O cerebelo é a parte do cérebro parecida com uma borboleta. É composto de dois hemisférios e fica situado na fossa craniana posterior. Do ponto de vista de sua evolução (filogenética), do cerebelo apresenta três porções: o arquicerebelo, centro do equilíbrio; paleocerebelo, centro de tratamento da informação que permite ao indivíduo perceber a si mesmo (proprioceptivo); e o neocerebelo, responsável pela realização dos movimentos finos. Todas essas regiões estão relacionadas com o aprendizado e o processo de aprendizagem. É o cerebelo que mantém o equilíbrio, a contração e a elasticidade dos músculos, produz os movimentos voluntários do corpo a aprendizagem motora. Para quem não tem conhecimentos de fisiologia e anatomia humanas, isso pode parecer grego, mas a prática dessas coisas complicadas permite compreender a importância do conhecimento do cerebelo para que possamos aprender e ajudar os outros a aprender: sem a participação do cerebelo, praticamente não há aprendizagem.
Já sabemos que o processo de aprendizagem tem a participação do hipocampo, onde as informações recebem o primeiro registro, o entendimento é primeiramente construído e temporariamente armazenado, e do córtex, para onde o entendimento e tudo o que o rodeia é armazenado definitivamente. Sabemos também que não basta apenas ter o entendimento, compreender a lógica das coisas, é preciso também executar, exercitar, praticar essa lógica, para que ela se consolide de forma consistente e, dessa forma, possa ser armazenada definitivamente, constituindo-se o que chamamos de conhecimento de longo prazo.
Isso quer dizer, por extensão, que quase todas as vezes que exercitamos, praticamos, o entendimento, estamos utilizando o cerebelo. Vejam que coisa formidável. Imagine que você queira aprender teorema de Pitágoras. Você lê nos livros didáticos disponíveis e compreende que essa coisa (teorema de Pitágoras) funciona a partir de um esquema de semelhança de triângulos. Todos os livros que você consultou falam, de maneira diferente, a mesma coisa. E demonstram a aplicação dessa coisa, também de maneiras diferentes (os casos e os números que eles usam são diferentes, por exemplo). Você estudou, compreendeu bem e se encantou com o que aprendeu. Só que você não exercitou, não praticou o aprendizado. No outro dia, pouco você se lembra. Com uma semana, teorema de Pitágoras é apenas uma leve e distante lembrança.
Seu colega, que estuda na mesma sala, é considerado excelente em matemática. A diferença é apenas uma dele para você: ele exercita o que entende. Isso quer dizer, como você, ele não sai da sala sem entender a lógica das coisas, seus funcionamentos, seus exemplos, as curiosidades sobre elas e assim por diante. Mas, diferente de você, alguns minutos ou horas depois de obter o entendimento, seu colega resolve uma série de questões sobre as coisas que aprende de matemática. E, como gosta de matemática, de vez em quando (durante muitos dias, de forma intercalada) ele resolver outros exercícios, cada vez mais desafiadores.
É aqui que entra o cerebelo. Tudo o que diz respeito a manuseio voluntário do corpo, como os dedos e as mãos para pegar a caneta e resolver exercícios de matemática, precisa da ajuda desse órgão cerebral do aprendizado. Quando você pega a caneta e exercita o entendimento de matemática, você está também registrando o aprendizado nessa outra parte do cérebro, além do córtex. No córtex fica armazenado o entendimento, as lógicas da coisas, mas só o entendimento não lhe permite demonstrar o seu saber, o seu aprendizado. Em quase todos os casos é necessária a ajuda do cerebelo. Se você não transferiu, não armazenou o aprendizado no cerebelo, ele não vai conseguir demonstrar o que o córtex supõe saber. É por isso que você, que se considera um gênio para entender qualquer coisa (e você realmente o é), quando chega na prova de matemática você fracassa. Fracassa por que não fez o ciclo completo da aprendizagem: precisou da ajuda do cerebelo, mas o cerebelo não ajudou porque você não o ensinou.
E isso acontece não apenas em matemática. Os seus colegas que são bons de geografia e história (duas áreas da ciência muito mais complexas do que matemática, por isso quase sempre só são ensinadas na universidade) só são bons porque exercitam os entendimentos, as lógicas aprendidas, pouco tempo depois de obterem esses entendimentos. Se o cara é bom de geografia, é porque ele, depois do entendimento auferido, vai procurar alguma forma de constatar, praticar, confirmar, demonstrar, enfim, manusear aquele entendimento. É porque gosta de Geografia (na verdade, gostamos de tudo aquilo que de fato aprendemos), de vez em quando ele vai voltar àquelas antigas coisas aprendidas e reexercitar. Cada vez que ele reexercita ele reescreve no córtex e no cerebelo o mesmo aprendizado. Dessa forma ele não deixa que o que está ali armazenado crie poeira, fique nublado, vago, impreciso.
Nadar precisa muito do cerebelo, assim como administrar. Não é possível aprender a nadar em sala de aula, com quadro negro e pincel atômico. Muito menos administrar. Também não é possível fazer ciência, falar, ler e escrever sem exercitar. Aliás, quase tudo na vida é mais repetição, exercício, demonstração, enfim, prática, do que entendimento. Muitas vezes há apenas um entendimento do funcionamento das coisas, apenas uma lógica, mas praticamente infinitas demonstrações. É por isso que é preciso exercitar para que, de fato, aprendamos. E não há prática sem o uso de técnica.
Em termos de aprendizagem, o recomendado seria que os ensinamentos durarssem poucos minutos, tais como 15 a 20, no máximo, ou durasse o tempo que o instrutor precisasse para ensinar a lógica da coisa que ele quer ensinar. Se o indivíduo quer aprender sozinho, esse tempo também deve ser curto. Logo em seguida, deve-se investir um tempo maior em exercitação do entendimento, do aprendizado. Se levo 15 minutos para entender a lógica, exercitar por 30 minutos (o dobro) logo em seguida faz um adequado registro no hipocampo para que, depois seja transferido o entendimento para o córtex e os movimentos motores reforçadores do entendimento para o cerebelo. É assim que se aprende.
Daniel Silva é PhD, professor e pesquisador do Instituto Federal do Amazonas (IFAM) e escreve no ac24horas todas às sextas-feiras.
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