O aprender é um fenômeno cujo significado e compreensão tem se modificado enormemente nas últimas décadas. Essas mudanças produziram profundas e irrevogáveis alterações no processo de aprendizagem. A lógica que parece ter estruturado as mudanças na relação tríplice aprendizado-aprender-aprendizagem foi a seguinte: novos aprendizados foram e são requeridos constantemente na contemporaneidade que, devido às suas fluidezes e efemeridades, requerem novas formas de aprendizagem para apreendê-los e descontinuá-los, de maneira que o aprender de antes é apenas uma parte do aprender de hoje. Antigamente, aquele que aprendia era quem fosse capaz de rememorar, através de algum meio (testes, provas ou por via oral), o que lhe foi dito ou ensinado, não importando se essa lembrança fosse, logo depois da rememoração, apagada para sempre. Hoje, isso ainda continua a ser aprender, mas é apenas um tipo cada vez mais deixado de lado. Assim, este ensaio tem como objetivo explicar o que significa aprender na contemporaneidade.
Aprender significa compreender a lógica de funcionamento de alguma coisa e, devido a essa compreensão, saber lidar com ela. Em termos analógicos, aprender estaria próximo do que chamamos “desvendar o segredo” mais lidar com a coisa cujo segredo foi desvendado. Essa é, aproximadamente, a concepção que se tem hoje do verbo aprender. Note que é bastante diferente do que poderíamos verificar no cotidiano das instituições educacionais há poucas décadas. No passado próximo, aprender era o ato de obter informações, que se dava, basicamente, na memorização de alguma coisa ou, indo mais além, da compreensão da lógica dessa coisa. Isso precisa ser aclarado.
Imagine uma aula de matemática. No passado próximo, aprender era apenas compreender que equação de primeiro grau significava uma reação de A ante uma ação de B, por exemplo. O professor poderia fornecer diversos exemplos, durante a aula, que confirmariam a compreensão desse esquema relacional. Alguns alunos, passado o horário da aula, deixavam de lado aquele esquema lógico e se dedicavam a outros assuntos, enquanto outros testavam por si mesmos aquela relação, para ver tanto se sabiam reproduzir os resultados gerados em sala quanto para ver se a lógica funcionava em diferentes contextos. Passados alguns dias, aqueles alunos que testaram o esquema lógico diversas vezes e em diferentes contextos conseguiam tanto se lembrar dele quanto poderiam demonstrá-lo a qualquer tempo, diferentemente dos outros, que, no máximo, tinham parcas lembranças.
Sintetizando o exemplo: os alunos que testaram o conteúdo da aula obtiveram o entendimento do assunto porque conheceram o segredo da equação de primeiro grau e se certificaram de que ele realmente funciona; os demais alunos apenas ficaram com a informação, não obtiveram o entendimento, tanto que não conseguem explicar como a equação de primeiro grau funciona. Para que os primeiros passem do compreender para o aprender é necessário que saibam manusear o entendimento, é preciso que saibam quando e onde aplica-lo. Um desses alunos poderia chegar em casa e demonstrar que o descontrole financeiro (fenômeno A ou lado esquerdo da equação) é consequência do ato de gastar em supérfluos (B) e ter poucas receitas (C). Outro poderia comprovar que as doenças de pele da família (fenômeno A ou lado esquerdo da equação) seriam a manifestação de fungos (fenômeno B) que infestam as camas onde dormem.
Aprender é, portanto, a manifestação de dois fenômenos: entendimento e habilidade no seu manuseio. O conjunto de entendimento de alguém poderia ser chamado de conhecimentos por ele detido, enquanto a habilidade é o que essa pessoa é capaz de fazer com aquilo que sabe. Isso tem repercussão revolucionária na prática docente e, principalmente, no compromisso que as pessoas precisam ter para consigo mesmas. O que quer dizer que as práticas de ensino precisam ser quase todas refeitas, replanejadas, recontextualizadas, reinventadas.
Um estudante japonês me disse, certa vez, que estudara durante três meses, todas as semanas, mais ou menos 10 horas por semana, teorema de Pitágoras. A quantidade de aulas que tiveram em sala durou menos de uma semana, enquanto bom número delas foi realizada nos jardins da escola, durante algumas semanas. O trabalho em sala era para a obtenção do entendimento, compreender a lógica da coisa, descobrir seus segredos. O trabalho do professor era esquemático ali. Nos jardins, a finalidade era que os alunos visualizassem a coisa, sua lógica, seus segredos. Depois que todos conseguiram ver o teorema de Pitágoras, os alunos voltaram para a sala de aula, para saber lidar com ele. E fizeram isso durante duas semanas, todos os dias, algumas horinhas a cada dia. Quando todos aprenderam a manusear os cálculos, voltaram para os jardins da escola e depois para as ruas da cidade. “Quanto mede aquele prédio?”, perguntava o professor? E os alunos inventavam diferentes formas de chegar à mesma resposta. Esse estudante tinha 52 anos quando me falou isso. Não tinha terminado o ensino médio, mas me listou e demonstrou que tinha aprendido todas as lições de matemática e de praticamente todas as disciplinas que cursou.
Aprender exige tempo. E como o tempo é curto e não dá para esticar, não resta outra opção: há que se mexer na quantidade de assuntos das disciplinas. A razão é simples: é preferível saber com profundidade e de uma vez por todas a aplicar teorema de Pitágoras do que apenas lembrar superficialmente dezenas de outros assuntos. A ignorância do funcionamento do cérebro por parte de nossos docentes faz com que eles, em curto espaço de tempo, queiram alojar naquele órgão uma quantidade extremamente exagerada do que ele é capaz de suportar. Sem saber que a armazenagem cerebral têm exigências que precisam ser cumpridas para que aconteça, nossos professores parecem fazem tudo o que é exatamente necessário para que ninguém aprenda nada. No máximo, alguns têm entendimento. A maioria, infelizmente, não aprende. E abandona a escola.
Daniel Silva é PhD. professor, pesquisador do Instituto Federal do Amazonas (IFAM) e escreve todas às sextas-feiras no ac24horas.
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