Desde os anos 80, quando me envolvi com o planejamento governamental, defendo que os estados da região Norte, principalmente, deveriam estimular a nucleação populacional de seu interior, visando a exploração das riquezas presentes, a formação e atração de capital, a retenção de fluxos migratórios que precocemente expandem os centros urbanos, a dotação de infraestrutura, a oferta de serviços… enfim, seria necessário desconcentrar o desenvolvimento econômico e social da região.
Infelizmente, isto não aconteceu, pelo menos não no ritmo e intensidade necessários. No Acre temos apenas 22 municípios, dos quais 10 foram criados em 1992, o Amapá tem 16, Roraima tem 15. Em toda a região Norte existem apenas 450 municípios, o Centro-oeste tem 440. Embora, somadas, ocupem 64,4% do território brasileiro, as duas regiões tem somente 16% dos municípios e 15% da população. Somos ainda um país do litoral leste.
Recentemente, movida pela necessidade de reorganização do Estado e enxugamento das despesas, veio ao Congresso a PEC 188/2019, do Governo, em cujo Art. 115, caput e seguintes, está prevista a incorporação a outro dos municípios que simultaneamente tenham menos de 5.000 habitantes e não consigam comprovar a própria “sustentabilidade financeira” estabelecida em 10% da sua receita. Os termos da PEC relativos ao tema são os seguintes:
“Art. 115. Os Municípios de até cinco mil habitantes deverão comprovar, até o dia 30 de junho de 2023, sua sustentabilidade financeira.
O governo federal reclama do excesso de municípios. Com razão. É que boa parte da emancipação de núcleos populacionais no Brasil se deu movida por interesses em saldos político-administrativos, ou seja, prefeituras, câmaras de vereadores, secretarias, cargos… enfim, em estabelecer privilégios e poder. Atributos como necessidade, motivação, viabilidade etc., foram dispensados gerando um dispêndio financeiro significativo e desnecessário.
Segundo estimativa de Waldery Rodrigues, secretário especial da Fazenda, mais de 1.000 dos 5.570 municípios se enquadram na categoria incorporáveis. Ele aponta que mais de 1.800 sequer tem recursos para pagar a Câmara Municipal e a estrutura administrativa. Situação corroborada por pesquisa realizada pela FIRJAN, que mede a qualidade da gestão fiscal dos municípios brasileiros e gera o índice firjan de gestão fiscal – IFGF (https://www.firjan.com.br/ifgf/), que aponta 73,9% deles em situação fiscal difícil ou crítica. O cenário, que inclui capitais, é desolador.
Curiosamente, a “subpopulação” de municípios é um fenômeno que predomina nas regiões superpovoadas. Apenas Minas Gerais possui mais de 200 desses municípios, colados uns nos outros, cada um com sua estrutura de prefeito, vice-prefeito, secretários, vereadores, assessores etc. São Paulo tem mais de 150, o R. G. Sul outros 230 e por aí vai. O processo de incorporação previsto na PEC 188 ocorreria a partir de 2026 e seria organizado por meio de lei complementar. A tese parece boa, muitos municípios não tem gente nem renda, logo, não se justificariam.
A relatoria veio às mãos do Senador acreano Marcio Bittar, que certamente não terá moleza para emitir seu parecer. O que não falta é parlamentar oriundo e baseado em prefeituras, vereanças, parentescos e compadrios sediados em vilas com status de municípios. Acossado por seus associados, o presidente da Confederação Nacional dos Municípios iniciou a gritaria contra a PEC, a corporação dos vereadores fará o mesmo, alguns senadores já anunciam emendas e se posicionam contrariamente ao projeto… é a política.
Penso que se manifesta aí o problema de tomar decisões horizontais em um país tão diverso. A régua que mede Minas Gerais ou São Paulo não serve para o Tocantins onde metade dos quase 140 municípios tem menos de 5.000 habitantes. Pros lados de cá, se deveria, contrariamente, estimular a criação de novos municípios. As distancias e a falta de estrutura dificultam muito o gerenciamento da logística de atendimento às necessidades das populações interiores a partir de sedes tão longínquas. Demandas populacionais e ações governamentais entram em descompasso, punindo os primeiros.
Veja-se o caso do Pará. Somente o município de Altamira, possui extraordinários 159.696 km², isto é aproximadamente o tamanho do Acre, equivale a quase 6 vezes o estado de Alagoas que possui 102 municípios. Parece obvio que este território, que possui um distrito (Castelo dos Sonhos) com mais de 15.000 habitantes a mais de 900 km de distância precisa ser nucleado e não esvaziado ou ter interditada sua ocupação.
Creio que nas regiões Norte e Centro-oeste, a criação e a manutenção de municípios ainda se enquadra na lógica da ocupar espaços vazios e, a partir daí, espraiar o desenvolvimento socioeconômico, avivando e gerando riqueza e oportunidades para o interior do Brasil. Sim, isto tem um custo para a sociedade, os pequenos municípios do interior do Norte e Centro-oeste tem baixa autonomia financeira, muitos são deficitários, é preciso transferir renda para aquelas comunidades, mas negar a sua existência seria impor mais uma interdição ao desenvolvimento regional e contribuir para a paralisia econômica da Amazônia.
Uma saída que parece razoável seria diferenciar regionalmente o número mínimo de habitantes e flexibilizar a viabilidade financeira, de modo que os critérios da PEC não atingissem a manutenção e a criação de novos municípios nas regiões Norte e Centro-oeste, pois neste caso eles exercem outro papel além de autonomamente, como ente federado, aproximar os cidadãos da concretização descentralizada dos seus direitos sociais. Já Serra da Saudade (MG) com 781 habitantes e Borá (SP), com 837 habitantes, além de muitos outros, teriam que se ajustar.
Valterlucio Bessa Campelo escreve todas as sextas-feiras no ac24horas
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