O sonho de uma professora de 33 anos de estar satisfeita com o próprio corpo acabou se tornando um pesadelo depois que a realização de um procedimento estético não apresentou o resultado positivo que ela esperava. A cirurgia plástica de mini abdominoplastia e mini lipoaspiração ocorreu em janeiro de 2018, em Rio Branco, na clínica de um dos médicos mais renomados do Acre, Dr. Stanley Bittar. A mulher, F.S.C, diz que após muito esforço conseguiu os R$ 10 mil para custear a cirurgia, mas viu seu corpo ganhar forma indesejada, deixando-a com baixa autoestima e causando-lhe diversos transtornos.
Um processo judicial envolvendo o caso tramita na 1ª Vara Cível da Comarca de Rio Branco. A ex-paciente de Bittar pede indenização por danos morais, estéticos e materiais decorrentes do procedimento realizado, chegando ao valor de R$ 267.572,04 [dano moral de R$ 100 mil; dano estético de R$ 100 mil e dano material de R$ 67.572. 04].
Nos autos, assegurados pela advogada Helane Christina, consta que a professora ainda cogitou fazer o procedimento na Bolívia, mas aconselhada pela mãe, optou por fazer na própria capital acreana. Foi por meio das redes sociais que ela tomou conhecimento do trabalho do médico e perguntou se o mesmo seria apto para realizar o procedimento estético desejado. “A secretária informou que tinha um médico na equipe que realizava o procedimento. Foi então que marcou a avaliação na clínica”, atesta.
A avaliação ocorreu no dia 5 de janeiro do ano passado. No consultório, a denunciante ouviu do médico que “o procedimento seria simples e que o resultado seria excelente”. F.S.C também ressalta que Stanley lhe assegurou que a anestesia local seria o suficiente para realizar o procedimento. “(…) e como era tudo “mini”, seria realizado em sua própria clínica e não em um hospital”.
A mulher afirma que avisou Bittar sobre um problema com queloide – cicatriz que pode surgir por algum trauma, como, por exemplo, cirurgias. “E ele disse que faria aplicação de Triancinolona [ação anti-inflamatória] e ficaria tudo normal”.
O procedimento
Ao adentrar a sala onde seria realizado o procedimento, F.S.C conta que se deparou com o médico sozinho, somente com as assistentes. Ela afirma que questionou a respeito do outro médico, já que havia sido informada de que quem realizaria o procedimento seria outro profissional e não Stanley Bittar. Sobre isso, a mulher disse que ele “(…) desconversou e falou novamente que seria um procedimento simples e com anestesia local”.
A mulher relata que acordou no meio da cirurgia e sentiu um pouco de dor, por isso, Stanley Bittar teria a “apagado” novamente. Ao chegar em casa, assegura que foi deitar e algumas horas depois começou a sangrar. “Sangue tipo salmoura, onde sujou a cinta, lençóis e cama (…)”. Imediatamente ela entrou em contato com o médico e o informou o que estava acontecendo. “Ao chegar lá [na clínica] ele olhou a cirurgia e disse que estava tudo normal e que era assim mesmo”, conta.
Com o passar dos dias, F.S.C descreve que começou a achar que a cirurgia havia sido mal feita. Sua barriga passou a criar fibrose, estava flácida ao redor do umbigo e criando queloide. “A autora descobriu que o Requerido [médico] não era apto para realizar o procedimento e tão pouco dentro da sua própria clínica”, explica a advogada nos autos.
Contestações
A mulher decidiu procurar a opinião de outro cirurgião, este a informou que o procedimento a qual ela havia passado ocorreu de forma incorreta, pois teria que ter sido feita uma abdominoplastia total e não uma “mini”. Num novo encontro entre a paciente e Bittar, ela assevera que Stanley Bittar propôs chamar outro colega médico para lhe avaliar. Nesse caso, Stanley Bittar teria lhe assegurado que custearia um tratamento estético em um SPA. “Sem muitas opções no momento, aceitou o oferecido pelo médico”, salienta a defesa da professora.
Ao conversar com o outro médico apresentado por Bittar, F.S.C diz que este também atestou que era para ter sido realizada uma abdominoplastia total. Nos autos consta que ele disse ainda que em função disso, ela estava sem pele suficiente e que seria muito complicado fazer uma nova cirurgia. Ficou decidido com a paciente que Stanley Bittar pagaria o tratamento estético específico para o tratamento da pele e que ao final do ano de 2018 iria verificar a possibilidade de uma nova cirurgia, feita por um novo médico.
Impossibilidades
No final do ano de 2018, mesmo diante da insatisfação da barriga, a paciente não quis mais se submeter à cirurgia para correção. “(…) por medo e trauma pelo o que havia passado e também porque neste momento o seu filho estava passando por uma investigação de TEA (Autismo) e essa cirurgia, neste momento, não seria oportuna, pois a autora exerce a função de mãe e pai do filho”, expõe a defesa.
Já em janeiro de 2019, a professora aponta que conversou com Stanley Bittar e que pediu que ele continuasse pagando o procedimento estético e desses uns pontos na sua orelha e o assunto estaria encerrado naquele momento.
Novo problema – hérnia incisional
Ocorre que pouco depois desse ultimo contato, após pouco mais de um ano, a mulher conta que apareceu, “do nada”, como se fosse um nódulo onde fica a cicatriz da abdominoplastia. Ela enviou foto para o médico, que pediu para ela se acalmar e ir até a clínica para passar por exame. “Por meio de uma USG da parede abdominal, detectou uma hérnia incisional, sendo que no ano de 2018 havia feito o mesmo exame e não tinha apresentado nada de hérnia”.
