O povo não faz mais chacota com a saúde de primeiro mundo tão propalada pelo PT, mas não esquece que foi com a bandeira da saúde que Gladson se elegeu governador. Nesta área Gladson fracassou. Já mudou por três vezes o comando da saúde no Acre, mas as filas continuam intermináveis para se conseguir uma consulta, pequenos procedimentos e cirurgias mais complexas. E não faltam reclamações. Diante de tantos problemas, o governador até importou gestor, mas teve que mudar de ideia depois de cinco meses de dores de cabeça que abalaram a sua popularidade.
Com tantos problemas Gladson chegou a apertar os profissionais do setor e diante da negativa reação, re-convocou Alysson Bestene para assumir a saúde para tentar acertar no setor chave do governo. Mas continuou agindo sem pensar e num ato isolado chegou a encaminhar para aprovação dos deputados um projeto com a intenção de terceirizar o setor. Sofreu desgaste e recuou, temporariamente da insensata decisão.
Com tantos desacertos na saúde o governador chegou a questionar os mais próximos: “Aonde foi que ele errou?”
Como em todo o país, a saúde pública é um problema crônico que nenhum gestor, seja ele presidente, governador, prefeito, ministro ou secretário conseguiu equacionar em algo positivo. No Acre, não é diferente. Até 2018, a saúde dos acreanos era gerida pelo médico e governador Sebastião Viana, que mesmo com toda sua expertise na área, deixou a desejar e o cenário do caos ficou instalado.
Com o cenário desfavorável na saúde, o atual mandatário do Acre afirmou diversas vezes durante a campanha das eleições 2018 que “o problema não era falta de dinheiro, mas sim de gestão”. O discurso caiu como uma luva para os eleitores que estavam desacreditados com o governo do PT que comandava o Estado a 20 anos, tanto que Gladson Cameli foi eleito com 223 993 votos contra 141.071 do candidato petista Marcus Alexandre, que defendia o legado e os feitos seu principal cabo eleitoral, Sebastião Viana.
Ao assumir o comando do Estado no dia 1º de janeiro, Gladson voltou a reafirmar todo o discurso de campanha e vendeu a tese do “choque de gestão” para tentar tirar a saúde pública da UTI. Ele escolheu o odontólogo Alysson Bestene, que era ligado ao tio, o deputado estadual José Bestene (Progressistas), do mesmo partido do governador. Nos bastidores chegou a se comentar que a secretaria que movimentava mais recursos seria um presente para a família Bestene com direito “a porta fechada”.
Com o passar dos meses, o cenário que não era um dos melhores passou a ficar pior. Num primeiro momento, Bestene não conseguiu imprimir seu ritmo de trabalho e passou ser criticado e questionado após uma série de denúncias expostas pela imprensa. Como Cameli é um chefe de Estado sem paciência, ansioso e afobado, começou a cobrar Alysson por resultados. Enquanto isso, na Assembleia Legislativa, as vísceras da gestão de Cameli eram expostas por deputados, inclusive membros da base aliada do governo.
Sem apoio político e também travando uma briga familiar com o tio, o deputado José Bestene, Alysson ficou isolado. Mesmo com Cameli tendo ele como um dos mais fiéis e leais, acabou sendo trocado após 5 meses por uma médica que morava em Brasília, mas que já estava no Acre algum tempo fazendo um levantamento a respeito da possibilidade da terceirização da saúde, a pediatra Mônica Feres, que foi anunciada como das maiores conhecedoras do Sistema Único de Saúde (SUS). Enquanto isso, Alysson acabou ficando encostado na Secretaria de Articulação Institucional.
A mudança não ficou apenas na cabeça de comando, mas também nos braços. Com Feres, vieram também dois coronéis da reserva do Exército Brasileiro: um para ser secretário adjunto, Jorge Rezende, e outro para chefiar o departamento de administração da Sesacre, Julio Cezar da Silva. Com isso, a saída de Erisson Calixto, mais conhecido como China, considerado o braço direito do deputado José Bestene na saúde, também foi rifado do cargo de diretor executivo. Além disso, uma série de problemas internos e até mesmo denúncias desgastaram a imagem de China na Sesacre, que por saber demais do que ocorria, acabou sendo deslocado para a secretaria de educação. Até hoje a situação que envolve China é nebulosa no âmbito do governo do Acre, mas o governo dá o silêncio como resposta.
