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A Hanna

Por
Roberto Feres

Passei três anos fora do Acre para o mestrado e, quando voltei, em abril de 98, Rio Branco tinha se tornado uma cidade perigosa. Ocorrências de roubos e assaltos a residências eram parte da rotina, com relatos de crueldade em alguns casos. Morar numa casa no centro da cidade potencializava o perigo e a preocupação de familiares e amigos.


Antes das cercas elétricas e das espirais de arame farpado, a moda da época ainda era por cacos de vidro sobre os muros e ter cães de guarda no quintal.


Até então, eu nunca tive um animal de estimação em casa, mas as crianças pediam por um cachorrinho. Elas tinham entre seis e nove anos e gostei da ideia. Meu amigo Ivan Biancardi tinha uma ninhada que fomos conhecer no feriado de Tiradentes. Chegamos em casa, eu e as três meninas, com a Hanna, uma American Staffordshire Terrier de um pouco menos de três meses.


Amstaffs são uma variedade de Pitbull desenvolvida por puritanos sulistas dos Estados Unidos, no início do século XX, que não aceitavam as rinhas de animais, mas gostavam, principalmente, das qualidades de temperamento da raça.


Em suma, para todos os efeitos, cheguei em casa naquele dia com uma Pitbull, uma semana após o episódio que o cachorro Saddam atacou meia dúzia de skatistas no Rio de Janeiro e o assunto ainda era notícia no Fantástico e no Jornal Nacional.


Enquanto a Hanna crescia, eu tentava entender melhor o que era ter um animal em casa. Entrei para uma lista de cachorreiros, os Vira Latas, no que eram as redes sociais de então, e compartilhava informações e experiências com um grupo especial de pessoas. Faziam parte dessa turma o Alexandre Rossi (hoje Dr. Pet), que acabara de lançar seu primeiro livro, o Adestramento Inteligente, a veterinária mineira Neisa Lourenço que, com homeopatia, salvou de uma infestação dermatológica a segunda ninhada da Hanna, e o carioca César Pimenta, certamente o maior especialista em Pitbulls do Brasil.


Não demorou muito, Ivan me pediu que adotasse também o Othon, mais ou menos da mesma idade da Hanna, que recebeu de um amigo gaúcho para melhoramento genético do plantel daqui. Para quem nunca teve animais em casa, a responsabilidade dobrada exigiu estudar um pouco mais e encomendei, via Amazon Books, uma biblioteca sobre a raça. Também consegui um bom adestrador para o casal.


Fazia parte de ter um cão de raça participar de exposições onde ela e algumas de suas filhas e netas foram bastante premiadas.
Quando os eventos eram fora do Acre, Hanna ia aos cuidados do adestrador, até que ganhou um Ch, de campeã, antes do pomposo Sneakers Hanna Kadark, no pedigree.


Deles vieram a Opala, o Zorba, a Aretha e a Tuca (Hilary no registro) que fizeram parte da família enquanto as meninas cresciam e tomavam rumo na vida. Militei por um tempo, com os VL, pela posse responsável de animais, as campanhas de castração e de adoção e contra as rinhas.


Hoje já não temos mais Pitbulls em casa, mas uma pastora, que uma filha ganhou do namorado, e uma rastreadora, adotada de uma apreensão que a Polícia Federal realizou de caçadores, por maus tratos.


A segurança da região de casa ora melhora, ora piora, assim como a do resto da cidade. Talvez, ter cães no quintal até ajude a alertar para a invasão de algum estranho. Mas eles são muito mais que isso no nosso dia-a-dia. Passaram a fazer parte da família e nós da matilha deles. Nos ensinaram, antes de tudo, a sermos um pouco melhores e enxergarmos o mundo com olhos menos humanos.




 


Roberto Feres escreve às terças-feiras no ac24horas.


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