A partir de então, a paciente procurou um terceiro cirurgião, que segundo ela, confirmou que sua pele estava muito fina e seria impossível fazer o corte, pois correria o risco de não fechar novamente e que ainda teria que ser por vídeo laparoscopia, particular, porque o SUS não dispõe desse procedimento.
A professora questionou o cirurgião sobre o que poderia ter ocasionado a hérnia. O profissional, conforme a ação, teria lhe respondido: “pode ter sido as aplicações de triancinolona” e que Bittar “não tinha habilitação de fazer esse tipo de cirurgia”. A defesa alega que mesmo que a hérnia já existisse antes, Bittar “tina o dever de ter detectado e informado a autora [paciente]”.
Novo contato com Bittar
Mais uma vez a professora entrou em contato com Stanley Bittar, desta vez, com exames em mãos. De acordo com a mulher, ele teria insinuado que não poderia ser hérnia e que ela teria pele suficiente, sim, para abrir a barriga novamente.
A defesa destaca que a mulher ainda não consegue segurar seu filho nos braços, uma criança de 2 anos de idade e encontra-se extremamente abalada por todo o ocorrido. “Mais de um ano sofrendo as consequências de um erro cometido pelo Requerido [médico], se sente limitada em seus cuidados de mãe nos cuidados diários com o filho”.
Para a mulher, conforme o processo, a responsabilidade médica é sempre pessoal e não pode ser presumida. “Tem a obrigação de observar e cuidar dos pacientes no pré e pós-operatório, como forma de prevenir esse tipo de situação e a obrigação de se não souber executar o serviço indicar outro profissional capacitado”.
A situação atual dação processual aguarda o agendamento de uma audiência de instrução e julgamento. A defesa do médico fez a contestação e a da paciente protocolou a réplica, peça que rebate o que foi contestado pelo médico.
“Inclusive na contestação ele abriu um tópico onde faz um chamamento ao processo já do seguro que ele paga, o qual ele tem a cobertura. Justamente para cobrir em caso de uma possível condenação”, explica a advogada da professora.
Outro caso
Um outro caso de denúncia contra o médico Stanley Bittar resultou, recentemente, na abertura de uma sindicância no Conselho Regional de Medicina do Estado do Acre (CRM-AC). Desta vez, uma mulher de 29 anos que passou por uma cirurgia de redução de mama e teria sofrido sequelas/deformações nos seios. Neste caso, o procedimento instaurado reclama de falta de assistência do referido médico.
Ao ac24horas, o Conselho Regional de Medicina do Estado do Acre (CRM-AC) esclareceu que todos os procedimentos administrativos, sindicâncias e/ou Processo Ético-Profissional (PEP), que tramitam nos Conselhos Regionais de Medicina (CRM) e no Conselho Federal de Medicina (CFM) estão sob sigilo processual. “O CRM-AC não comenta acerca dos fatos que são apurados pela autarquia. Logo, esclarecemos que o sigilo incidente visa acima de tudo preservar as partes e os documentos que lhes dizem respeito, além de evitar o julgamento antecipado que pode tumultuar a condução dos processos”, disse o órgão em nota.
O que diz Stanley Bittar
Procurado pelo ac24horas, o médico Stanley Bittar, cadastrado no Conselho Regional de Medicina do Acre (CRM-AC), com n° 2084, esclareceu que está completando 15 anos de experiência no mercado e que estes são os primeiros casos registrados nessa natureza. Ele diz que é ciente do cliente exercer seu direito de reclamar, mas que a insatisfação do paciente não é seu objetivo e que toda cirurgia há um contrato de meio e não de finalidade.
“Nossa atividade é uma atividade de meio e não de fim. Tenho total ciência de que o CRM-AC vai apurar. Sempre fazemos tudo dentro da legalidade, atendendo todos os protocolos de segurança e isso fica claro no prontuário médico”.
Bittar reitera que não houve nada de errado com relação aos casos citados. “Tudo foi feito da melhor forma possível. Não vejo como algo de outro mundo. Tenho absoluta certeza que fazemos tudo certo e que tudo isso não passa de engano ou insatisfação subjetiva”.
Com relação à acusação de não ter aptidão para realizar os procedimentos, ele garante estar cadastrado no Colégio Brasileiro de Cirurgia Plástica e na Sociedade Brasileira de Medicina e Cirurgia Plástica Estética, sociedades diferentes da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. “Possuo pós- graduação em Cirurgia Dermatológica, Cirurgia Plástica, mas como pós-graduado o médico não pode fazer publicidade de detentor do titulo de especialidade, existe uma diferença entre essas denominações”, explica Bittar.
Segundo ele, há pouco tempo os médicos com pós-graduação haviam ganhado uma liminar na justiça que permitia que eles pudessem fazer publicidade do título de pós-graduação em cirurgia plástica, mas que essa liminar foi suspensa. “Ainda estamos “brigando” por esse direito na justiça. Como médico, inscrito no CRM, posso fazer qualquer procedimento ou cirurgia, respondendo por tal, e provando que jamais agiria com negligência ou imprudência ou imperícia”.
Nos autos, a defesa do médico menciona que a paciente F.S.C consentiu com todos os procedimentos a que foi submetida e que a atividade médica é uma atividade que envolve risco e resultado incerto devido as inúmeras circunstâncias.
Sobre as afirmações a respeito de que outros profissionais da área teriam reprovado a conduta adotada por Bittar, a defesa diz: “não passam de falácias, uma vez que a mesma não juntou qualquer laudo que confirmasse a tese”.