O presidente do Peru, Martín Vizcarra, tentava mudar o modelo de escolha dos membros do Tribunal Constitucional, mas o Congresso peruano decidiu nesta segunda-feira (30) ignorar o pedido presidencial.
Vizcarra queria evitar que a corte superior do país fosse controlada por nomes ligados à oposição fujimorista e decidiu tomar uma medida drástica de dissolver o Parlamento.
A escalada da crise levou os responsáveis pelas Forças Armadas e pela Polícia Nacional a se reunirem com Vizcarra para demonstrar “seu total apoio à ordem constitucional e ao presidente”.
Mas como o país chegou a esse ponto e quais foram as reações à medida? Entenda o imbróglio em cinco pontos.
O país está rachado politicamente desde as eleições de 2016, quando o esquerdista Pedro Pablo Kuczynski venceu Keiko Fujimori, filha do ex-presidente Alberto Fujimori, por uma margem pequena de votos.
Mas Kuczynski acabou dois anos depois acuado diante de denúncias de corrupção ligadas à Operação Lava Jato e decidiu renunciar à Presidência em 2018. Em seu lugar assumiu o primeiro-vice-presidente, Martín Vizcarra.
Este, tal qual seu antecessor, enfrentaria um cerco permanente da oposição, que controla o Congresso.
O mais recente dos embates entre o Executivo e o Legislativo ocorreria nesta semana.
Vizcarra decidiu dissolver o Congresso por considerar que os parlamentares ignoraram um questionamento feito por ele sobre o processo de escolha de magistrados para o Tribunal Constitucional, previsto para ser votado ontem.
Segundo Vizcarra, esse processo não tem transparência nem garante a divisão dos poderes.
Mas a Junta de Porta-Vozes do Congresso, dominada pela oposição fujimorista e seus aliados, decidiu prosseguir com a sessão tal qual ela estava prevista. Ou seja, primeiro eleger os membros do Tribunal Constitucional e depois analisar a moção de confiança apontada pelo Executivo.
Em pronunciamento televisionado, Vizcarra anunciou que a dissolução do Congresso está dentro de suas prerrogativas previstas na Constituição e com essa medida busca “dar fim a esta fase de aprisionamento político que impede o Peru de se desenvolver no ritmo de suas possibilidades”.
A Constituição do Peru prevê em seu artigo 134 a possibilidade de o presidente dissolver o Congresso caso “este tenha censurado ou negado duas moções de confiança do Conselho de ministros”. Esta foi a terceira medida do tipo apresentada em menos de um ano.
Segundos antes de Vizcarra anunciar novas eleições, no entanto, os parlamentares aprovação a moção de confiança do presidente e declararam, portanto, que a dissolução do Congresso não teria respaldo da Constituição.
Em seu anúncio, o presidente peruano afirmou também esperar que “essa medida excepcional permita que os cidadãos finalmente se expressem e se posicionem nas urnas, e por meio dessa participação, no futuro de nosso país”.
As eleições foram marcadas para 26 de janeiro de 2020, segundo decreto publicado em edição extraordinária no Diário Oficial. A legislatura atual do Congresso foi eleita em 2016 para um período que terminaria em 2021.
Em um reflexo da grave crise política na qual o país está mergulhado, a sessão do Congresso nesta segunda-feira foi caótica, com protestos e trocas de acusações.
Parte do deputados afirmou que não conseguiu entrar no Congresso porque as portas foram fechadas.
Vizcarra havia dado um ultimato neste domingo (29) ao Congresso caso ele não prosseguisse imediatamente com a questão da confiança solicitada ou continuasse com o processo de eleição de magistrados.
No entanto, sob protestos de parlamentares liberais e de esquerda, o plenário votou para eleger o jurista Gonzalo Ortíz de Zevallos como um novo membro do Tribunal Constitucional. O eleito é o primo de primeiro grau do presidente do Congresso, Pedro Olaechea.
Sua candidatura obteve o mínimo de 87 votos exigidos, mas a congressista de esquerda María Elena Foronda afirmou que seu voto foi fraudado e apareceu como favorável na contagem (o oposto do que ela disse ter votado). Ela cobrou uma investigação do Ministério Público.
Em seguida, o presidente do Congresso anunciou que a votação para eleger os outros juízes do Tribunal Constitucional peruano continuaria na terça-feira (1º).
A tarde da segunda-feira foi dedicada à votação da questão da confiança apresentada pelo presidente da República. Esta foi aprovada segundos antes de vir à público a decisão presidencial de dissolver o Congresso.
O impasse se agrava porque o decreto presidencial determina que “qualquer ato relacionado à função parlamentar desempenhada pelos congressistas cujo mandato foi revogado não é válido nem tem legalidade”.
Horas depois do anúncio de sua dissolução, o Congresso aprovou a suspensão do presidente da República por 12 meses alegando “incapacidade temporária”.
“Vizcarra ameaçou fazer à força o que a razão e a lei não lhe permitiram alcançar”, diz a moção aprovada pelo plenário do Congresso.
Os congressistas também empossaram formalmente a vice-presidente Mercedes Aráoz como “presidente interina” do país em uma nova escalada da crise.
Aráoz havia renunciou ao cargo de deputado pelo partido Peruanos por el Kambio (PpK) em agosto passado por causa de divergências políticas com o presidente Vizcarra, a exemplo da antecipação das eleições parlamentares.
