O governo prepara uma série de medidas para facilitar o pagamento de contas de serviços públicos e tributos por parte de cidadãos e empresas, apurou o Valor. Estão em discussão iniciativas nas esferas do Banco Central (BC), da Receita Federal e da Secretaria do Tesouro Nacional para ampliar o acesso de fintechs, bancos pequenos e empresas de cartões aos serviços de recebimento.
Hoje, os serviços de cobrança e arrecadação estão concentrados nas grandes instituições financeiras. A atividade gerou receita combinada de R$ 8,9 bilhões para Itaú Unibanco, Banco do Brasil (BB), Bradesco, Caixa e Santander entre janeiro e setembro de 2019.
No modelo atual, quando um cliente quer pagar de forma eletrônica uma conta de energia, uma fatura de telefonia ou um tributo, é preciso que os governos ou a empresa prestadora do serviço tenham convênio com seu banco e o remunerem pelo uso do canal. Do contrário, é preciso sacar o dinheiro e ir a uma instituição credenciada para efetuar o pagamento. Como os grandes bancos têm as maiores redes de atendimento, o mercado é dominado por eles.
A proposta, agora, é flexibilizar esse processo para permitir que o pagamento possa ser feito em qualquer instituição, mesmo que não seja a conveniada. O assunto vem sendo discutido entre a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e a Associação Brasileira de Bancos (ABBC) com supervisão do Banco Central (BC). A intenção da autarquia é, neste momento, deixar que o mercado busque uma autorregulação.
O modelo em estudo prevê mudanças na forma pela qual as informações da conta são fornecidas ao consumidor. Em vez de o banco detentor do convênio gerar o código de barras para o pagamento, como acontece hoje, a Câmara Interbancária de Pagamentos (CIP) pode assumir esse papel para todo o mercado. A ideia é que a câmara, já responsável pela liquidação das operações, atue como interface tecnológica única com as concessionárias e órgãos públicos. Assim, será possível pagar uma conta ou tributo em qualquer instituição.
De acordo com fonte que acompanha as conversas, os novos entrantes poderão se conectar à CIP ou se plugar a um banco que já tenha o convênio em questão. Essa segunda opção evitaria que competidores de menor porte tivessem de arcar com o custo de integração com cada concessionária.
A medida deve beneficiar fintechs e bancos digitais, como Nubank, Original e outros, que vêm ampliando sua oferta de serviços com o objetivo de ter uma presença maior nas transações bancárias de seus clientes. A arrecadação também representaria uma nova fonte de receita para esses competidores. “A gente não está aqui para brigar, mas para mostrar que queremos participar e dar opções aos clientes”, afirma uma fonte do setor.
Os grandes bancos estão abertos a rediscutir o modelo, mas querem garantir que sejam remunerados adequadamente, diz um executivo graduado do setor. Os pagamentos geram receita, mas oneram a rede física e implicam custos altos com transporte de numerário, acrescenta.
Os serviços de cobrança e arrecadação representaram 8,3% da receita total de prestação de serviços dos cinco maiores bancos do país entre janeiro e setembro do ano passado. A Caixa é a maior nesse mercado, com receita de R$ 2,7 bilhões proveniente desses convênios no período – reflexo da capilaridade e da proximidade da instituição com o setor público.
O mercado como um todo envolve cerca de 6 mil convênios de empresas, prefeituras, Estados e órgãos federais com instituições financeiras, calcula fonte ligada a um banco digital.
Sem revelar detalhes, a Febraban confirma que há discussões para aperfeiçoamento do sistema de arrecadação, mas ressalta que as mudanças não eliminam a necessidade de firmar convênios. De acordo com os bancos, as medidas fazem parte da modernização do serviço, assim como foi feito com a nova plataforma de cobrança de boletos, lançada há um ano. A ABBC não comentou o assunto, assim como o BC, que por enquanto apenas acompanha as conversas.
Em outra frente, que não tem relação com as discussões entre os bancos, há um projeto na Receita Federal para permitir que tributos federais sejam pagos com cartões. De acordo com um executivo do setor, a solução não deve abranger todo tipo de imposto, mas representa uma facilidade para o contribuinte. Além de ser um meio com uso crescente no país, os cartões de crédito permitem que o pagamento seja feito em dia, mas o desembolso efetivo para o cidadão ocorre apenas no vencimento da fatura. Procurada pelo Valor, a Receita não comentou o assunto.
Algumas concessionárias e órgãos de governo já vêm tomando medidas, por conta própria, para permitir o pagamento de contas em um número maior de instituições. É o caso da paranaense Copel, que, além dos bancos tradicionais, tem convênios com farmácias e supermercados e criou uma carteira virtual para que os clientes possam pagar a fatura de energia usando cartões de crédito e débito.