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Aprendendo coisas complexas

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O termo complexidade gera tremor em muita gente; outras chegam até mesmo a ficar em pânico. É que geralmente suas mentes associam a palavra à ideia de difícil, algo cuja solução estaria para além de suas capacidades de alcance. No entanto, se olharmos detidamente, todo problema complexo, depois que encontramos a solução e dominamos cada uma de suas partes, é, na verdade, um conjunto relativamente grande de pequenos problemas interligados. Pense no desafio que é nadar, andar de bicicleta, aprender um novo idioma. São muitos detalhes cujas lógicas precisamos compreender e aprender a manusear. Quando uma dessas lógicas é compreendida, um impulso a mais a gente tem para aprender a coloca-la em prática. Depois que esse pequeno detalhe foi aprendido (aprender é entender a lógica e saber manipulá-la, aplicá-la), outro pequeno detalhe é colocado como novo desafio. E recomeçamos a batalha para compreender sua lógica e, após, coloca-la em prática. Depois que esses dois detalhes forem aprendidos, tentamos ligar um ao outro. Pode ser que se liguem, mas pode acontecer que não. E partimos para o domínio de outro detalhe, até que todos os detalhes sejam de nossa intimidade. Só então aprendemos. Este ensaio tem como objetivo mostrar como aprendemos coisas complexas.


Pense na coisa mais complicada que você já aprendeu na vida. Agora tente calcular o tempo que você levou para que o aprendizado se efetivasse. Esse tempo foi logo, em relação aos outros aprendizados seus, porque essa coisa aprendida tinha muitos detalhes, muitos aspectos importantes. Cada aspecto se liga a vários outros, formando um todo. É como montar um quebra cabeças de centenas e milhares de peças. Ainda que tenhamos uma ideia da imagem que vai aparecer quando estiver montado, não conseguimos pegar uma peça e encaixá-la de imediata no seu devido lugar, mesmo porque ainda não existe um lugar para ela – esse lugar precisa ainda ser construído. Algo parecido acontece com o nosso cérebro quando enfrenta um problema ou desafio novo. Ele precisa construir uma lógica, ainda que essa lógica já exista e seja do conhecimento de outras pessoas. Para o seu cérebro, é como se esse conhecimento não existisse. E, de fato, não existe.

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O que seu cérebro faz diante de um desafio novo? Ele vai tentar superá-lo a partir do estoque de conhecimentos que ele detém. O cérebro é preguiçoso. Se o desafio lhe incomodar é porque o seu cérebro está procurando entender a lógica global do problema, a macrológica que todo problema tem. É como tentar compreender a imagem final do quebra-cabeças para identificar suas paisagens particulares e, assim, saber onde cada peça se encaixa. Alguns conhecimentos são comuns a todos eles, como é o caso de todo quebra-cabeças ter as peças limítrofes retas, portanto, fáceis de serem identificadas. Mas apenas dizem isso: que são peças laterais. A partir delas dá para dar um passo importante, que é delimitar o contorno da imagem global. E as particulares?


Um quebra-cabeças é uma série de subconjuntos de peças. Tem as peças que formam o rio, outras que formam a ponte sobre o rio, outras mais relativas ao sol, outras mostram os pequenos casarios e assim por diante. Não dá para pegar uma peça e colocar na parte da ponte, outra na parte do rio e assim sucessivamente porque não se sabe onde fica o quê. Apenas temos uma ideia de que as peças da ponte ficam próximas das peças do rio, mas nada mais do que isso. É preciso tentar isolar as peças do rio, que, digamos, são mais marcantes, mais esverdejadas, e tentar montar essa parte; em seguida, pegam-se as peças da ponte que, imaginamos novamente, são muito amarronzadas, e montá-las; e apenas depois é que vamos tentar unir as duas partes montadas. E procedemos assim até o fim.


O incrível nesse procedimento é que, ao longo do caminho, o cérebro, talvez milagrosamente, aprende a lidar com aquela complexidade (algo complexo é algo numeroso, não esqueçamos disso), de maneira que à medida que nos aproximamos da solução do problema as peças vão se encaixando com mais facilidade e velocidade. E depois que foi solucionado, conseguimos ver com profundidade cada detalhe (parte do quebra-cabeça) e suas peças, como cada detalhe se liga aos demais, como surgem detalhes maiores, como reunião dos detalhes menores, e assim por diante. E vemos como é simples a solução, ou seja, como tem uma lógica singela por trás de tudo aquilo. E o que acontece se misturamos novamente a peça e tentamos remonta-lo? O desafio volta. Mas nosso cérebro vai estar mais preparado para superá-lo e provavelmente o fará com mais rapidez, precisão e menos tensão.


Essa analogia deixou de lado o tempo. Dependendo da falta de uniformidade dentre os subconjuntos de peças (se todas as peças forem muito parecidas ou muito diferentes), a solução vai demorar. Aprender demanda tempo. Aprender coisas complexas, mais tempo ainda. Teorema de Pitágoras, por exemplo. Não dá para alguém aprender essa técnica matemática em menos de 20 horas, ainda que seja gênio. Isso decorre do fato de que para se compreender a grande lógica do Teorema, há que se compreender as inúmeras sublógicas que ele apresenta. Logo em seguida, saber manuseá-las, uma a uma, isoladamente. Depois, aprender a lógica relacional entre elas, uma a uma e em rede, além de saber como manuseá-las cadencialmente. Depois de alguns meses, seguindo esse princípio neuronal, teremos o aprendizado que jamais se desfazer. É isso que é aprender.


Os fatos e fenômenos do mundo precisam ser aprendidos para que possamos aumentar o nosso grau de liberdade. E ser livre é justamente agir sob a condução da razão, que é a expressão do desenvolvimento moral, no sentido de fazer o bem, que o indivíduo conseguiu alcançar. Quanto mais sabemos (quer dizer, quanto mais sabemos usar o que imaginamos que sabemos), maior essa capacidade formidável de melhorar o mundo porque nos melhoramos (é um equívoco imaginar que há conhecimento para o mal, como mostraremos mais tarde). E a superioridade moral se dá exclusivamente em relação a nós mesmos, não aos outros, e se mede justamente pela habilidade em lidar com situações complexas, aquelas que exigem inúmeras soluções pequenas para produzir a grande solução. Toda educação tem que caminhar para isso. Se não, a educação continua prisão.


Daniel Nascimento-e-Silva, PhD – Professor e Pesquisador do Instituto Federal do Amazonas (IFAM)


 


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