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Aníbal Diniz – AT&T e Time Warner: sim, a Anatel pode

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Por Aníbal Diniz, conselheiro da Anatel


A Anatel, como o órgão previsto na Constituição para regular o setor de telecomunicações e investido legalmente de prerrogativas de autonomia e independência, não só pode como deve decidir sobre o caso AT&T e Time Warner, sem que haja necessidade de mudar a Lei do SeAC.


Embora a instrução técnica e o parecer da Procuradoria da Anatel tenham sido contrários à aquisição do Grupo WarnerMedia (antiga Time Warner) pelo Grupo AT&T, cujos efeitos práticos levariam a que este (i) ou se desfaça da operadora Sky que conta com cerca de 5 milhões de assinantes, (ii) ou deixe de transmitir seus canais no Brasil; esta não é uma posição unânime do Conselho Diretor, que é efetivamente o órgão que interpreta a legislação de telecomunicações no Brasil.


Ao contrário do que vem sendo divulgado, o Conselho já iniciou o debate do tema e o relator da matéria, Vicente Aquino, já apresentou voto em reunião extraordinária que pedimos conjuntamente e mostrou, de maneira convincente, que a operação não está em desacordo com a Lei do SeAC. No extenso e bem fundamentado voto favorável à operação, que teve meu apoio incondicional, Vicente Aquino argumentou que o melhor para o mercado brasileiro é que, a exemplo do que já aconteceu no Conselho de Defesa Econômica (CADE) e em todos os outros países consultados, aqui também a operação tenha a anuência do órgão regulador das telecomunicações.


A Lei Geral de Telecomunicações, ao evidenciar no seu texto original que o poder público tem o dever de criar oportunidades de investimento, foi reforçada recentemente pelos princípios de liberdade de iniciativa e de mínima intervenção sobre a atividade econômica da Medida Provisória nº 881/2019, já aprovada no Congresso e pronta para ser convertida em lei. Assim, no contexto de restrição econômica e de desemprego em que o país se encontra, não me parecem ser intervenções adequadas limitar a entrada de capital estrangeiro no Brasil, expulsar empresas daqui ou proibir a oferta de serviços.


Tenho uma relação antiga com esse tema porque fui relator da primeira matéria sobre esta operação quando, na tomada de subsídio pelo CADE, decidimos por apresentar apenas sugestões sobre aspectos concorrenciais, uma vez que os temas regulatórios, mais especificamente a avaliação de existência ou não de participação cruzada vedada entre grupo programador e grupo de telecomunicações, seriam posteriormente apreciados pela Anatel.


Naquela ocasião, determinamos que a Área Técnica da Agência, no caso de aprovação da operação pelo CADE, instaurasse um processo específico para interpretar sistematicamente os artigos da Lei do SeAC e complementasse a instrução processual com informações sobre as atividades de programação do Grupo WarnerMedia no Brasil.


Tal interpretação sistemática, que foi diligentemente enfrentada pela brilhante construção do Conselheiro Vicente Aquino e sua equipe, trouxe luz a importantes questões da operação em relação à extensão dos dispositivos da Lei que vedam a participação cruzada entre programadores e empresas de telecomunicações.


A Lei do SeAC veda que produtoras e programadoras com sede no Brasil, repito, com sede no Brasil, apresentem participações societárias cruzadas com empresas de telecomunicações. Diante dessa expressão restritiva do seu art. 5º, a principal pergunta dos autos, a meu ver, é determinar se a vedação inclui ou não a programação estrangeira veiculada em nosso país.


A hermenêutica nos ensina que a lei não contém palavras inúteis, e a legislação do setor de audiovisual admite expressamente a existência de programadoras internacionais. O inciso XIV, do art. 1º, da Medida Provisória nº 2.228-1/2001, que criou a Ancine e está em pleno vigor, assim se referiu a esse assunto:


“A programação internacional é aquela gerada, disponibilizada e transmitida diretamente do exterior para o Brasil, por satélite ou por qualquer outro meio de transmissão ou veiculação, pelos canais, programadoras ou empresas estrangeiras, destinada às empresas de serviços de comunicação eletrônica de massa por assinatura ou de quaisquer outros serviços de comunicação que transmitam sinais eletrônicos de som e imagem.”


