Tive minha infância e adolescência em uma cidade industrial, do interior. Minha perspectiva de vida era formar e conseguir um emprego na indústria, na construção civil, ou montar um negócio próprio no setor de Serviços. Naquela época, concurso era para ser bancário ou juíz. Nem me passava pela cabeça em um dia fazer um.
Mas a vida é uma caixinha de surpresas (nada a ver com a história de Joseph Climber) e foi me conduzindo para o serviço público, sem que eu me desse conta. Depois de concluir o colégio numa escola técnica, no curso de Agrimensura, fui fazer engenharia numa universidade onde a ênfase de formação era preparar profissionais para atuarem em prefeituras. Meu primeiro emprego, há trinta e cinco anos, foi no Departamento de Transportes Públicos da prefeitura de Rio Branco.
De lá para cá, em pouquíssimas ocasiões eu atuei na área privada. Foram, porém, experiências importantes para eu entender a dimensão do que é ser um Servidor Público.
Hoje em dia, ter um emprego no governo é sinônimo de segurança. Em algumas carreiras, é garantia de bons salários e se for em cargo federal, melhor ainda. Mas isso nem sempre foi assim e há uma enorme probabilidade disso acabar.
A disparidade de vantagens entre os empregos públicos e privados promoveu uma corrida permanente aos concursos e escolha por profissões para as quais muitos não são vocacionados. Isso, e o inchamento da máquina estatal que atua ainda em muitas atividades onde deveria fazer apenas a regulação, formam na opinião pública uma imagem negativa do servidor, em geral. Ficou fácil vender, atualmente, a ideia de que todos somos os privilegiados e responsáveis por termos inviabilizado economicamente o Brasil.
Ao mesmo tempo que precisamos abandonar a cultura de estado altamente intervencionista, precisamos hoje tomar cuidado com a propaganda pelo estado mínimo. Há um limite onde ele é suficiente e necessário para garantir os serviços essenciais que a iniciativa privada não promove e, principalmente, para proteger as boas relações do mercado e a segurança dos contratos.
Ter atuado, mesmo que por pequenos períodos, em atividades privadas foi muito interessante para vivenciar as enormes diferenças entre ambas as formas de gerir um trabalho. O que costumamos chamar de burocracia são, na verdade, salvaguardas de moralidade e impessoalidade dos serviços realizados na área pública.
O lucro da atividade pública é garantir a segurança e a justiça, o atendimento igual e de qualidade para todos, ao menor custo para o contribuinte. Quando o estado cresce além da conta, ele acaba por funcionar em torno de si próprio e deixa de exercer seu papel eficientemente, distanciando o servidor de sua atividade. Infelizmente chegamos nesse estágio em muitas áreas.
Hoje, nosso desafio como servidor público é reaproximarmos o estado das pessoas, traduzirmos a burocracia em qualidade, mantermos o foco em melhorar a vida dos que contam com nosso trabalho. Precisamos valorizar menos os cargos mais cobiçados e priorizar aqueles que têm contato direto com o público, nos municípios, nas escolas, postos de saúde, segurança pública, pontos onde é feito o atendimento à população.
Muitas carreiras do serviço público sentirão brevemente as mudanças aprovadas na reforma previdenciária e já está no prelo o texto de uma reforma administrativa que promete reduzir os quatrocentos e tantos diferentes cargos a não mais que uma dúzia, no Executivo federal. Outra mudança prometida é abolir a estabilidade para os próximos concursados. Se tudo isso for adiante, haverá um cenário completamente diferente do atual, em poucos anos.
Ser um Servidor Público sempre foi, para mim, abdicar da preocupação com o futuro, investimentos e aposentadoria para me dedicar em cuidar para que os serviços do estado chegassem com qualidade aos cidadãos. Receio que, no caminho que as coisas seguem, meus sucessores tenham que compartilhar o trabalho com meios de poupar para a velhice.
Ontem comemoramos mais um dia do Servidor Público. Precisamos agora construir um futuro onde possamos comemorar por muitos anos mais. E quando possamos ter o quê realmente comemorar.
Roberto Feres escreve às terças-feiras no ac24horas.