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Exercícios físicos e aprendizagem

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Recentemente uma grande e acalorada discussão tomou conta do campo educacional acerca da decisão governamental de dividir os componentes curriculares da educação de nível médio em obrigatórios e complementares. Obrigatórios seriam os focos da aprendizagem, considerados essenciais, como português, matemática, física e química, enquanto a maior parte dos componentes tradicionais, como filosofia, artes e educação física, passariam a ser complementares, não obrigatórios. Evidentemente que os especialistas de governo deveriam saber que os exercícios físicos cumprem um papel extremamente importante, mas não necessariamente para a modelagem do corpo físico do estudante, mas essencialmente para a geração da criatividade, em primeiro lugar, e para a renovação neuronal, em segundo plano, mas jamais menos importante do que o primeiro. Muito provavelmente os que contestaram a catalogação como complementar deste componente desconheciam completamente, essas duas funções, a partir dos contra-argumentos apresentados. Neste sentido, este ensaio tem como objetivo mostrar as duas formas que os exercícios físicos podem impactar na aprendizagem humana.


Imagine-se na seguinte cena. Você está no limite do prazo para apresentar uma solução para determinado problema. Sua concentração está no problema, suas causas, as consequências que sua continuidade pode gerar e assim por diante. Você parece não perceber, mas alguma lhe faz levantar, como se ficar de pé ajudasse seu corpo a se engatar no esquema da solução que você tanto procura ou quando parece que a lógica procurada está quase chegando ao seu cérebro. Mas ela lhe escapa no exato instante em que você parecia te-la capturada.


Você não desiste. Sem perceber, não se senta. Continua em pé, reflexivo, tentando remontar o esquema lógico ou a solução que lhe escapou ainda há pouco. Maquinalmente, seu corpo se move para distante da sua cadeira, como se quisesse lhe impedir de sentar, e você começa a circular sua mesa de trabalho ou o pequeno corredor entre as mesas de sua sala. Você anda um pouquinho, lentamente, e para toda vez que parece que a lógica procurada ou a própria solução se lhe vai apresentar. Até que, em determinado momento, ela se apresenta inteira. E você abre um sorriso de contentamento, enquanto corre para fazer os devidos registros da solução que acabou de acontecer.

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Quando falamos em exercícios físicos e aprendizagem estamos nos referindo à necessidade que o corpo físico tem de se movimentar para que a solução para determinados problemas surja. Grandes escritores dizem constantemente que suas grandes ideias aparecem depois de uma caminhada, por exemplo, assim como grandes cientistas elaboraram seus grandes esquemas revolucionários enquanto caminhavam ou faziam algum tipo de exercício físico. A razão disso é que os exercícios físicos melhoram os recursos da aprendizagem. A ciência mostra que as pessoas e animais melhoram em muito o seu desempenho logo após se exercitarem. Isso quer dizer que a educação física tem um papel central na aprendizagem. Mas não da forma como ela é costumeiramente praticada no ambiente escolar.


Em termos de ciências neurológicas, os exercícios físicos deveriam vir depois que alguma seção de desafios de aprendizagem tenha sido feita aos alunos, por exemplo. De forma semelhante, todas as vezes que os executivos ou qualquer profissional não esteja conseguindo encontrar a solução para os problemas que se lhes colocaram, deveriam parar e submeterem-se a exercícios físicos. Simples assim. Só é necessário que os exercícios físicos não sejam prologados e intensivos, porque provocam fadiga mental. Então é preciso casar o exercício físico com os esquemas de aprendizagem e de resolução de problemas, para que surtam aprendizagens significativas, muitas vezes chamadas criatividades.


O segundo aspecto está relacionado com a existência dos próprios neurônios. Por muitas e muitas décadas se imaginou que os seres humanos já nasciam com todos os neurônios formados, o que significava que a quantidade de neurônios no ato do nascimento seria o máximo que se poderia ter. Dali em diante, novamente pregava nosso antigo conhecimento, haveria a morte dessas células cerebrais, tanto devido ao tempo de vida quanto como consequência dos desregramentos de vida, como o alcoolismo e uso de drogas. Resumindo, as células cerebrais não se renovariam. Isso mudou completamente no passado recente.


A ciência tem mostrado que os neurônios se renovam constantemente. E a forma mais consistente para isso é através de atividades físicas. Os movimentos corporais realizados durante determinado período de tempo provocam estímulos nas regiões cerebrais, induzindo à geração de novos neurônios (neurogênese). Nos portadores de Alzheimer, por exemplo, a cognição é bloqueada pelo ambiente inflamatório hostil que, quando é limpo, melhora a cognição. E as ferramentas que os cientistas têm utilizado para fazer essa limpeza são justamente os exercícios físicos. Quanto mais regularmente o indivíduo se submete às atividades físicas, mais renovação neuronal ele provoca e, consequentemente, mais capacidade cognição ele adquire. Por extensão, menor a probabilidade de se alcançado pelas doenças degenerativas, como o Alzheimer.


Em termos de ciências educacionais, não necessariamente de pedagogia, ainda estamos distantes de, um dia, estarmos prontos para provocar a aprendizagem que os nossos estudantes precisam dominar. Dito de outra forma, não começamos ainda a nos dedicar aos conhecimentos científicos sobre o cérebro como condição fundamental para que possamos saber o que fazer em sala de aula. Sem o conhecimento aprofundado do cérebro, tão aprofundado quanto os cientistas desse campo têm, dificilmente o professor será capaz de contribuir para a formação de indivíduos para os novos tempos. A nova educação parece ser mais do campo da saúde do que das chamadas ciências humanas. Neurologia, fisiologia, educação física, psicologia, linguística e outros campos do conhecimento vinculados ao cérebro é que devem compor o campo da nova ciência educacional. Nesse novo campo a educação física não é para modelar corpos, mas para renovar o cérebro e multiplicar sua capacidade de aprendizagem e criatividade.




 


Daniel Silva é PhD, professor, pesquisador do Instituto Federal do Amazonas (IFAM) e escreve todas às sexta-feiras no ac24horas. 


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