Com parte da cúpula da família Bestene fora da saúde, pessoas insatisfeitas com o “modus operandi” da nova chefe da saúde e patrocinadas por uma ala paralela do governo, começaram sistematicamente a vazar problemas administrativos e técnicos da área. Num desses casos, Mônica foi exposta quando foi divulgado que ela recebia R$ 17 mil líquidos do governo do Distrito Federal como servidora e R$ 18 mil como secretária de Estado, aqui do Acre. Ela recebeu salários do governo do Acre nos meses de junho, julho e agosto, como demonstra o portal da transparência do governo. Apenas no último mês de setembro seu nome não constava no portal. Rapidamente, a cúpula da saúde informou que todo o dinheiro que ela recebia havia sido devolvido aos cofres do Estado e que não existia nenhuma irregularidade.
Mas o ápice para o desgaste de Mônica e seus coronéis a frente da saúde foi quando os servidores resolveram aderir a uma greve liderada sindicato da saúde. Mesmo a frente da pasta, Mônica não conseguiu, como Alysson, impor o seu fluxo de trabalho. A reclamação era geral, da falta de medicamentos, materiais hospitalares e profissionais da saúde. A situação ficou incontrolável quando o principal opositor do governo na área de saúde, o deputado Jenilson Leite (PSB), praticamente saiu no tapa com o secretário-adjunto Jorge Rezende, que segundo testemunhas teria chamado os servidores de “vagabundos”. O coronel sempre negou, mas sindicatos, servidores e deputados ligados a oposição chegaram a fazer uma reunião com o governador para pedir a cabeça de Rezende. Num primeiro momento, Cameli disse não, mas cerca de 30 dias depois, acabou cedendo as pressões e demitiu tanto Mônica quanto os outros coronéis.
Com a saúde sem comando, Gladson se viu obrigado a apelar e convencer Alysson Bestene para assumir o comando da Sesacre.
MUDA TUDO – Neste primeiro ano de gestão, a instabilidade política, administrativa e o emocional do governador Gladson Cameli também causaram mudanças significativas em cargos chaves na saúde, principalmente sob a orientação de Mônica Feres. O primeiro grande nome a ser exposto negativamente foi do então diretor do PS, o médico Welber de Lima, que após muita reclamação de servidores e uma série de denúncias publicadas na imprensa, foi exonerado de chefe do maior hospital do Estado. No lugar dele assumiu o enfermeiro Areski Peniche. A demissão de Welber ocorreu um dia depois de Gladson inaugurar a ala vertical do pronto-socorro de Rio Branco. Mesmo com a inauguração, o hospital sempre apresentou problemas de infraestrutura e administrativos.
Outra grande mudança significativa foi na Fundação Hospitalar. O odontólogo Lúcio Brasil, profissional ligado ao deputado José Bestene, também foi exonerado do cargo, após o parlamentar trocar farpas com Mônica.
De acordo com o que o ac24horas apurou na época, a limpeza nos cargos indicados pelo deputado progressista começou dentro da Sesacre com a devolução de comissionados indicados ao longo dos primeiros cinco meses. Foram sequestradas nomeações de CEC’s 6, 5, 4, 3, 2 e até de CEC 1. Foi uma espécie de caça às bruxas.
O LEGADO DE MÔNICA – Apesar de negar em entrevista coletiva que a intenção do Estado não era terceirizar a saúde, mas sim diminuir os serviços terceirizados, Mônica Feres, em seus poucos mais de 5 meses a frente da pasta, ajudou a elaborar um projeto de cria o Instituto de Saúde do Acre. A justificativa pública para criação do Instituto seria uma forma de salvar os mais de 1 mil servidores do Pró-Saúde que estão ameaçados de demissão. O projeto só foi levado a Aleac após Mônica ser exonerada e Alysson Bestene assumir novamente o comando.
