O ac24horas teve acesso exclusivo ao depoimento de Gerson Kennedy Costa e Silva, então chefe do setor de almoxarifado na época que Jackson Marinheiro comandava a Emurb. Ele chegou a ser preso e denunciado pelo Ministério Público por peculato, mas após o aperfeiçoamento da investigação acabou se tornando um dos principais delatores do esquema de desvio que pode ter ultrapassado R$ 20 milhões.
2 de dezembro de 2019. Oito horas da manhã. Dia da primeira audiência de instrução e julgamento na 4ª Vara Criminal da Comarca de Rio Branco, envolvendo um dos maiores esquemas de corrupção e desvio de verbas públicas da história do Acre que vieram a tona, praticado na Empresa Municipal de Urbanização (Emurb).
O desenrolar da história iniciou em setembro de 2016, há pouco mais de três anos, quando o então diretor da empresa, Jackson Marinheiro, foi preso durante a 1ª fase da Operação Midas, desencadeada pelo Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado do Ministério Público (Gaeco) e Polícia Civil, a poucos dias da eleição municipal que consagraria o petista Marcus Alexandre Viana, como prefeito reeleito da capital. 24 horas depois, Marinheiro foi solto numa audiência de custódia e desde então sua vida virou um inferno com o desenrolar das investigações e com os desdobramentos de novas fases da Operação. De 2016 até agora, Marinheiro já foi preso pelo menos três vezes.
As investigações revelaram o envolvimento de Marinheiro e seus comparsas em fraudes na execução de serviços, locação de máquinas e equipamentos, entre os anos de 2011 e 2016. Por meio de notas fiscais ‘frias’ e contratos falsos eram feitos pagamentos por serviços não realizados ou por insumos que jamais foram entregues. Inicialmente, a estimativa é que teriam sido desviados R$ 7 milhões, mas após alguns anos de investigação o rombo nos cofres públicos pode ter ultrapassado os R$ 20 milhões.
Na mesma linha de investigação, então surge Gerson Kennedy Costa e Silva, preso em uma das fases da Operação Midas, e também denunciado pelo Ministério Público junto com Marinheiro e outros 18 envolvidos. Com o cerco se fechando, Gerson resolveu fazer uma Delação Premiada com o objetivo de obter benefícios junto a justiça o que acabou o tornando um dos principais delatores do esquema. Segundo o que ele mesmo conta na audiência realizada no início deste mês de dezembro sob a supervisão do juiz Cloves Augusto Alves Cabral Ferreira, era o chefe do Setor de Almoxarifado da Emurb. O delator revelou que iniciou sua relação com a empresa em março de 2011 quando alugou um veículo para prestar serviços. “Na eleição de 2012, como a campanha que teve êxito [vitória de Marcus Alexandre sobre o candidato Tião Bocalom e também com a permanência do diretor-presidente, Jackson Marinheiro, eu fui convidado para ser chefe do setor de almoxarifado em janeiro de 2013. Conhecia o Jackson e o Evaldo da própria Emurb mesmo”, pontuou.
Gerson revelou que a sua missão no cargo era para fazer um levantamento de tudo o que foi feito na gestão anterior e ter controle das coisas entravam. Ele afirmou que tudo o que fazia era repassado a Evaldo da Silva Morais, o braço direito de Marinheiro na Emurb e que também foi denunciado pelo MP por uma série de crimes. “O objetivo de está no cargo era pra eu fazer um levantamento de tudo o que foi feito na gestão anterior e após a data que eu assumi pra eu ter o controle das coisas que entravam e passava para o Evaldo, algumas coisas que entravam lá físico, mas eu atestava. Um exemplo: prego no lugar de cimento, cimento no lugar de prego e madeira no lugar de qualquer tipo de material. Não tinha um padrão de trabalho a ser seguido. Era de uma forma desorganizada só que eu prestava conta tanto ao Evaldo, como para chefe da divisão administrativa. Tudo que era feito era passado para o Evaldo e o diretor-presidente [Marinheiro].
O delator enfatiza que Marinheiro criou um cargo para Evaldo que não existia na estrutura da Emurb justamente para ter controle sobre tudo o que ocorria. “Jackson criou um cargo para Evaldo que não existia na Emurb até então para ser uma peça fundamental para controlar tanto no transporte, quanto no almoxarifado, setor de compras, no abastecimento e também nas medições. Ele acabou concentrando tudo isso e acabou bloqueando o diretor financeiro, pois muita das coisas não passavam por ele”, frisou Gerson Kennedy revelando ainda que quando saia o dinheiro de algum convênio “tipo o do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), saia uma ordem de pagamento para os empresários, mas depois isso era desfeito pelo Jackson no intuito para fazer o pagamento da forma que ele quisesse. Para cada setor o Jackson tinha uma pessoa de confiança. Quem cuidava de tudo era os braços e os olhos do Jackson que era o Franklin Roberto, transporte, locação de veículos era o Evaldo”, completou.
