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Mesquita e a Classe Média Rural

Por
João Correia

O Governo do professor Geraldo Mesquita não tem recebido o reconhecimento de sua importância para a configuração do Acre atual. Muitos estudiosos acadêmicos (talvez por razões ideológicas) privilegiam os movimentos da Sociedade Civil (papel da Igreja Católica e dos Sindicatos), importantíssimos, diga-se, opondo-se aos “paulistas“, mas minimizam, quando pouco abordam, o papel do Governo Mesquita nessa quadra.


E o Governo Mesquita teve importância semelhante à do Governo Dantas, com o sinal trocado. Foi um antípoda seu, revelou-se-lhe um antagonista. Em verdade, o Governo Mesquita foi o Governo Dantas, ao revés, quando tratou-se de emprestar apoio aos agentes do mercado de terras.


É equivocada, todavia, a impressão de que os “paulistas “ foram indexados e expurgados do Acre pelo Governo Mesquita. Longe disso. Os procedimentos de abertura, consolidação e mesmo expansão das fazendas de gado de corte continuaram, mas debaixo de um olhar governamental um tanto indiferente, menos amistoso e acumpliciado de que o anterior. E os deserdados da terra (produtos do intenso comércio de áreas) passaram a ser objeto de preocupações, também, de políticas governamentais estaduais e federais.


Na Gestão Mesquita, a oferta de carne bovina de Rio Branco, por exemplo, foi suprida através de gado boliviano. A oferta interna ainda era incipiente.


O Governo Mesquita (1975-79) deu-se numa conjuntura de crise aguda da economia brasileira. Em 1973 foi posto em operação o poderoso cartel dos países exportadores de petróleo – OPEP – e alvejou o Milagre Brasileiro (crescimento acima de 11% a.a, de 1968/73 da economia brasileira) em pleno voo. Em outubro daquele ano, os países da OPEP elevaram de 2,9 para 11,65 dólares o barril do petróleo, mediante redução programada da produção. Os preços do petróleo subiram abruptamente em mais de 400%. O Brasil estava longe da autossuficiência e a conta petróleo transformou-se numa hemorragia caudalosa para as contas nacionais.


É sabido que quaisquer dificuldades na economia brasileira refletem imediatamente no Acre haja vista a grande dependência dos tributos formadores do Fundo de Participação dos Estados -FPE-, principal fonte de receita do Governo acreano.


No que diz respeito ao poder politico, saliente-se, havia a continuidade da ditadura militar e a negação de eleições livres para os municípios e para os Estados do país. Nesse contexto, Geraldo Gurgel de Mesquita foi indicado ao Governo do Acre pelo General Ernesto Geisel, que tinha como Chefe da Casa Civil da Presidência da República o General Golbery do Couto e Silva, um dos principais formuladores da Doutrina de Segurança Nacional e criador do Serviço Nacional de Informações.


Não é apropriado, por agora, adentrar a abordagem de se a reação de descontinuidade radical que se deu com o Governo Geraldo Mesquita em relação ao de seu antecessor, Wanderley Dantas, decorreu da iniciativa do próprio Governador Mesquita, se foi construída pelo Governo Federal ou se foi fruto de uma junção politicamente conveniente de ambos os atores.


O fato concreto, repise-se, é de que o Governo Mesquita passou a negar peremptoriamente quaisquer facilidades à expansão do mercado de transferência de terras e reduziu drasticamente o peso político que poderiam ter os “ paulistas” como eram conhecidas as pessoas envolvidas nas lides agrárias. É certo que Geraldo Mesquita possuía índole autoritária, maltratava os adversários políticos e fora, em longínquo passado, simpatizante do Partido Comunista. Mas havia muito seguia o partido da ordem e defendia com distinção a escuderia da ARENA. Já o Governo Federal, com o General Ernesto Geisel, possuía um conhecido perfil estatizante e encontrava-se enredado em manter ou expandir a performance da economia brasileira sem aprofundar os problemas sociais e as desigualdades latentes gestadas no período do Milagre Brasileiro, ou seja, a política geral de Geisel tentou promover um ajustamento da economia brasileira aos choques externos dos preços do petróleo, sem aprofundar os mecanismos recessivos. Tal escolha está na raiz dos graves e crônicos problemas vivenciados com o endividamento externo (abundância de petrodólares) matriz principal do estrangulamento externo subsequente da economia do Brasil.


Saliente-se ainda, por oportuno, no Governo Geisel, a existência de bolsões de grupos extremistas de esquerda praticando a luta armada. A Guerrilha do Araguaia – vencida, desbaratada e extinta pelas forças armadas, apenas em 1974 – irradiava lembranças muito nítidas e incômodas especialmente para a linha mais dura dos militares. Seus ecos ainda eram ouvidos em quaisquer posições de confrontos agrários.


Não é descabida, portanto, a presunção de que interessava aos militares ao máximo a pacificação de quaisquer conflitos existentes, por um lado, bem como evitar o surgimento de novos, por outro.


O Governo Mesquita agiu em duas frentes principais: a) em relação ao Governo Federal, direcionou duas importantes autarquias para sua política interna: INCRA e SUDHEVEA (serão tratadas no próximo artigo) e b) no âmbito interno, estruturou a intervenção de políticas públicas sobre colônias nas circunvizinhanças de algumas cidades acreanas, às quais nominou de NARIs- Núcleos de Apoio Rural Integrados (ações de assistência técnica, armazenamento, abastecimento de insumos, saúde, educação etc). No caso de Rio Branco, os NARIs funcionaram, dentre outras, nas unidades do Calafate, Barro Vermelho, Panorama, Achyles Peret etc. O objetivo era a constituição de uma classe média rural que pudesse acumular ativos e prosperando colocar-se como alternativa viável ao seringal autônomo e à grande propriedade territorial de pecuária de corte.


O Governo Mesquita também deu provimento pioneiro a uma encorpada infraestrutura produtiva que serviria aos colonos de seu Governo e os dos subsequentes, sob a forma de empreendimentos públicos, tais como: a) a CAGEACRE (implantação de uma rede de armazéns e financiamento de permanência de produtos armazenados por produtores rurais); b) a COLONACRE (projetos de colonização estadual e venda de insumos agrícolas a colonos e de atendimento aos seringais); c) CILA (laticínio e bacia leiteira); d) Estação de Piscicultura (implantação de estrutura de produção local de alevinos e venda aos criadores de peixe): e) ampliação do espectro da EMATER; f) criação da CODISACRE (implantação do distrito industrial) etc.


O corifeu do coro dos diversos gestores governamentais foi, no Governo Mesquita, o engenheiro agrônomo José Fernandes Rego.



João Correia escreve às quintas-feiras no ac24horas. 


FOTO: Fundação Getúlio Vargas – Internet  


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