No site da BBC Brasil tem uma notícia interessante sobre produtores brasileiros de queijos que ganharam 59 medalhas (12 de ouro) num concurso na França. O inusitado foi que precisaram “contrabandear” o produto até lá para conseguirem participar do evento.
A burocracia nacional, na prática, impede o produtor artesanal de se profissionalizar. Fazer um queijinho ou um pão caseiro de fundo de quintal, até pode. O problema é dar algum passo na direção do CNPJ para oficializar o negócio.
A crise econômica tem feito muita gente empreender, principalmente no ramo dos serviços e da alimentação. Coisa que dá para reforçar o orçamento e, às vezes, até para arrumar trabalho para mais gente. Pães, pizzas, bolos, bombons e brigadeiros são comercializados pelas esquinas da cidade, nas repartições públicas e pelos corredores das universidades. Também ocupam um espaço importante nos grupos das redes sociais.
Tenho um amigo que trabalha com fundição de alumínio. Compra a matéria prima de catadores ou em ferrovelhos e transforma em panelas, artefatos de cozinha e churrasqueiras. Outro dia me disse que gostaria de profissionalizar sua oficina para deixar algo mais sólido para o filho. Só me ocorreram os custos que isso vai gerar: no mínimo precisará de um engenheiro metalúrgico que se responsabilize pela fabriqueta. Terá também que adequar o local às normas ambientais, sanitárias, de segurança do trabalho e conseguir uma porção de licenças e alvarás.
Passar de uma atividade que permite tirar dois ou três mil reais por mês, informalmente, para algo profissional, exige um investimento não apenas financeiro, mas em burocracia também. Algumas vezes, como no caso do meu amigo forjador, a conta mensal não fica por menos dos dez mil reais em custos fixos e o investimento mínimo na casa dos cem mil. Nem com botas de sete léguas dá para ir tão longe.
Só o fato de ter uma oficininha de marcenaria ou mecânica, ou ainda um ponto para o comércio de artesanatos, já expõe o sujeito a toda sorte de fiscalização. Até para a placa de propaganda da fachada tem taxa. E é impossível vender para fora sem emitir notas para a postagem nos Correios.
E não faltam incentivos para fomentar o empreendedorismo. Estão aí o Sebrae, Secretaria de Pequenos Negócios, créditos diversos, incentivos na participação de licitações públicas e programas das diversas esferas governamentais. Corre até uma Medida Provisória no Congresso tratando sobre a Liberdade Econômica (MPV 881) com o intuito de simplificar a questão. Abrir uma pequena empresa é até fácil. Difícil é colocá-la para funcionar, com tantas normas, regras e exigências que o próprio empreendedor não consegue entender.
Quando dá sorte e tem sucesso na transição, os desafios não necessariamente ficam menores. Os limites de faturamento para continuar no regime de tributação simplificada são muito baixos. Ao passar de pequeno a médio, aumenta mais ainda a burocracia e os impostos. Não raramente, os que se mantiveram na informalidade são agora fortes concorrentes. As grandes empresas, que diluem melhor seu custo fixo, pressionam na outra ponta.
O certo é que ou se tem capital para começar grande, ou as chances de sobrevivência são mínimas.
O olhar das agências de regulação precisa ser revisto em relação ao empreendedorismo, ao custo de um dos mais importantes vetores de recuperação da economia brasileira continuar sendo motivo de tanta frustração. Não é o caso de flexibilização da segurança ou da qualidade dos produtos, mas de otimização e celeridade dos procedimentos.
Não basta apenas assessoria técnica e crédito barato. A transição do amadorismo para a formalidade precisa ser um processo e não um salto olímpico. O papel dos licenciadores vai muito além de verificar se todos os passos do checklist foram cumpridos para liberarem o alvará.
Só assim nossos queijos, bolos, cervejas, churrasqueiras, cosméticos, sandálias de látex e tantos outros produtos poderão ser vendidos para o mundo todo e ganhar prêmios no exterior sem terem que sair do país como contrabando.
Roberto Feres escreve às terças-feiras no ac24horas.