Questionado pelo Ministério Público durante a audiência, Gerson confirmou que existia uma organização criminosa que desviava recursos públicos dentro da Emurb. “Funcionava da seguinte forma: essa organização ela não era muito aberta, era uma organização bem fechada. Essa organização se resumia entre o Jackson, o Beto e o Evaldo e eu por último. A Taiane já era num segundo momento. Para deixar claro sobre o último ser eu, é que a gente só ficava sabendo pouco, a gente não sabia como era montagem do esquema e o intuito do esquema, gente não tinha ciência de como funcionava. O meu setor, o almoxarifado, eu cansei de deixar com o Evaldo bloco de pneu assinado em branco que era justamente para legalizar os processos de pagamento. Então não tinha como eu ter acesso para saber para o que aquela coisa estava sendo usada, a gente deduzia pelo tipo de material que depois a gente atestava. Era uma engrenagem que cada um fazia a sua parte, mesmo fazendo errado. A única coisa que eu sei é da parte de almoxarifado e da parte de política”, explicou.
Gerson destacou ainda aos presentes que era público e notório que ele, Roberto Franklin [Beto] e Evaldo tinham autonomia para falarmos em nome de Marinheiro. “Tínhamos autonomia para designar algum tipo de serviço ou algum servidor, algo do tipo assim”, lembrou a testemunha, revelando ainda como funcionava a rotina administrativa para o pagamento de medições. “Eu vou dar o exemplo da Gotardo, pois no almoxarifado tinha o cimento. Era entregue de uma forma desorganizada. Isso não era tirada a nota no ato da entrega. Quando chegava numa data x e tinha previsão de dinheiro para sair, emitia a nota e eu era chamado pelo Evaldo na divisão administrativa para atestar a nota e fazer a legalização do processo. Eu não tinha conhecimento se isso era pago e também não tinha conhecimento da parte que dizia ter organização criminosa. As informações não eram abertas e eu tinha que fazer, porque se não fizesse outro vinha e fazia no meu lugar”, frisou.
Questionado se alguma vez recebeu dinheiro por fora, Gerson confirmou que recebeu recursos durante a campanha, já que teria sido exonerado. “Eu recebi na campanha porque eu fui exonerado. Eu recebi por fora. E ficava recebendo por fora da Emurb através do Evaldo. Recebi cota de combustível e quando eu precisava viajar para algum canto e precisava de combustível, eu pegava também”, destacou.
MEDIÇÕES FICTÍCIAS NO SETOR DE TRANSPORTE
Ainda em seu depoimento que durou quase uma hora, Gerson relatou o seu conhecimento sobre as medições fictícias que ocorriam no setor de transporte da empresa.”O que tenho ciência a respeito das medições de veículos era de uma forma totalmente desorganizada. Era caminhão Caçamba pago como caminhonete e caminhonete como se fosse caçamba. Era da mesma forma como era no almoxarifado. Não tinha padrão nenhum de trabalho e não tinha nada que comprovasse que aquele veículo estava de fato ali. Vou lhe dar um exemplo, os veículos que trabalhavam comigo na campanha de 2012 era tudo pago com locação de veículo. Se fazia uma medição fictícia. Quem fazia era o chefe de transporte. Vamos dizer que o empresário fulano de tal tinha 10 caçambas, só 5 trabalhavam. Fazíamos o pagamento, mas não tinha nenhuma contraprestação”, explicou.
ESQUEMA NO SETOR DE RAMAIS
Sobre o setor de ramais, que era coordenado por Osias Bezerra da Silva, também denunciado pelo Ministério Público, Gerson revelou que este setor não apresentava nenhum tipo de prestação de contas para Marinheiro. “Ele funcionava de uma forma tipo uma vida própria. Quem foi para lá foi o Osias e ele tinha aval total do então prefeito Marcus Alexandre. Ele que escolhia os veículos que iam trabalhar com ele, as caçambas que iam trabalhar com ele, as pessoas que iam trabalhar com ele. Consumo de combustível não tinha uma prestação de contas. Pegava a quantidade de combustível que quisesse. Eu mesmo quando sai do almoxarifado e o Jackson me deu a oportunidade de fiscalizar algumas coisas de trecho, flagrei máquinas da Emurb trabalhando em fazendas e também não tinha organização nenhuma. Eram serviços particulares sem ser serviço público. E também acontecia muitos nos ramais o que falei a pouco: caminhonete pago como caçamba, e caçamba pago como se fosse caminhonete. Não tinha nenhum tipo de padrão. Inclusive as máquinas trabalhavam na fazenda do próprio Osias. Tinha máquinas, cano da Emurb, manilha da Emurb, combustível da Emurb. Isso não era segredo para ninguém. Isso na empresa, todo mundo sabia. O setor de ramais veio de outra secretaria, a Semsur. O Osias já trabalhava no setor de Ramais desde a Semsur e por conta disso foi para a Emurb. Esse acordo para Osias controlar tudo vinha lá de cima da gestão municipal, do prefeito [Marcus Alexandre], mas todos os pagamentos eram feitos pelo Jackson. Tinha que assinar, né?”, explicou.