Ocorre que quando Alysson resolveu apresentar o projeto para sindicalistas, o caso tomou grandes proporções. Rapidamente, cópias do projeto se espalharam pelas redes sociais e demonstrava que a criação do Instituto era muito mais complexa do que a primeira proposta de terceirização de saúde apresentada no governo de Sebastião Viana, que inclusive foi derrubada no plenário da Assembleia Legislativa, pela maioria dos deputados. O projeto do governo petista previa apenas a terceirização do Huerb (atual pronto-socorro) e as Upas da Baixada e do Segundo Distrito, mas o Instituto seria muito mais complexo, pois iria gerir todas as unidades de saúde do Estado, incluindo até mesmo o PS, UPAS e hospitais do Interior.
O debate acerca da proposta foi intenso na Aleac no final do ano. Deputados de oposição repudiaram a “pegadinha” do governo. O próprio ac24horas produziu uma reportagem de que no projeto de criação do Instituto, não existia nenhuma linha que falava em “salvar” os servidores. Tanto que o presidente da Aleac, Nicolau Junior, temendo que o projeto não fosse aprovado, convenceu o governador Gladson Cameli a retirar a matéria de pauta, muito embora a questão deva ser outra vez debatida em 2020.
TESTEMUNHA OCULAR DO CAOS – O sentimento da maioria dos acreanos com relação a saúde pública na gestão de Gladson Cameli leva a crer que a situação piorou se comparado com a gestão do ex-governador Sebastião Viana [PT], que também era considerada caótica. Pelo menos esse é o entendimento do médico infectologista Jenilson Leite, deputado estadual pelo PSB, que está em seu segundo mandato e se tornou o principal crítico da saúde pública no parlamento.
Com 41 anos de idade, sendo 10 deles dedicados a atividade médica, sendo formado em Cuba, e 25 a militância política, Jenilson é categórico em taxar a administração de Cameli como desastrosa na área considerada a mais sensível do governo. “Numa pasta tão complexa e com tantos desafios como a da saúde não há espaço para tanta política e tantas tentativas de fazer negócios como o governo Gladson tocou fazer nesta pasta”, alfinetou o ex-comunista que hoje é aliado da prefeita de Rio Branco, Socorro Neri.
Para o deputado, além da saúde ter piorado, “o Governador não teve a grandeza de defender sequer a honra do servidor público quando foram chamados de vagabundos” pelo então secretário adjunto da Sesacre, Jorge Fernando de Rezende, que após três meses no comando da pasta pediu exoneração juntamente com a titular, a médica Mônica Feres.
“O Gladson agiu na saúde como um elefante numa sala de cristal nesse primeiro ano. Fez tudo ao contrário do que prometeu no período eleitoral, explicou Leite, que foi o deputado mais votado da extinta Frente Popular com 8.253 votos e acabou se tornando nesta legislatura um dos principais opositores da gestão progressista.
O parlamentar destaca que Cameli cometeu erros crassos que podem ser divididos em dois grupos: na relação com o servidor da saúde e na política de assistência. “Na relação com os servidores, ele prometeu repor perdas salariais aos servidores. Não honrou. E quando os servidores fizeram greve ele entrou na justiça contra o direito legítimo de grevar. Prometeu salvar da demissão os servidores do Pró-Saúde e não honrou. Mandou para Aleac um projeto de terceirização da saúde do Acre usando como argumento a manutenção dos servidores do Pró-Saúde e não tinha um artigo que assegurasse esses empregos”, garante.
