Apesar dos conhecimentos avançados que se tem hoje sobre o cérebro, e que estão disponíveis para praticamente todos os que têm acesso ao mundo virtual, ainda há quem imagine que o cérebro ama aprender. Como consequência, ainda impera na mente de muita gente a imagem fantasiosa de que o aprendizado é prazeroso e que o deleite que ele proporciona precisa ser desfrutado por todos. A ciência tem demonstrado justamente o contrário: o cérebro é preguiçoso, não gosta de fazer esforços fora do rotineiro. Como consequência, sempre dá preferência para o que lhe agrada e resiste constantemente a novos aprendizados. E o resultado é percebido pelo próprio corpo através de mal estar, dor de cabeça, tonturas, dentre outros. Mas a mente (que não é sinônima de cérebro e nem está fisicamente localizado no corpo material) também sofre. Ansiedades, angústias e toda uma série de desdobramentos dessa natureza aparecem no indivíduo cujo cérebro se recusa a aprender. Este ensaio tem como objetivo apresentar a principal sabotadora da aprendizagem humana, a procrastinação.
Nosso cérebro é preguiçoso. Ele funciona por hábitos. Por essa razão, sua tendência é manter aquilo que lhe é familiar e afastar aquilo que desconhece. Aquilo que ele desconhece o força a gastar energia para a construção de um novo caminho, novas relações entre neurônios que, na maioria das vezes, permanecem inativos. Vejamos um exemplo para que isso seja compreendido.
Imagine que você se mudou para uma cidade pantanosa do interior. Nesta cidade, carros são praticamente impossíveis de serem utilizados porque o solo das estradas que existem ali só aguentam automóveis de pouco peso, como motos e bicicletas. Você decide aprender a andar de bicicleta para poder se transportar de sua casa até o local de seu trabalho. Apesar de sua boa vontade, você leva cerca de um mês de inteira dedicação, oito horas por dia, para conseguir se equilibrar na bicicleta e poder utilizá-la como transporte. Foram duras e intensas horas de aprendizagem, com suores e angústias extremamente fortes todos os dias, que lhe provocaram dores no corpo e na mente. Hoje você acorda, faz sua higiene pessoal e o lanche e simplesmente pega a bicicleta e sai pedalando na maior simplicidade do planeta.
Mas o que aconteceu no seu cérebro? Nas primeiras horas de treinamento do primeiro dia, seu órgão da inteligência simplesmente se recusou a reter as informações e esquemas lógicos do andar de bicicleta. E continuou a se recusar horas e horas, dia a dia. Sua força de vontade, a determinação em aprender foi, pouco a pouco, plantando naquele aparelho pequenas ligações entre as células. A cada repetição, essa ligação se consolidava e começava a acionar a ligação com outras células, em formato de rede. E quanto mais sua força de vontade continuava, mais e mais a resistência do cérebro ia sendo vencida e o novo caminho foi sendo construído, célula a célula, nódulo a nódulo, até que se efetivasse. Quando o caminho foi concluído, o cérebro o tomou como rotineiro, tal qual como antes.
A procrastinação é a reação do cérebro a novas aprendizagens. E isso se dá em quatro etapas, que precisam ser conhecidas. A primeira é a sugestão. Funciona assim: você precisa começar a aprender algo muito importante (e difícil, naturalmente) ou simplesmente fazer alguma tarefa. Mas o cérebro se recusa. Em contrapartida, ele lhe sugere fazer outras coisas, tais como conversar com os amigos, falar no telefone ou ver televisão, algo que lhe dê prazer (prazer ao cérebro, na verdade). Nada de anormal há nisso. Afinal, o cérebro apenas lhe sugere fazer outra coisa ao invés daquilo que você está querendo fazer. O que importa, aqui, é a resposta que você dá a ele. Se você sempre segue as sugestões, isso sim é nocivo. E muito perigoso. É provável que você tenha caído na armadilha da procrastinação. Para isso, é preciso conhecer a segunda etapa.
A rotina é a segunda etapa da procrastinação. Por rotina entenda-se aceitar a sugestão do cérebro e se afastar do seu compromisso ou com o enfrentamento da nova aprendizagem. É aqui que você prefere sempre aquilo que lhe dá mais prazer (prazer ao cérebro) porque o ato o processo de aprender, a aprendizagem, é dolorosa, não é prazerosa. Os gastos em energia são enormes. Um cérebro em repouso consome cerca de 25% de toda a energia gasta com todo o corpo físico, mas se está em processo de aprendizagem, as partes que estão envolvidas neste processo, sozinhas, consomem 20% da energia do corpo, ficando os restantes 5% para as outras partes do cérebro.
Caído na rotina, a terceira etapa se instala: é a recompensa. O cérebro nos recompensa enormemente ao aceitar suas sugestões. O prazer é o que ele nos dá em troca. Aquela sensação formidável de estar com os amigos em um barzinho depois do expediente ao invés de estar na academia suando para reduzir em pelo menos 20 quilos o peso corporal é muito maior. Imagina, agora, comparando essa sensação com a necessidade de se aprender a aplicar cálculos integrais. Não tem comparação… aí o perigo efetivamente se instalou.
A quarta etapa é a convicção. Aqui o indivíduo tem a certeza de que nunca será capaz de realizar a tarefa ou a aprendizagem da maneira que tem que ser feita. Não adianta, ele imagina. De tanto aceitar as sugestões do cérebro, o indivíduo ficou convicto de que é melhor aproveitar a vida do que se colocar problemas difíceis de resolver. É quando a convicção se instala que o processo reverso exigirá muito mais energia e força de vontade. É por isso que cérebros mais jovens são mais propícios a novas aprendizagens do que os mais antigos.
Mas nem tudo está perdido. O conhecimento de cada uma dessa etapas permite saber como lidar com cada uma delas e, naturalmente, o que fazer não para eliminá-las, mas para lidar com elas e superá-las. Nem toda procrastinação é nociva. É preciso refletir sobre a natureza de cada uma delas para que as decisões mais adequadas possam ser tomadas. E isso tem a ver com a motivação para a aprendizagem.
Daniel Silva é PhD, professor, pesquisador do Instituto Federal do Amazonas (IFAM) e escreve todas às sextas-feiras no ac24horas.
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