A diferença entre programação internacional e programação nacional é tão visível que, antes da Lei do SeAC, o art. 31 da já mencionada Medida Provisória nº 2.228-1/2001, permitia a contratação de programação estrangeira, desde que feita por intermédio de empresa brasileira. A Lei do SeAC resolveu revogar esse dispositivo exatamente porque não viu mais motivos para limitar a programação estrangeira no Brasil, reforçando a atuação direta de programadoras estrangeiras no Brasil.


Portanto, parece-nos claro que existe uma diferenciação entre programação e programadora internacionais de programação e programadora nacionais consagrada na legislação. Como a Lei consagra tal diferenciação, não poderia uma regulamentação posterior, sem forças para inovar, como fez a Ancine, entender que não há distinções entre uma situação e outra. Não podemos igualar, enquanto a Lei diferencia.


Nesse esforço de interpretação sistemática, é importante avaliar o histórico de construção da própria Lei do SeAC no Congresso Nacional. Dessa forma, entendemos os motivos pelos quais os legisladores aprovaram dispositivos legais específicos.


Ao avaliar as emendas ao Substitutivo ao PL 29, que culminou na Lei do SeAC, muitas são as emendas e os pareceres que atestam dois pontos:


– o primeiro é a possibilidade de haver tanto programação quanto programadora estrangeira, conforme já disse;


– e o segundo é demonstrar que o objetivo de vedar a participação cruzada entre programadores e empresas de telecomunicações foi o de limitar o controle da programação de conteúdo brasileiro para estrangeiros, em virtude da preocupação estratégica de produção de conteúdo nacional. O objetivo da vedação nunca foi o de criar reserva de mercado para as programadoras brasileiras no licenciamento de conteúdo estrangeiro para o Brasil.


O Parecer às emendas ao substitutivo do relator, na Comissão de Defesa do Consumidor, por exemplo, diz:


“Ainda sobre a participação cruzada no setor de audiovisual, uma análise mais criteriosa do § 3º do art. 8º constatou que a redação dada poderia dar margem a interpretações de que capitais estrangeiros não poderiam deter participação no capital de produtoras e programadoras em percentuais acima dos limites ali estabelecidos, o que impediria que empresas internacionais fossem detentoras de empresas que exerçam essas atividades no país. Essa interpretação reservaria o mercado para toda a atividade de produção e de programação e, dessa forma, tanto produtores internacionais estariam impedidos de se estabelecerem no país, quanto canais de programação internacionais, hoje em operação, deveriam ter seu controle transferido para brasileiros. Tendo em vista que não se deseja impedir a produção e a programação internacionais no país, e a conseqüente entrada de investimentos e de tecnologia para o país, os limites ali expostos para essas duas atividades carecem de justificação.”


No Parecer às emendas, realizado na Comissão de Ciência e Tecnologia, o objetivo de que a vedação à participação cruzada não alcança o conteúdo estrangeiro veiculado por programadoras estrangeiras fica ainda mais claro:


“É importante ressaltar que as limitações impostas não impedem, de forma alguma, a atividade estrangeira no País. A proposta apresentada dispõe apenas que o conteúdo gerado por estrangeiros não será considerado produção nacional, a não ser que atenda os critérios estabelecidos de co-produção.”


Outro trecho do mesmo Parecer demonstra que a vedação de participação cruzada se estende somente a programadores nacionais (ou seja, com sede no Brasil) com o receio de que a programação de conteúdo nacional caia nas mãos de grandes corporações estrangeiras:


“A iniciativa define como conteúdo nacional basicamente aquele direcionado ao público brasileiro ou que tenham participação de artistas brasileiros. À semelhança do projeto anterior, também especifica os conceitos de produção, programação e distribuição. Propõe ainda que as atividades de produção, programação e provimento de conteúdo nacional somente possam ser exercidas, em qualquer meio de comunicação eletrônica, por brasileiros ou por empresas cujo capital estrangeiro esteja limitado a 30% do total, excetuando-se as atividades inerentes às agências de publicidade e de produção de obras publicitárias.”


