Valterlucio Bessa Campelo
Vivemos uma guerra de narrativas. É por ela que se digladiam na imprensa e nas mídias sociais, os governos, grupos econômicos, partidos e ideologias. Cada um quer fazer prevalecer a “sua” verdade. Os fatos? Quem se importa com os fatos?
A imprensa, que em seus primórdios oferecia ao leitor a informação sobre acontecimentos julgados relevantes, hoje se transformou em arsenal de luta ideológica, veículos de defesa e ataque de grupos e interesses quase sempre ligados ao poder político, incluindo aí o judiciário. Não se trata mais de transferir à sociedade a informação, ainda que selecionada e interpretada, sobre fatos colhidos na realidade, mas de fortalecer um lado, de nutrir uma banda da sociedade representada por grupos de poder.
É assim também no caso atual relacionado às queimadas. É patente, provado, indiscutível perante os números, que o “escandaloso aumento” das queimadas só pode ser assim declarado quando comparado com uma base escolhida para isto, ou seja, um número menor na série histórica. Espremem os dados para que eles revelem o que se quer extrair – um aumento expressivo. A média histórica que uma avaliação honesta deveria observar é jogada de lado, não serve à narrativa, embora, rigorosamente, a situação atual NÃO seja sequer um ponto fora da curva.
A quem interessa imputar ao governo brasileiro recém-instalado, a culpa por um avanço “extraordinário” no desmatamento e queima da floresta amazônica? Há candidatos.
O primeiro deles, quase obvio, é o ecologista hard, aquele tarado do clima que acredita piamente que o IPCC é um órgão científico desinteressado e que o pum da vaca vai aquecer o planeta e nos inviabilizar na terra. Ele aplaude o pânico aquecimentista na certeza de que está servindo à nobre causa de preservação da floresta para as próximas gerações etc. etc. etc.
O segundo é o “ongueiro” da causa. Quanto maior o pânico, mais projetos a fundo perdido, mais consultorias, mais palestras sobre o obvio, mais mídia em volta, mais turbina na carreira, mais reconhecimento na sociedade, mais participação na mudança por um “mundo melhor”. Lindo, não? E lucrativo, diga-se.
O terceiro é o opositor ao atual governo, o derrotado nas últimas eleições, aquele para quem interessa mesmo é que o Bolsonaro se ferre, nem que para isto nos ferremos junto. Assim como são contra a Lavajato e as reformas econômicas, para eles um descrédito do Bolsonaro em nível internacional serviria de comparação com aquela lorota obamista de “Ele é o cara”. Os efeitos negativos contra nossa economia são de menos, desde que se traduzam em perda de popularidade do presidente e facilite a retomada do poder. Não por acaso, uma penca de esquerdistas brasileiros, entre eles os parlamentares Gleisi Hoffmann (PT), Paulo Pimenta (PT), Humberto Costa (PT) Glauber Braga (PSol) e Ivan Valente (PSol), assinaram em Julho passado um manifesto publicado no jornal Liberation (https://www.liberation.fr) pedindo que o Presidente Macron RECUSASSE o acordo Mercosul-União Europeia. No teclado internacional, a tecla F* é vermelha.
O quarto interessado é o produtor agrícola no exterior, especialmente o europeu. Qualquer que seja o fato que limite a expansão da produção de alimentos no Brasil, gera escassez no mercado internacional e, consequentemente, aumento de procura e preços em outros países produtores, viabilizando desse modo a produção ineficiente e cara que exercem. Outro não foi o motivo que fez o presidente francês Emmanoel Macron dar o piti que deu recentemente no G7. Falou especialmente para dentro, falou para os interesses dos agricultores franceses que vão precisar de mais subsídios sempre que o Brasil tiver aumentado seu próprio desenvolvimento agropecuário.
Outro, por fim, é o globalista, aquele que sonha com um mundo sem fronteiras, sem identidades e autonomias nacionais, regido por um ordenamento universal que alcance a todos. Para estes, a integridade da floresta amazônica, bioma cuja existência “garante o equilíbrio do clima” e sem o qual assaríamos feito hamburgeres na chapa quente, dispensa a soberania brasileira sobre seu território.
Macron deu o tom, não acompanhado por outros países, por enquanto, mas, de todo modo, sinalizador de interesses há muito subjacentes em discursos de líderes estrangeiros. Fazem coro, artistas e celebridades internacionais, tanto que nos últimos dias, Madonna, Jaden Smith, Leonardo di Caprio e até o jogador Cristiano Ronaldo, danaram-se a falar bobagens tipo “A Amazônia produz 20% do oxigênio que respiramos”. Nessa até a nossa Anita empenhou seus belos quadris e poucos neurônios.
Indagado, o conhecidíssimo especialista Daniel Nepstad, membro do IPCC, ecologista de carteirinha, humilhou: “É besteira, não há ciência por trás disso. A Amazônia produz muito oxigênio, mas usa a mesma quantidade de oxigênio através da respiração, então é uma lavagem” (https://forbes.uol.com.br). Nem precisava, é matéria de ensino fundamental.
Quem não está interessado no pânico criado em torno das queimadas é a população da região, que acostumada à rotina de queimadas anuais, exibe indicadores de pobreza subsaarianos. Número e tipo habitacional, comunicação, infraestrutura, esgotamento sanitário, abastecimento de água tratada, morbidade, violência, encarceramento, emprego, renda, índices educacionais… tudo isso resumido em quase 3 milhões de famílias penduradas no bolsa-família nos nove estados que integram a Amazônia, exemplifica a realidade que Macron pretende ajudar a resolver com doações que, se muito, alcançam 4% do que foi prometido para a reconstrução da catedral de Notre-Dame, cujo incêndio, aliás, ele próprio não foi capaz de impedir.
A população de mais de 20 milhões de brasileiros que vive na região, a despeito do que possam pensar em Ipanema ou em Paris, não se alia a nenhum dos grupos interessados em, através da histeria, engessar definitivamente as possibilidades de desenvolvimento regional. Há que se encontrar alternativas para que toda essa gente usufrua, tal como os outros brasileiros, dos benefícios do modo de vida engendrado pela sociedade. Isto quer dizer também que o modo de vida idílico, contemplativo e preservacionista que ocupa certas mentes, não passa de miragem e cenografia de TV. Na Amazônia real, a crônica é de pobreza e desencanto.
Reagiu bem o Governo Bolsonaro. Primeiro, ao enfrentar, ao seu modo, o atrevimento do presidente Francês. Segundo, ao liberar seu primeiro escalão, inclusive militar, para se posicionar nos devidos termos perante a opinião pública. Terceiro, ao decretar uma GLO ambiental que assegure a tomada de decisões e ações emergenciais na região com a participação ostensiva de militares.
Paralelamente, os governadores se esforçam para obterem financiamento que possibilite o cumprimento de uma agenda mínima de proteção contra queimadas. Do Fundo Amazônia, do G7, da Lavajato… venham de onde vierem, recursos financeiros vultosos, sob gestão brasileira, são condição necessária para o enfrentamento da questão amazônica em níveis razoáveis.
Aos poucos, creio, os brasileiros de bem encontrarão uma forma adequada para se contraporem àqueles que, por qualquer motivo, endossem a narrativa de que somos incapazes e insuficientes para o desafio amazônico. Isto, ou chegará o dia em que teremos que esmurrar a mesa.
Valterlucio Bessa Campelo é Engº Agrº, Mestre em Economia Rural e escreve todas as sextas-feiras no ac24horas.
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