“A EMURB É UM CÂNCER”
Um dos pontos mais complexos do depoimento de Gerson Kennedy é a corrupção generalizada que segundo ele ocorre até hoje na Emurb. “A Emurb é um câncer. Ela só cresce, a corrupção todo dia. Desvia do apontador ao diretor. Desvia cano, todo dia some alguma coisa, teve um dia que chegou a sumir compactador, se o senhor for na casa de cada encarregado, a piscina é maior do que aquela olímpica do CEAN. Combustível na Emurb todos os funcionários tinham acesso. Hoje não porque o Ministério Público tá em cima, mas antes quem chegasse e pedisse era só chegar e pedir. Então o Jackson chegou ao ponto de ter tantas denúncias que ele pediu para mim e para o Thiago pra gente rodar trecho e foi quando eu sai do almoxarifado. Fui rodar e a gente começou a detectar as coisas. Caçamba desviando combustível, cimento de calçada que não era feita, cano que sumiu. Ai a gente se reunia no final do dia e passava a situação ou para o Beto, ou para o Jackson e ai eles tomavam as atitudes que deviam ser tomadas. Ou seja, existia um esquema de desvio do Jackson e existia o desvio dos colaboradores que era identificado e tomada as providências”, revelou ao ser questionado.
A DEMANDA EXTRA
Gerson Kennedy revelou aos presentes na audiência o que significa “Demanda Extra” no esquema da Emurb. “Era todo tipo de demanda que vinha tanto do Jackson como do prefeito [Marcus Alexandre] e do Evaldo. Um exemplo, deu uma chuva forte lá no final da sobral na rua fulano de tal, o prefeito foi lá. A chuva levou o banheiro da dona Maria. Prefeito ligava, as vezes chegavam a ligar até pra mim mesmo ou então ele passava a missão para o Jackson e o Jackson passava: “ó, libera tantas sacas de cimento, uma demanda extra do canto fulano de tal. Ai tinha que ser entregue. A quantidade de brita a mesma coisa. Tudo que não tinha uma finalidade pública era chamada de demanda extra, tudo que não tinha legalidade para pagar”, destacou.
DINHEIRO EM ESPÉCIE E POLÍTICA BENEFICIADA
O delator ainda explicou como o dinheiro sujo aparecia. “Os empresários eram pagos e o dinheiro era entregue em espécie. Geralmente era para o Evaldo. Tudo o que era de dinheiro era com o Evaldo. Dificilmente era com o Jackson. Com o Jackson era só quando era o João “cabeça de alho” que ele tinha confiança. Eu nunca levei dinheiro para o Jackson”, enfatizou.
Gerson pontuou ainda quem seriam os principais beneficiários dos desvios. “A parte política se beneficiou muito. Ai vem o diretor-presidente, o Evaldo se beneficiou muito, até onde eu sei o Jorge Ney e o Zé Carlos não se beneficiava. Eu só sei da parte política, pois eles atestavam documentos para parte política, dinheiro que ia para a parte eleitoral. Mas dinheiro para o bolso deles, isso ai eu não tinha ciência não”, explicou.
Ainda na audiência a testemunha afirmou que os maiores desvios ocorriam em época eleitoral. “A maior saída de desvios era na época eleitoral. E quando não era época eleitoral, ela atendia as demandas extras e os interesses particulares. Tanto do Jackson quando do Evaldo. Isso ai eu falo porque eu assistia, mas os outros dois diretores eu não tenho conhecimento”.
O DINHEIRO QUE SAIA DA EMURB PARA CAMPANHA
“Não só tenho notícias como eu também peguei dinheiro de empresário. Não tinha como fazer o levantamento das fraudes em que esses pagamentos eram feitos. Vou lhe explicar. Devido a eu não ter acesso aos contratos de locação, não tinha como eu apontar que aquele dinheiro saiu do contrato tal do empresário fulano de tal. Não tinha como eu ter isso. Pode sair da locação da caçamba, mas também podia ter saído do fornecimento de cimento. Até porque na época eu não tava nem no almoxarifado e nem na assessoria. Eu tava fora da Emurb. Só sei que o dinheiro que saia para campanha todo ele foi dinheiro público da Emurb”, revelou Gerson.