Valterlucio Bessa Campelo
A nação brasileira mais uma vez foi sacudida pelo noticiário político. Um site eletrônico, reconhecidamente operador da pauta de esquerda, pertencente a um jornalista militante ou, se preferirem, um militante jornalista, Glenn Greenwald, revelou diálogos que se em sua literalidade não comprometem objetivamente o Ministro Sérgio Moro, deixam no ar, como ameaça, a sensação de que “tem mais coisa a vir à tona”, o que de algum modo expande a versão de que foi tisnada a ética com que se desenvolve a operação Lava Jato e, portanto, estaria viciado o processo que inclui o ex-Presidente Lula. Aliás, este é o alvo – deteriorar a confiança no ex-Juiz Moro, nos procuradores da Lava Jato, na Justiça e, com isto, legitimar uma alegada perseguição política, visando a liberdade do Lula e sua volta triunfal ao cenário político.
De quebra, no interesse de estabelecer uma crise administrativa, a coisa toda vem à tona enquanto se discute no Congresso o pacote anticrime e a reforma da previdência. Para quem aposta na crise, nada mais apropriado do que um executivo paralisado, um legislativo tonto e uma justiça em marcha à ré. Seus artífices julgam que, com o apoio da mídia, podem gerenciar esta crise em seu favor, dela extraindo uma nova oportunidade de poder. As sobras, independentemente da gravidade e extensão, ficam para depois. Nada que o “Dom Sebastião” não resolva com seus discursos de picadeiro e o aplauso da patuleia.
A estratégia dos setores alinhados à esquerda não leva em consideração a realização de justiça sustentada por um poder coercitivo, capaz de obrigar igualmente os homens ao cumprimento dos seus pactos. Chegamos a um estágio de alienação tal que é comum se ouvir de parlamentares(!) que “não há justiça com Lula preso”, o que vale dizer “não há pacto social se não for sob meus critérios”. Para essa banda da sociedade, o que importa é voltar ao poder e, se para isto for necessário negar a Lei, o correto, a moral, assim seja.
Da outra parte, o Moro e a equipe de procuradores da Lava Jato que, de modo inédito e imprevisível, percorreram nos últimos anos um itinerário tortuoso de aplicação da justiça com largueza e profundidade capazes de alcançar os sujeitos mais poderosos da república. Políticos e gigantes do empresariado que confessaram, delataram, testemunharam e comprovaram a própria vileza. Considerando que o aparelho institucional jamais esteve preparado para tal propósito, é de se supor que não poderia ter sido feito absolutamente sobre o fio da navalha.
O responsável pela divulgação dos trechos dos quais não se pode sequer afiançar a real procedência é daqueles íntimos a quem o Lula dá entrevistas na cadeia. Seus interesses são claros, não está em busca da verdade como jornalista, está em busca de meios que sustentem sua narrativa pronta. Em termos sintéticos, teria o então Juiz Sérgio Moro e a Lava Jato e seus membros (dezenas de profissionais) dedicado anos de seus maiores esforços, promovido a prisão de centenas de pessoas incluindo os maiores empreiteiros do Brasil, recuperado bilhões de reais esvaídos da Petrobras, exposto as entranhas podres da coalizão espúria que governou o país durante o Lulopetismo, apenas para prender Lula que, por acaso, é o único inocente em toda a história. Um enredo que só pode soar verdadeiro a um idiota ou aos já convertidos, se tanto.
Já se disse muitas vezes que a esquerda, autoritária por natureza e obrigação, está sempre disposta a usar a liberdade que a democracia oferece para solapá-la. No caso presente, ela pretende usar a Justiça em suas filigranas para solapá-la em sua alma. É como erigir um altar ao método enquanto o fim – a justiça, jaz na masmorra. De modo contumaz e compreensível, disto se valem advogados, mas, convenhamos, seu compromisso é com o cliente, quem tem compromisso com a justiça é o Estado.
Curiosamente, há os “do meio”, aqueles que não compreendendo a natureza, extensão e gravidade do processo que vivemos, fazem opção pelo “isentismo” equidistante. Estes, embora cientes da culpa dos autores e beneficiários do petrolão, encontram razões para defender o processo penal em absoluto. Talvez durmam melhor se achando “justos”, ou, como dizem por aí, estejam querendo “ir pro céu”. Imagine propor que uma suposta desobediência ao inciso IV do Art. 254 do Código de Processo Penal – CPP, anularia o processo referente aos crimes de lavagem de dinheiro e de corrupção devidamente apurados e julgados em três instâncias! Nem estou referindo ao crime (Art. 154-A do Código Penal) praticado para que esta suposição esteja em tela.
Está na Lei e, como precaução, é recomendável não abusar do arbítrio ou fazer concessões éticas no curso do processo sob o risco de adiante estarmos tratando com um monstro, mas, não sendo jurista, tenho liberdade para insistir em que nesta balança há, de um lado um elefante e, do outro, uma formiga. De um lado, crimes sem conta praticados e, de outro, uma suposição de desobediência a um inciso do CPP.
Mas, deve-se perguntar: Que prejuízo aos envolvidos são decorrentes da “impropriedade” (royalties para o Ministro Marco Aurélio de Melo) alegada? Esqueceram os fatos? As provas? As testemunhas? Os julgados? Sem prejuízo, não há razão de nulidade. É claro que, opinando assim, me exponho a levar uma severa reprimenda em jurisdiquês. Conforta-me que não estarei sozinho. Os Juristas Modesto Carvalhosa e Edilson Mougenot também não.
Pensávamos, cá na planície, que a política brasileira teria um momento de normalidade após a eleição passada. Vieram as caneladas do Bolsonaro, o chafurdo no Congresso Nacional em torno dos projetos do Governo, as chantagens do centrão, o ativismo judicial e a oposição cega dos derrotados, tudo muito horroroso, mas um horror político que politicamente seria resolvido como é próprio da democracia.
Infelizmente, vemos que enquanto o bumbo toca, o diabo opera. O grampo criminoso a diálogos entre juízes e promotores, que fez a euforia dos corruptos (Min. Barroso, do STF) se insere com precisão no discurso de Lula em 2014 – “Eles (nós) não sabem do que somos capazes”. Tinha ele razão. Não sabíamos, mas estamos aprendendo.
Valterlucio Bessa Campelo é Engº Agrº, Mestre em Economia Rural. Neste breve artigo, um cidadão.
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