No último dia 13 de agosto a imprensa sulista noticiava que a fumaça da Amazônia já se fazia sentir nos Estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, uma viagem de milhares de quilômetros da maior floresta do mundo até o outro lado do Brasil.
O Acre contribui sensivelmente para isso – e não só para o sul, pois o fumaceiro é antes respirado pelos locais. De acordo com os dados do Governo, o Acre já registrou 1.257 focos de incêndio e depois de muitos anos o desmate voltou a crescer fora da curva. Essa combinação soma-se à interpretação equivocada do discurso pró-agronegócio em nível estadual e federal. Diz-se equivocada porque os próprios representantes do agro têm saído à público para dizer que a questão ambiental é condição “sine qua non” para o desenvolvimento do País. “Um fator é que precisa menos tempo para secar a vegetação. Um outro fator é a percepção na área rural que não vai ter punição contra os que queimam sem permissão”, avaliou um dos mais reconhecidos cientistas do Acre, o professor Foster Brown. Se não tem punição, conforme deixa entender o discurso do presidente Jair Bolsonaro e do governador Gladson Cameli, por que não queimar?
Reunindo cientistas acreanos, o Laboratório de Geoprocessamento Aplicado ao Meio Ambiente, o LabGama, da Universidade Federal do Acre (Ufac) mostra com dados e imagens que a situação é realmente complicada em tempos que a equação desenvolvimento/preservação já teria de estar resolvida: a última atualização mostra que locais antes pouco atraídos pelas queimadas agora ardem no fogo, como o Vale do Juruá, onde mais de 3.000 hectares viraram cinzas nestes dias de agosto.
Ao contrário de algumas regiões do mundo, a combustão nas matas do Acre não se faz espontânea. O fogo não surge do nada, diz outra renomada pesquisadora acreana, Vera Reis. “Importante lembrar que apesar das condições de seca severa a floresta não queima naturalmente. Alguém está provocando isso”, disse a cientista. “A falta de sensibilidade de muitos e a falta de conhecimento sobre as consequências do desmate e queima de outros, estão contribuindo para amplificar problemas de saúde severos, especialmente em crianças e idosos. O número de internações por problemas respiratórios está elevadíssimo no Acre”, completou ela, que com essa observação chega, então, ao ponto que os sulistas temem quando se deparam com o fumaceiro amazônico em suas terras: a saúde.
Acredita-se em dezenas de milhares de consultas e internações neste verão por conta de problemas respiratórios e da baixa umidade relativa do ar em Rio Branco. E como bem disse Vera Reis, idosos e crianças seguem como os mais afetados. “A dispersão da fumaça em regiões urbanas deixa a população sujeita aos efeitos da poluição atmosférica. Um relatório da Divisão de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde orienta a intensificação de medidas de educação em saúde, voltadas aos acreanos. Entre as orientações estão redobrar a atenção ao trafegar nos locais suscetíveis a queimadas, evitar exposição por muito tempo ao sol, preservar-se de locais com aglomerações, ingerir bastante líquido, ter cuidado ao descartar cigarros ou materiais inflamáveis, além de não queimar lixo ou fazer fogueiras”, informou recentemente a Agência de Notícias do Acre, órgão oficial do Governo do Estado.
O fumaceiro é um estrago só. Em Rondônia, o aeroporto de Porto Velho chegou a ser fechado por causa da fumaça. Junto com o Acre, Rondônia viu crescer sem controle às queimadas no verão de 2019.
Cenas apocalípticas tem sido registradas pelos moradores, que postam nas redes sociais num desesperado pedido de socorro. “E dá pra andar de cabeça erguida com um fumaceiro desse?”, questionou o advogado Cassiano Marques ante a imagem do rapaz cabisbaixo que quase some em meio à fumaça no Centro de Rio Branco.
Na tentativa de minimizar os impactos das queimadas, o governador Gladson Cameli decretou emergência ambiental. O presidente do Instituto de Meio Ambiente do Acre, Israel Milani, reconhece o nível crítico da situação ao colocar mais de 30 instituições se dedicando a enfrentar esse drama. “Decretamos situação de alerta ambiental por conta das condições em que se encontra o nosso Estado. Cada uma das mais de 30 instituições estão trabalhando no planejamento e nas ações para a melhoria da qualidade de vida dos acreanos. Além disso, precisamos conscientizar nossa população a não atear fogo. Vamos ter um verão intenso e com baixa umidade do ar. Isso propícia incêndios e queimadas”, disse Milani.
O ar poluído e a baixa umidade do ar elevaram a venda de umidificadores e nebulizadores. O presidente do Conselho Regional de Farmácia, João Vítor, não possui dados sobre o incremento na vendas desses aparelhos mas dá dicas de como se prevenir contra os efeitos da baixa umidade, que nos últimos dias, tem chegado a níveis críticos -abaixo dos 20%: “bastante hidratação. Quem tiver, uso de nebulizadores. Quem não tiver, pode usar uma toalha molhada no quarto ou um balde com água. Ajuda bastante”, disse João Vitor.
O portal Purple Air (www.purpleair.com) traz um mapa com pontos coloridos, que vão de verde, amarelo, vermelho e marrom, para indicar a qualidade do ar. Neste domingo, 18 de agosto, o Acre só tinha pontos avermelhados. Esses dados são usados pelo Ministério Público do Acre.
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