Continuando na linha do relacionamento servidor e governo, o deputado do PSB enfatizou ainda que Gladson prometeu não perseguir, “mas não honrou a promessa, instalando a tese idiota de despetização”. Segundo o deputado, Gladson “expulsou e retaliou servidores efetivos de carreira com alto conhecimento de gestão de setores vitais, só porque os mesmos ajudaram governos anteriores como profissionais de carreira”. Jenilson diz que o atual governo prometeu diálogo com os sindicatos, “mas sem paciência para conversar e negociar e depois definir o melhor caminho, mandou para Aleac pautas bombas contra os servidores, como o projeto do Instituto de Saúde do Acre que afeta profundamente a vida do trabalhador, sem um amplo debate sobre o projeto.
“Ele prometeu democracia na relação. Não honrou. Justiça e polícia foram os principais instrumentos que balizaram a relação entre governo e servidores e não o diálogo. Há outras promessas que ainda estão sendo aguardadas serem cumpridas”, citou.
Sobre os erros na política de assistência, Jenilson criticou o processo de terceirização da saúde que está a todo vapor, que inclusive foi derrubado por ele na legislatura passada, que mesmo fazendo parte da base de apoio de Sebastião Viana, votou contra a terceirização da pronto-socorro de Rio Branco e das Upas do Segundo Distrito e Sobral.
“Na cabeça de um governador vindo da iniciativa privada, a única porta para melhorar a saúde parece ser entregar os nossos hospitais nas mãos de uma terceirizada, desistindo claramente da gestão pública eficiente, de qualidade e mais econômica. Terá desacreditado da capacidade de seus numerosos cargos comissionados de fazer gestão?”, questionou o deputado.
“O governo prometeu melhoria na assistência. Não honrou. A saúde piorou da capital aos municípios isolados. Que saber porque? Vamos aos detalhes com crescimento da fila de cirurgias, com o desmonte do fluxo de cirurgias no Hospital das Clínicas pela ex-secretária Mônica. Todas das filas aumentaram prejudicando quem já há anos espera por uma cirurgia. No interior, a ausência do mutirão de cirurgia torna a vida dos pacientes um dilema”, explicou Jenilson alegando ainda que 2019 foi marcado por falta de medicamentos básicos nas prateleiras das farmácias hospitalares, do trombolítico (remédio para infarto) no Pronto-Socorro de Rio Branco ao soro antiofídico (remédio para picada de cobra) nos municípios isolados.
Outro ponto crucial, no entendimento de Leite, é o fato da falta de comprometimento no tratamento dos pacientes com câncer. “Nos governos anterior os pacientes saiam para fazer radioterapia em Porto Velho, agora saem para fazer radioterapia e quimioterapia porque muitos remédios para câncer não têm mais”, enfatiza o infectologista adicionando ao problema a falta de recursos humanos como técnicos, enfermeiros e médicos em todas as escalas hospitalares, da UTI do pronto socorro de Rio Branco ao hospital de Jordão.
Sobre o Tratamento Fora de Domicílio (TFD), Jenilson ainda reclama da diminuição da capacidade de atendimento, revelando que os pacientes que dependiam dele, estão fazendo a opção por vender seu pouco patrimônio para salvar suas vidas.
Ao conversar com o ac24horas, Jenilson voltou a reiterar que a falta de material médico-hospitalar nunca foi tão evidente. “Este foi o ano que mais se falou dentro dos hospitais da falta de luvas de procedimentos, sondas, fios de suturas, para não falar nos custosos matérias de ortopedia como próteses, parafusos, lâminas etc. Isso foi reclamado em todas as unidades do Estado, o que revela a falta de planejamento básico e eficiência do governo. Contrariando o que Disse Gladson em campanha, “já que dinheiro tem, o que falta é gestão”.
Sobre apontamento de soluções, o deputado foi didático: “As soluções são simples. Basta colocar para rodar esses serviços que estão parados, comprar remédios, contratar recursos humanos, comprar material médico hospitalar, diminuir filas, colocar para funcionar o tratamento para pacientes com câncer e também dar autonomia financeira para os hospitais do interior, além da contratação de alguns serviços de manutenção e apoio. Quem tem que fazer saúde para mudar e melhorar os indicadores é a atenção primária. O Estado tem que resolver o problema de quem já está doente”, argumentou.