No dia que eu vim-me embora não teve nada de mais… E quando eu me vi sozinho, vi que não entendia nada. Nem de pro que eu ia indo, nem dos sonhos que eu sonhava. (Caetano Veloso).
O dia começou mais cedo porque o rapazote aqui tinha que pegar um vôo às nove da manhã em Congonhas. Estava particularmente fria aquela madrugada de 28 de agosto e eu vestia roupas mais pesadas, calça de lã, camisa de flanela, pulôver, botas e casaco de couro.
Alguns dias antes, quando cheguei em casa para o final de semana, dona Josette disse que me ligaram do A.C.R.E.*, sobre uma proposta de emprego, e perguntou que trabalho um engenheiro, ainda por se formar, teria para fazer no clube da associação comercial. Esclareci que a proposta vinha de um pouco mais longe.
Papai me levou na Belina, de Jundiaí para São Paulo, e as margens da rodovia dos Bandeirantes eram esbranquiçadas pelo orvalho congelado sobre a vegetação. Cheguei em Rio Branco perto do meio-dia, com os termômetros batendo nos quarenta graus e o que consegui tirar daquela roupa toda pendurado nos braços.
Antes da primeira decolagem, a comissária da Cruzeiro distribuiu os jornais do dia. Escolhi uma Folha. Acho que o Michele pegou um Estadão. A notícia que me chamou a atenção era sobre o tiro de canhão que um recruta disparou no Palácio Rio Branco, dois dias antes, quando se exibia para a namorada na exposição comemorativa da semana do Exército montada próxima.
A proposta para trabalhar em Rio Branco veio pelo Paulo “Matogrosso” Itacarambi, que atuou, pouco tempo antes, na organização de um encontro de prefeitos de capitais promovido pela Fundação Faria Lima em São Paulo. Na época, Flaviano buscava profissionais para sua equipe técnica, publicando propagandas de emprego nos principais jornais do Sudeste. Paulo era meu professor e o curso da Federal de São Carlos tinha a proposta de formar engenheiros para atuar em prefeituras. Tentou convencer alguns formandos que a oportunidade era excelente, mas somente eu e Michele caímos na conversa.
No sábado anterior à viagem, ainda fomos com o Paulo à casa do arquiteto Nazareno Affonso, próxima ao estádio do Pacaembu, que preparou nossa carta de apresentação para o secretário de planejamento Mauro Bittar, que acompanhou Flaviano no encontro de São Paulo.
Cristóvão do Carmo, que viria a ser meu chefe no Departamento de Transportes da prefeitura, com seu jeito de paizão, esperava no desembarque e nos levou direto para uma entrevista com Mauro. Entregamos as cartas que ele abriu, fez que leu, pôs na gaveta e, sabendo da forte ligação de Paulo e Nazareno com o PT paulista, recomendou-nos não misturar o trabalho com atividade política nos horários de expediente. Me passou uma planilha de tarifa de ônibus produzida pelas empresas que reivindicavam aumento e mandou que eu me preparasse para a reunião da Comissão Tarifária agendada para dali dois ou três dias.
A sede da prefeitura tinha se mudado para o prédio do antigo Hotel Chuí, de propriedade do governo estadual, recém reformado. O soalho de tábuas largas tinha um odor cítrico da cera, que brilhava. Um prédio imponente e robusto, destoante ao resto da vizinhança. Recém saída dos porões do Palácio das Secretarias, a sede dava visibilidade e imponência ao poder executivo municipal.
Na praça em frente, de árvores gigantescas, a cigarras faziam uma zuada forte. E havia muita fumaça das queimadas. No final da tarde saíam dali os ônibus para a Exposição Agropecuária que acontecia um pouco tardia em 1984.
Fiquei por uns dias no Inácio’s até conseguir alugar, com mais três recém chegados, uma casa na entrada do Tropical.
O DTP era num sobradinho no José Augusto, em cima da agência dos Correios, alugado do Martins Bruzugu (que merece um artigo à parte).
Trabalhar nos transportes era gratificante e permitia conhecer rapidamente a cidade toda e suas demandas por infraestrutura. O tempo passava rápido. A burocracia era menor. Fazíamos mais, com muito menos.
A.C.R.E. – Associação Cultural, Recreativa e de Esportes dos comerciários de Jundiaí-SP.
Roberto Feres escreve às terças-feiras no ac24horas.
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