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No Céu do Mapiá

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Para fazer uma perícia em obra de engenharia ou de dano ambiental é quase sempre necessário ir até o local. Como é esse o meu trabalho, nos últimos doze anos fiz incursões em lugares onde nunca cogitaria um passeio.


Realizei longas caminhadas dentro da floresta, subi morros altos carregando os equipamentos de topografia, conheci aldeias indígenas, naveguei pelos rios em voadeiras e em canoas nos igarapés, voei em teco-tecos e helicópteros por todo o estado do Acre e arredores.

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Alguns casos foram bastante inusitados, como uma missão, em 2009, de quase uma semana mata adentro, próximo a Boca do Acre, a procura do que teria causado um grande clarão visto de vários locais na época do festival de praia.


Subir e descer o Purus, o Juruá e seus afluentes, por si só, proporcionam momentos que se eternizam na memória da gente. Algumas vezes pela beleza da paisagem e outras pelo infortúnio de uma chuva cortando o rosto ou uma hélice danificada.


Em 2014 fiz uma expedição dessas para periciar uma suposta construção de madeira ilegal na vila do Céu do Mapiá, atribuída pela imprensa do Amazonas ao músico Bono Vox.


Como era início do ano, os rios cheios permitiam que a equipe fosse num barco rápido. Saímos de Boca do Acre de manhãzinha e chegamos lá ainda antes do pôr do Sol.


Pessoalmente, sou avesso a atividades de etnoturismo ou o turismo religioso quando o local não pertence à minha origem ou religião. Me sentiria um usurpador entrando numa taba ou numa mesquita, mas isso é coisa minha.


Alguns anos antes de subir o Mapiá, fui designado para ministrar uma palestra sobre drogas para adolescentes em Marechal Thaumaturgo. Entre os alucinógenos tratados estava o DMT, encontrado na bebida de rituais religiosos, que eu tratei ali como Daime, desconhecendo as diferenças de terminologia e causando um certo mal estar com um grupo da União do Vegetal da platéia.



Ao desembarcar na Meca do Santo Daime, cheguei com meus cuidados redobrados para não cometer outra gafe. Éramos quatro, com o barqueiro, e nos hospedamos numa pousada bem próxima ao embarcadouro da vila, de um casal bastante jovem. Eu era o único que ainda não conhecia o vilarejo e também o modo de vida da comunidade.


Uma palavra que pode definir aquele local é “bucólico”. Tudo ali me parecia um tributo a Natureza. Desde o rio Mapiá, fechado pela copa das árvores que deixavam entrar somente a luz suficiente para valorizar as cores da mata, até os caminhos gramados repletos de flores e casas coloridas. Tudo cuidado com muito capricho.


No tempo livre e nas refeições, sempre havia alguém contando como e porque chegou alí para formar uma comunidade há quase quarenta anos. As histórias de vida mostravam pessoas que viveram a sofisticação de grandes cidades antes de adotarem tanta simplicidade.


Numa das horas vagas, fomos conhecer a produção da bebida. Preparação e maceração do cipó Jagube e a infusão nas folhas de Chacrona. Na última noite que passaríamos por lá, fomos convidados para a cerimônia religiosa.


Nos dias anteriores eu havia conversado bastante com o rapaz que nos hospedava, o Alvino, neto do patriarca Alfredo. Falando com ele, cogitei em não ir ao ritual. Tinha receio de parecer intruso. Também não tinha um traje adequado. Só um uniforme operacional totalmente preto e outro de camuflagem em tons de marrom avermelhado.


Ao mesmo tempo que me deixou bastante à vontade na pretensão de recusar o convite, Alvino me ofereceu uma camiseta branca, estampada com a fotografia do avô, caso eu quisesse, e aceitei.


Interessante como fiquei a vontade, observando tudo. Me chamava a atenção o virtuosismo dos músicos, que se revezavam no acompanhamento dos hinos.

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Ao final, um dos violonistas, ex aluno meu na engenharia florestal da UFAC, veio me cumprimentar e apresentar seus amigos. Contou sobre o projeto de manejo que desenvolvia ali e da vida, em geral.


Voltando às perícias de engenharia e meio ambiente, constatei naquele exame que a casa nem era de madeira, nem era também do Bono Vox. Mas isso já é outra história.


Leia também: Bono Vox, vocalista do U2, adere ao Daime; mansão que o hospedou por 45 dias foi doada para a denominação religiosa



Roberto Feres escreve as terças-feiras no ac24horas.


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