextas-feiras no ac24horas
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