Reza a lenda que a regra das redações, não me lembro se do Assis Chateaubriand ou do Samuel Wainer, dava total autonomia para os jornalistas. A única exceção era quando ocorresse um acidente aéreo. Aí, além do obituário e das seções diárias de polícia, política e esportiva, durante uma semana o assunto tinha que ser explorado à exaustão.
Depois dos elevadores, a aviação comercial é o modo de transporte mais seguro, segundo as estatísticas. Entretanto, quando acidentes ocorrem, eles produzem cenas de grande repercussão e despertam o interesse geral.
Há controvérsias se o sinistro ocorrido no último sábado, entre o Harpia I e um caminhão contendo tambores de resíduos infectantes pode ser considerado um acidente aéreo ou rodoviário. Afinal não decorreu de alguma pane no equipamento e aconteceu sobre o asfalto de uma rodovia federal.
Sobre a operação de helicópteros e o transporte de cargas perigosas eu sei muito pouco. Especialistas nisso são seus próprios operadores que participaram do evento. Para ambos há regulamentos rígidos e formação específica. Mas também não me são temas tão distantes. Tive algum treinamento em operações de emergência com produtos perigosos e sobre as regras de condução e sinalização rodoviária dessa atividade, e também já atuei no projeto e construção de um heliponto, e era passageiro num pouso forçado, faz uns dez anos, quando uma das turbinas do Esquilo que me trazia de Cruzeiro do Sul pegou fogo próximo a Sena Madureira.
As imagens do acidente de sábado chegaram rapidamente à internet, assim como os comentários e conclusões postadas na rede social. Correu o mundo o vídeo produzido por alguém que pretendia somente guardar uma lembrança do ex-Estrelão em atividade e flagrou o momento exato do estrago.
Veredictos sobraram para o motorista e para os agentes da operação, antes que qualquer perícia fosse realizada. Uma nota foi publicada pela Segurança Pública dando sua versão dos fatos e, principalmente, informando que os envolvidos já estavam medicados e não sofreram danos graves.
Um dos questionamentos que mais vi foi sobre o helicóptero ter baseado num local pavimentado ao invés do gramado da rotatória. Aeronaves da Segurança Pública não estão sujeitas a pontos homologados para pousos e decolagens, mas há cuidados a serem seguidos pela tripulação. No caso dos helicópteros, operam com um balizador a bordo para auxiliar o piloto. A prioridade é escolher um terreno com suporte para que o equipamento não “afunde” e que não tenha resíduos soltos que desloquem com o vento produzido pelas pás girando. Havendo uma área asfaltada não se pousa na terra solta ou sobre grama ou capim.
Disseram também da falta de isolamento do ponto de pouso, que permitiu a passagem do caminhão na área de segurança. A nota publicada informou que o helicóptero estava alí para dar apoio a um bloqueio da via, “em uma barreira policial que reduzia a velocidade de veículos”.
Outros ainda disseram da inabilidade do motorista, que não soube medir a distância do caminhão às hélices, realizando uma curva muito “aberta”.
A fartura de imagens do local permitirá aos peritos reconstituírem o evento, à Aeronáutica (ou à PRF) apurar as responsabilidades e às seguradoras arcarem ou não com o prejuízo, vantagem que essa era dos smartphones nos proporciona.
Vendendo ou não jornais, como era a regra dos Diários ou da Última Hora, o assunto tem validade curta e retornaremos brevemente ao obituário policial e político de rotina.
Roberto Feres escreve às terças-feiras no ac24horas.
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