Foi com o objetivo de vedar o controle de grandes corporações estrangeiras sobre a programação e a produção de conteúdo brasileiros que a Lei do SeAC trouxe a vedação à participação cruzada. Daí a necessidade de incluir na Lei a expressão com “sede no Brasil” e, paralelamente, definir as programadoras e produtoras de conteúdo nacional de forma tão restritiva, nos incisos XVIII e XXI, do art. 2º, da Lei do SeAC, como aquelas constituídas sob as leis brasileiras, com sede e administração no País, com 70% (setenta por cento) do capital total e votante de titularidade de brasileiros natos ou naturalizados há mais de 10 (dez) anos; e com a gestão das atividades e da responsabilidade editorial sobre os conteúdos produzidos privativas de brasileiros.


Portanto, o que a Lei do SeAC restringe é a participação cruzada entre os grandes setores estrangeiros, como o Setor de Telecomunicações, cujo capital pode ter origem em qualquer país, e os programadores e produtores de conteúdos brasileiros, para proteger estrategicamente a nossa produção de conteúdo.


A operação em análise, como bem defendeu o conselheiro Vicente Aquino em seu relatório, é uma operação entre o Setor de Telecomunicações e a programação e a produção de conteúdos estrangeiros, que não encontra qualquer limitação de veiculação no Brasil.


O juízo pela aprovação da operação dá ainda mais coerência às medidas regulatórias que a Anatel já tomou e vem tomando para fortalecer a competição e aumentar a oferta de serviços de telecomunicações. A competição é favorecida porque mantemos e incentivamos um dos principais players internacionais a seguir atuando no Brasil, o que é coerente com o Plano Geral de Metas de Competição – PGMC já aprovado pela Anatel, que deseja cada vez mais competidores. A oferta de serviços é incentivada à medida que garantimos a presença de conteúdos no país que, para serem rentabilizados, precisam chegar a parcelas cada vez maiores de uma população conectada. Ou seja, incentivar o investimento em conteúdo audiovisual atrai naturalmente o investimento em infraestrutura de telecomunicações. Esse é também o espírito do Plano Estrutural de Redes de Telecomunicações – PERT que, juntamente com o PGMC, tive a honra de relatar e aprovar por unanimidade no Conselho.


Também entendo mitigados os riscos concorrenciais da operação de verticalização entre o conteúdo produzido pelo Grupo WarnerMedia e a distribuição veiculada pelo Grupo Sky, no Brasil, devido aos propósitos de transparência do Acordo em Controle de Operações em que tais grupos se comprometeram perante o CADE: “(i) manter a separação estrutural entre a Sky Serviços de Banda Larga Ltda. e as programadoras de canais do Grupo WarnerMedia; (ii) formalizar todos os contratos de licenciamento de canais de programação e em condições não-discriminatórias; (iii) nomear um consultor independente para avaliar a isonomia das cláusulas de todos os contratos de licenciamento realizados; e (iv) financiar um mecanismo de arbitragem para resolver conflitos relacionados às condições comerciais dos contratos realizados com empresas não vinculadas ao grupo Sky/ WarnerMedia.”


Portanto, inteiramente convencido de que a deliberação pela aprovação é o compromisso mais coerente que podemos assumir em nome do benefício ao usuário de telecomunicações e do interesse público, manifestei antecipadamente meu voto favorável às conclusões do Conselheiro Relator, e entendo que o Brasil só tem a ganhar se caminhar nesse sentido.




Aníbal Diniz é graduado em História pela UFAC, com mandato de conselheiro da Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel até outubro de 2019. Atuou no jornalismo (1984 e 1992), foi secretário de comunicação da Prefeitura de Rio Branco (1993-1996) e do Governo do Estado do Acre (1999-2010), Senador da República (2011 e 2014).


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