A edificação de um novo modelo de educação, em conformidade com a realidade e os desafios da contemporaneidade, tem produzido mudanças no processo formativo dos profissionais da educação. Algumas vezes de forma incremental e outras de forma revolucionária, o modelo tradicional de encontrar explicações sobre o ato de aprender fora e distante dos espaços de aprendizagem e das organizações educacionais tem dado lugar para o esforço compreensivo sobre o cérebro, o acesso ao cérebro, criação e testes de acesso ao cérebro (conhecidas como tecnologias e técnicas educacionais ou pedagógicas) e a conjunção desses esforços, que conformam novas disciplinas, como felicidade, solidariedade, cidadania etc. Isso tem tornado o professor tão conhecedor do cérebro quanto os pesquisadores dessa área, de maneira que possam, com adequação, saber como proceder no cotidiano educativo. Se é o cérebro o órgão que realiza a maior parte da aprendizagem, desconhecê-lo não é apenas aviltante, mas uma autossabotagem inconsciente. Dessa forma, este ensaio tem como objetivo mostrar a dinâmica da aprendizagem no cérebro.
O processo de aprendizagem pode ser assim esquematizado. Tudo tem origem na emoção, que é a energia que move os seres em direção a alguma coisa. Essa energia pode ser despertada por um fenômeno físico como o som (quando se ouve um buzinar, alguém pode querer direcionar o olhar para ver de onde o carro vem), emocional (aprender uma forma de prejudicar ou ajudar alguém), psicológico (encontrar uma forma de acabar com alguma dor), cognitivo (saber por que a água molha) e assim por diante. A emoção ativa e alimenta o circuito da aprendizagem.
A etapa seguinte é a construção do entendimento. Entender está sendo considerado, aqui, à construção de determinado esquema lógico que permita ao indivíduo compreender a lógica que faz com que algo funcione de determinada maneira. Como consequência, por exemplo, é o entendimento que permite a alguém explicar. Sem entendimento, portanto, não pode haver explicação, uma vez que explicar é justamente a reconstrução da operacionalização, da logicidade, de algum fato ou fenômeno.
A cada etapa, é importante observar, o cérebro capta dados e informações que deem sentido ao que está sendo entendido. Esses insumos são levados para a memória temporária, situada no hipocampo, local onde são organizados, manufaturados, “manuseados”, enfim, trabalhados. Problemas complexos, por exemplo, exigem que o entendimento seja construído durante várias sessões, várias etapas, até que se complete. Em termos funcionais, o cérebro aprende cada etapa e depois deposita o que entendeu em uma de suas bases de longo prazo (cérebro ou córtex, por exemplo). A cada nova etapa, o entendimento volta ao hipocampo para ser manuseado e aperfeiçoado, até que a aprendizagem se complete.
A terceira etapa, consequentemente, é o armazenamento do aprendizado (que é o produto da aprendizagem) nas memórias de longo prazo. O cerebelo, por exemplo, armazena, dentre outros aprendizados, quase tudo o que diz respeito aos movimentos, como escrever, nadar, caminhar e assim por diante, enquanto o córtex armazena sons, esquemas lógicos, linguagem etc. Na verdade, o verbo armazenar não é apropriado, uma vez que o aprendizado não fica estocado, guardado em gavetas. O que acontece é que, devido à neuroplasticidade, o cérebro guarda tudo em regiões difusas, muitas vezes envolve milhares e milhões de células em uma ou inúmeras complexas redes neuronais.
Para que o transporte e armazenamento seja realizado, o indivíduo precisa dormir. O sono é de fundamental importância, portanto, no processo de aprendizagem porque é ele quem permite o deslocamento do que foi armazenado temporariamente no hipocampo para as memórias de longo prazo. Sem dormir, consequentemente, não há aprendizado. Além do transporte, o sono permite que seja feita a limpeza do ambiente cerebral, em que as toxinas geradas como subproduto do processo de aprendizagem sejam eliminadas. Quando não se dorme, as toxinas impedem não apenas a aprendizagem, mas também começam o processo degenerativo e morte das próprias celulares cerebrais.
Os aprendizados mais sólidos são aqueles que foram muitas e muitas vezes reconstruídos. Tome-se como exemplo o aprendizado de resolução de equação de primeiro grau. Inúmeras vezes o esquema lógico foi trabalhado e depositado. A cada vez que parte do esquema lógico foi edificado, passou por exercícios de fixação, que é um artifício do cérebro semelhante a fazer sulcos na terra. Quanto mais exercícios, mais profundo o sulco, mais edificado ficará o aprendizado no cérebro. Andar de bicicleta e nadar são aprendizados desse naipe: é preciso muito entendimento (ainda que inconsciente) e repetição para que se consolidem. É por isso que bastam poucos minutos de estudo de esquemas lógicos e mais tempo investido na sua aplicação para que o aprendizado se efetive e se consolide. Evidentemente que, logo em seguida à realização da aplicação, deve-se dormir, ou seja, não podemos “estudar”, que é entender e exercitar, sem que se durma em seguida. Estudar sem dormir é perder o aprendizado, que será consumido pelas toxinas cerebrais.
Depois de alocada em seus locais definitivos, os aprendizados podem ser acionados, voltando ao espaço cerebral de manuseio, o hipocampo, para novos aperfeiçoamentos ou usos conscientes. No entanto, aprendizados como andar de bicicleta e nadar são acionados inconscientemente, direto das memórias de longo prazo. Nessa dinâmica de aperfeiçoamento e uso contínuos do aprendizado, todas as vezes a emoção entra em cena. Ela precisa estar forte o suficiente para que cada etapa se processe adequadamente. Quando a energia é menor do que o necessário, entra em cena o lado emotivo do cérebro, que tende sempre para o prazer, o que muitas vezes sacrifica o objetivo pretendido por quem quer aprender. Se a aula for chata (não acionar a emoção do aluno), o cérebro tenderá a ter mais prazer na conversa paralela do que na fala do professor.
Daniel Silva é PhD, professor e pesquisador do Instituto Federal do Amazonas (IFAM) e escreve todas às sextas-feiras no ac24horas.
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