Em razão da sucessão de escândalos de corrupção no país, grande parte ligada a desdobramentos da Operação Lava, opositores temem perder poder numa eventual eleição. Quatro ex-presidentes do país foram alvos de investigação, e um deles, Alan García, se matou para evitar a prisão.
Empossada pelo Congresso, Aráoz fez duras críticas ao mandatário peruano.
“Eu mantenho meus princípios, estou assumindo temporariamente a Presidência da República. Vizcarra não cumpriu três artigos constitucionais”, disse Aráoz. “Quero dizer que compartilho da indignação. A solução para uma crise não são ofertas irresponsáveis, fingir que tudo será consertado com a dissolução do Congresso.”
A ministra das Mulheres e Populações Vulneráveis, Gloria Montenegro, disse que o juramento feito por Aráoz para assumir a Presidência da República “é inconstitucional”.
No Twitter, a advogada e jornalista peruana Rosa María Palacios afirmou: “Quem aconselha Mercedes Aráoz causou sérios danos a ela. Ela está cometendo um crime de flagrante: usurpação de deveres. Ela pode acabar na prisão amanhã”.
“É uma das decisões mais difíceis que tomei em minha vida. A coisa mais fácil seria renunciar e me recusar a assumir o compromisso que aceitei em 2016. Sou uma mulher de princípios e não corro de minhas responsabilidades”, afirmou Aráoz na ocasião.
Vice-presidente Mercedes Aráoz prestou juramento como presidente interina do país
Economista por profissão, ela é a única vice-presidente do Peru desde que Vizcarra assumiu a Presidência em março de 2018.
Antes disso, ela atuou como segunda vice-presidente durante o governo de Pedro Pablo Kuczynski desde 2016, ano em que foi eleita como congressista pelo partido PpK, atualmente no poder.
No período de 2006 a 2011 em que Alan García foi presidente, ela ocupou diversos cargos, como ministra de Comércio Exterior e Turismo e ministra de Economia e Finanças.
Em uma entrevista publicada em março de 2018 pelo jornal El Comercio, Aráoz descartou assumir o cargo de presidente em caso de uma vaga hipotética de Kuczynski, que logo depois renunciou em meio a acusações de suborno e corrupção.
Mas seu firme apoio a Kuczynski não continuou quando Vizcarra assumiu o poder. Em agosto passado, Aráoz anunciou sua renúncia como congressista do partido PpK por diferenças políticas com o presidente, por exemplo, em torno de sua proposta de adiantar eleições gerais.
Aráoz disse então que, apesar de suas divergências, continuaria “defendendo as posições do governo que consideramos democráticas, responsáveis e em benefício das grandes maiorias”.
“Com essa mesma liberdade, também criticaremos de maneira democrática e responsável cada vez que considerarmos que o Executivo se afasta do plano de governo de Pedro Pablo Kuczynski”, concluiu.
Foram registradas manifestações pró-dissolução no centro histórico da capital peruana, Lima, e em outras cidades do país.
As críticas mais contundentes vieram no Congresso, que é unicameral e dominado pela oposição. Carlos Turbino, congressista da Fuerza Popular (partido fundado por Keiko Fujimori com maior representação na Casa) classificou a decisão de Vizcarra de “golpe à democracia” e afirmou que “cedo ou tarde se fará Justiça”.
Jorge del Castillo, do partido Aprista (ligado ao ex-presidente Alan García), defendeu o presidente e seus ministros sejam levados à Justiça por causa da decisão “inconstitucional”.
Ele pediu à polícia e às Forças Armadas que não interfiram no processo. “O povo nos colocou aqui e só ele pode nos tirar daqui com seus votos”, afirmou.
Em comunicado, a Confiep, principal associação de empresários do Peru, disse que a medida de Vizcarra viola a Constituição e o sistema democrático.
Por outro lado, o deputado esquerdista Marco Arana defendeu a dissolução e afirmou que o Congresso não tem a legitimidade do povo.
Na porta do Parlamento, manifestantes cobraram a saída dos parlamentares depostos das dependências da Casa. Passava da meia-noite (horário local) quando congressistas começaram a deixar o edifício por portas laterais.
Não está claro.
A última vez em que o Parlamento foi dissolvido no país ocorreu em 1992, quando o então presidente Alberto Fujimori alegou obstrução do Parlamento em temas de segurança e economia. Seus críticos afirmam que a medida visava impedir investigações de corrupção e consolidá-lo no poder.
Como consequência da dissolução do Congresso nesta segunda-feira, os parlamentares deveriam ter abandonado o Congresso ou, caso se negassem a isso, poderiam ter sido presos. A prisão precisaria da autorização do presidente.
Parte deles anunciou que resistiria fisicamente a qualquer tentativa de mandá-los para casa.
O mesmo artigo constitucional que prevê a dissolução do Congresso contempla a convocação de eleições para formar um novo Parlamento, a serem realizadas dentro de quatro meses.
Se as eleições não forem realizadas no prazo previsto, a Constituição determina que o Congresso dissolvido se reúna, recupere suas capacidades e derrube o Conselho de ministros.
Só que não apenas os parlamentares se recusaram a deixar o Congresso como também aprovaram uma moção para suspender os poderes do presidente da República por 12 meses.
A Constituição peruana prevê que a Presidência pode ficar vaga em caso de “permanente incapacidade moral ou física, declarada pelo Congresso”.
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