O córtex é a maior região cerebral. Melhor seria dizer que o córtex abarca todo o cérebro, encobre-o, envolve-o. É uma região tão fantástica quanto, ainda, desconhecida, porque apenas agora dispomos dos instrumentos e procedimentos capazes de fornecer, cientificamente, explicações que outrora seriam sequer imaginadas. E quase tudo o que supúnhamos saber sobre ele ou estava errado ou era apenas suposição. As poucas explicações de que dispomos, por outro lado, foram capazes de provocar verdadeiras revoluções não apenas na forma de entendermos problemas como o Alzheimer, mas essencialmente no lidar com as questões educacionais. Mais precisamente, lidar com o aprendizado e a aprendizagem. Neste sentido, este ensaio tem como objetivo explicar como funciona o córtex humano.
Uma das muitas coisas que me incomodavam nos tempos de estudante, do ensino fundamental ao doutorado, era a dificuldade de meus colegas em entender os ensinamentos e explicações dos professores. Para mim era tudo tão óbvio, geométrico, compreensível que, muitas vezes, imaginei que meus colegas forçavam os professores a repetir as mesmas explicações porque não queriam uma quantidade maior de assuntos para as provas. Eu, ao contrário, fascinado com o que estava aprendendo, queria que eles aprendessem logo, para que novos assuntos pudessem ser ensinado e, assim, amenizar um pouco a minha se de conhecimento. Como eram muitos os colegas, resolvi que, ajudando a professora a ensinar meus colegas, o tempo de espera aos novos assuntos seria abreviado. E assim, pouco a pouco, fui me tornando professor, desde a primeira infância.
Meus antigos professores e colegas da época dizem que eu aprendia tudo com muita facilidade. Parecia, segundo esses relatos, que eu já conhecia em detalhes cada assunto, como se eu os estivesse estudado em casa, me preparado antes. Mas como, se eu e meu pai não tínhamos sequer dinheiro para comprar a comida diária, imagina ter para comprar livros, que só os ricos da época poderiam adquirir?
Esse pequeno relato mostra exatamente o poder do córtex, ou melhor, sua capacidade de armazenar aprendizagem de longo prazo. O córtex é o local da memória permanente, onde são armazenados aqueles conhecimentos que a gente sabe, mas não sabe que sabe. Quer um exemplo? Andar de bicicleta. Quem aprendeu sabe o quanto foi difícil, trabalhoso, batalhador, desafiador, mas, ao mesmo tempo, glorioso, prazeroso, venturoso, enfim, feliz. Quem passou cinquenta anos sem montar em uma bicicleta depois que aprendeu, se for necessário, basta montar na magrela e sair pedalando. Talvez falte o equilíbrio nos primeiros momentos, mas depois a leveza e a sincronia aparecerão, tal qual quando se aprendeu.
Onde estava o aprendizado do andar de bicicleta? No córtex. Todos os dias utilizamos os conhecimentos do passado, quase todos não conscientes, mas que dão sentido a quase tudo o que fazemos. São esses conhecimentos profundos que manuseiam os conhecimentos do presente, de curto prazo, e nos permitem fazer coisas. Mas o que sabemos não foi produzido no córtex. O que sabemos foi transportado para lá. Para que o aprendizado profundo se aloje no córtex é necessária muita batalha, muito esforço, muita dedicação.
É por isso que se diz que aprender dói. Não é fácil, a ciência demonstra, aprender coisas complexas. Não é fácil escrever, ler, calcular, fazer ciência. Isso explica, por exemplo, porque poucas pessoas realmente escrevem de forma que outros as entendam, reduzido é o número de indivíduos que explicam exatamente o que leem, raros são aqueles que conseguem dizer quantos metros de altura tem determinado edifício com a aplicação da semelhança de ângulos e muito, muito raros ainda, são os que conseguem fazer ciência, incluindo, pasmem, detentores de diploma de doutorado.
Quem me vê escrever tem a impressão de que estou transferindo para o papel ou para a tela do computador o que está gravado na minha memória, aquilo que eu decorei. Mas a impressão acaba quando vê, quase sempre boquiaberto, que consigo escrever e conversar com várias pessoas ao mesmo tempo, sem olhar para o teclado do computador. Como é que eu consegui isso? Como é que, apenas olhando a estrutura de dados de uma planilha, sei que tipo de procedimento estatístico deve ser utilizado para gerar as respostas procuradas por alguém? O que me permite dizer, com poucas possibilidades de engano, qual os caminhos possíveis para que determinado problema científico possa ser testado?
O resultado para tudo isso é: esforço. Muito esforço. Dedicação. Muita dedicação. Suor. Muito suor. É assim que colocamos no córtex o aprendizado. Ler, escrever, calcular e fazer ciência são algumas das coisas mais difíceis que o ser humano pode aprender. E aprende. Caminhar também é difícil, tanto que leva pelo menos um ano. Tudo o que é difícil é estruturante, ou seja, é mecanismo que vai ser utilizado para manusear e orientar o que não é estruturante, que é passageiro. Saber qual é a probabilidade de um raio cair na minha cabeça só é possível a partir de aprendizado estruturante (a fórmula da probabilidade) para manusear dados passageiros (quantos raios caíram em determinado período na cabeça das pessoas, quantidade de pessoas que ali existem e quantidade de raios que caem ali).
A gente só consegue colocar aprendizado no córtex se repetirmos, se praticarmos, ou todo dia ou periodicamente. Lembro que gostava de fazer provas de concursos públicos. Enquanto ia ao banheiro, resolvia as questões. O resultado é que sempre acertei todas as questões de concursos relativos àquelas áreas que eu exercitava (e de outras correlatas, como veremos no próximo ensaio). Para praticar todos os dias, é preciso gostar, querer, ter vontade. Se amar, então, as coisas vão ser infinitamente facilitadas. É isso mesmo: infinitamente. A razão disso é que, ao que tudo indica, o córtex ama tudo o que é feito com amor. Parece que os rasgos que serão feitos fisicamente ali são mais profundos quando feitos com amor, já que quanto mais profundos, mais sólido o armazenamento. No próximo ensaio mostraremos alguns exemplos formidáveis de colocar aprendizado no córtex.
Daniel Silva é PhD, professor, pesquisador do Instituto Federal do Amazonas (IFAM) e escreve no ac24horas todas as sextas-feiras,
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